Valor econômico, v. 17, n. 4106, 06/10/2016. Política, p. A7

Repatriação torna pública disputa entre Maia e Moura

Líder do governo reúne-se com secretário da Receita

Por: Raphael Di Cunto, Thiago Resende, Edna Simão, Cristiane Bonfanti e Fabio Graner

 

A disputa entre o líder do governo, André Moura (PSC-SE), e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ganhou contornos públicos ontem por causa do projeto, articulado por Maia, para alterar a Lei de Repatriação e conceder regras mais vantajosas para as pessoas e empresas que quiserem regularizar ativos não declarados no exterior em troca de anistia.

Moura, que ficou de fora das articulações sobre a proposta, se reuniu pela manhã com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e afirmou que o Executivo concordava com adiar o prazo de adesão em 15 dias, para 16 de novembro, mas não com a tributação apenas sobre o saldo no fim do ano - a chamada "foto". "Isso não é justo. Tem que fazer pelo filme", frisou Moura.

A diferença mudará o total pago por quem repatriar o dinheiro. A foto, defendida pelos articuladores do projeto, é o saldo sobre o dia 31 de dezembro de 2014. Caso não existam recursos nesta data, será considerado o saldo do dia 31 de dezembro do ano imediata mente anterior, até 2011 ou 2010, o que também estava em aberto. O que a pessoa ou empresa escondeu fora do país, mas gastou, não seria tributado.

Parlamentares pressionam, junto com entidades como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), pela mudança dizendo que aumentará a segurança jurídica e, assim, elevará o número de adesões, trazendo mais dinheiro para o país. O imposto de renda e multa somam cerca de 25% do valor que será regularizado.

A Receita nunca concordou com esse método. Entende que a cobrança deve ocorrer sobre as movimentações financeiras dos cinco anos anteriores. E que, com o novos tratados de combate à sonegação fiscal em vigor, quem não aderir ao programa será pego e estará sujeito a sanções penais, inclusive à prisão.

O líder do governo defendeu essa visão e também criticou o que chamou de "descarte", que permitiria declarar um valor menor que o real, como de um imóvel, para reduzir a multa e imposto e, apenas caso a Receita descubra, fazer a declaração correta, sem sanções. O projeto prevê que erros na declaração não levarão à exclusão automática nem perda da anistia. "Está incentivando todo mundo a burlar a legislação" afirmou Moura.

"Esses dois pontos não podemos aceitar. Isso é injusto até mesmo com quem faz hoje da maneira correta como deve ser", continuou o líder do governo, integrante do grupo de partidos chamado "centrão" e que rivaliza com o grupo de aliados de Maia. Os dois se enfrentaram na disputa pela liderança do governo, quando o centrão saiu vitorioso, e depois pela presidência da Câmara.

Um do principais articuladores do projeto, Maia disse que o governo trata os deputados "como palhaços" ao tentar alterar o texto no dia da votação e manter o filme. "Quero dizer o seguinte: se essa arrecadação vier abaixo do que está se esperando, o governo não vai fechar a conta e vai ficar com a conta aberta", disse. "Depois não vá querer aumentar imposto", protestou.

Depois de suas declarações ganharem repercussão, Maia pediu desculpas no plenário e disse que subiu o tom por causa de um mal-entendido. "Reitero que é o momento de manter a Casa unida com o objetivo único de votarmos as matérias que são essenciais para o país", afirmou.

Não houve, porém, consenso. "A Fazenda vai conversar com o relator", disse Moura. "É claro que é foto", afirmou Maia.

O requerimento de urgência, que permite levar o projeto direto ao plenário, sem passar pelas comissões, foi aprovado ontem por 278 deputados a 39. Com exceção do PSB, que se manifestou contra a proposta, os demais partidos da base aliada do presidente Michel Temer orientaram as respectivas bancadas de forma favorável à urgência. Os partidos de oposição se posicionaram contra a urgência e o projeto.

Para o líder do PSB, deputado Paulo Foletto (ES), o relatório está muito ruim e vai, ao invés de aumentar a arrecadação, reduzi-la ao restringir a cobrança, posição coincidente com alguns técnicos do governo. "Sonegou o dinheiro, gastou tudo e agora terá anistia sem pagar quase nada. O crime compensou", disse. A votação do projeto ficou para segunda-feira.

Os governadores estaduais também não querem mudanças, em especial no prazo de adesão, por temerem não ter como cortar gastos para acertar suas contas. "O prazo do dia 31 de outubro é fundamental para o fechamento do ano fiscal de 2016", disse o governador do Piauí,Wellington Dias.

A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, disse que, se houvesse segurança de que não haveria mudanças na Lei da Repatriação, a União já estaria partilhando os impostos com os Estados. Segundo ela, a repatriação é o principal alívio de curto prazo para os entes federativos, especialmente das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Para pressionar o governo, o PT apresentou emenda para que o dinheiro das multas, hoje destinado apenas ao governo federal, também seja dividido entre União, Estados e municípios, proposta também defendida por governadores. Isso estava previsto no projeto original, mas a ex-presidente Dilma Rousseff, do próprio PT, vetou.

Um grupo de deputados pretendia ainda apoiar emenda do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) para que políticos e seus parentes possam participar do programa. "Dinheiro é dinheiro. Não tem cor", disse. A restrição entrou na lei por emenda do PSDB quando o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), investigado por manter contas não declaradas no exterior, presidia a Câmara. Maia prometeu à base que a votação dessa emenda será nominal.