Lava Jato não é ‘golpe’ ou ‘exceção’, afirma Toffoli

Luiz Maklouf Carvalho

09/10/2016

 

 

ENTREVISTA - JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI

Vice-presidente do Supremo, ministro não endossa crítica de ‘espetacularização’ feita pelo colega Teori Zavascki e diz que operação é produto do ‘processo civilizatório’ do País. 

Dois ministros José Antonio Dias Toffoli – um pintado, na parede; outro fotografado, na mesinha de vidro – ilustram a sala de espera de seu amplo gabinete no quarto andar do anexo 2 do Supremo Tribunal Federal, onde recebeu o Estado na noite da quinta-feira passada.

As imagens regulam por outubro de 2009, ano em que chegou à Corte, com 41 anos, indicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e aprovado pelo Senado.

Lá se vão quase sete anos. O ministro ficou grisalho, introjetou profundamente a garantia constitucional da vitaliciedade – “Estando aqui você não deve nada a ninguém” – e ganhou em ponderação e, com trocadilho, empoderamento.

“Um juiz tem de ter sobriedade.

E um juiz de Suprema Corte tem de ter sobriedade de sobra, paciência e couro curtido”, respondeu, por exemplo, para explicar sua sóbria reação, em agosto passado, ao ver-se, na capa da revista Veja, em acusação relacionada à Operação Lava Jato (empreiteira delata ministro do Supremo).

“Fiquei completamente chocado, a matéria era um vazio, não tinha absolutamente nada, mas, enfim, a gente sabe que apanha quando está num cargo desses”, disse. “Aqui nós desagradamos a muitas pessoas.

Tenho colegas aqui que já foram ameaçados.”

A Operação Lava Jato acabou sendo o tema principal da entrevista. O ministro a defendeu como enquadrada nas leis, criticou as críticas e atribuiu a profundidade das investigações a uma melhoria da legislação.

“Jamais existiria a Lava Jato se não houvesse as leis aprovadas nos últimos anos pelo Congresso Nacional, e sancionadas pelos últimos presidentes da República.” 

O Supremo não está demorando com a tramitação da Operação Lava Jato?

Diante da complexidade do tema, eu não vejo que haja atraso. Pelo contrário, está num ritmo bem adequado. O Supremo não é só um tribunal criminal. Trata de várias questões da Nação brasileira. Lá em Curitiba o juiz é exclusivo para isso, está designado para cuidar só deste caso.

 Há quem considere essa exclusividade inconstitucional, por supostamente ferir o princípio do juiz natural.

Não acho que seja. É uma causa grande e complexa. O tribunal entendeu por bem designar um outro juiz para cuidar das demais causas da vara.

E no Supremo, como é que funciona o andamento das questões penais no geral, e no caso Operação Lava Jato?

Aqui todos nós temos direito a ter um juiz criminal auxiliar, o que ajuda muito. O ministro Teori Zavascki (relator dos processos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal) foi autorizado a convocar mais um. 

Por que o Supremo demora tanto a julgar os políticos?

É importante lembrar – até para corrigir uma injustiça – que, até dezembro de 2001, os parlamentares não eram processados aqui no Supremo porque precisava de autorização prévia da respectiva Casa Legislativa.

O que foi que mudou em dezembro de 2001?

Uma emenda constitucional inverteu a lógica: a Justiça está autorizada a processar; se o Congresso quiser, ele pode, por maioria absoluta, suspender a tramitação. 

A qual injustiça o senhor se refere?

À falsa ideia de dizer que o Supremo não punia. É que não podia processar. Temos de respeitar os colegas que já se aposentaram. 

No caso da Ação Penal 470 – o chamado mensalão – o Supremo ficou um longo período tratando quase que exclusivamente do caso. O ministro Teori Zavascki poderia ou deveria acelerar e focar o trabalho do gabinete com prioridade absoluta para a Operação Lava Jato?

Eu pedi pra fazer um levantamento: a AP 470 exigiu da Corte 53 sessões plenárias, em pouco mais de quatro meses. 

É algo assim que tem de ser feito agora?

Por enquanto, a maioria desses casos está em instrução, e alguns já estão sendo levados às turmas para julgamento. A decisão de mandar a maioria dos casos para as turmas – antes todos eles iam a plenário – dinamizou muito o andamento das ações penais contra quem tenha prerrogativa especial de função. 

Qual é o ritmo processual dessas ações aqui, no Supremo?

Do ponto de vista processual, a legislação para o foro de prerrogativa – Lei 8.038, de 90 – tem um ritual mais lento do que aquele relativo a quem não tem foro. E é óbvio que quando você está num colegiado você tem de preparar um voto para convencer os colegas.

Um juiz de primeira instância não tem de convencer mais ninguém, só ele mesmo. 

Tem alguma coisa na Lava Jato que incomode o senhor?

Existem meios jurídicos de tentar combater os excessos que possam ocorrer nessa operação. Não se pode falar que é golpe, exceção, que não é o juiz natural. Isso está tudo dentro do Estado Democrático de Direito. E todo mundo tem advogado, faz o seu recurso, apresenta a sua defesa, nas devidas instâncias judiciais. 

Não lhe parece que o Ministério Público tem apresentado algumas denúncias como se elas já fossem a sentença?

Quando o Ministério Público apresenta uma denúncia é porque está convencido de que houve o crime, que existe uma autoria e que ele teria elementos de prova. Ao fim e ao cabo, quem decide é o juiz.

Na terça-feira passada, o ministro Teori Zavascki criticou, na segunda turma, da qual o senhor faz parte, o que chamou de espetacularização na apresentação da denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O sr.

concorda com a crítica?

Aquilo foi uma manifestação dele, que tem mais conhecimento sobre o caso. 

E qual é a sua manifestação?

É muito melhor um Estado Democrático de Direito em que o órgão acusador vai lá e, publicamente, divulga a sua opinião do que nós termos um regime de exceção, em que ninguém pode falar. Aqueles que se sentirem prejudicados com algum tipo de excesso vão ter a justiça para se socorrer. A mim, não causa espécie.
 

Qual é a importância da Operação Lava Jato?

Eu não acho que a história e o processo civilizatório brasileiro começaram com essa operação. Eu acho que ela é produto do processo civilizatório. Jamais existiria a Lava Jato se não houvesse as leis aprovadas nos últimos anos pelo Congresso Nacional e sancionadas pelos presidentes da República, entre elas, a da colaboração premiada. 

O que lhe parece o juiz Sérgio Moro?

Parece uma pessoa extremamente preparada. 

Leis

“Eu acho que ela (Operação Lava Jato) é produto do processo civilizatório. Jamais existiria a Lava Jato se não houvesse as leis aprovadas nos últimos anos pelo Congresso Nacional e sancionadas pelos presidentes da República, entre elas, a da colaboração premiada.”

Dias Toffoli

MINISTRO DO SUPREMO

 

O Estado de São Paulo, n. 44917, 09/10/2016. Política, p.A4