Semana decisiva para Celina e Liliane Roriz

 

17/10/2016
Otávio Augusto

 

Há dois meses a capital federal assistia atônita ao escândalo que acabou por deflagrar a Operação Drácon, que apura a suposta cobrança de propinas sobre créditos orçamentários da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), no valor de R$ 30 milhões, para o pagamento de dívidas do governo com empresas de UTI. O caso denunciado pela deputada Liliane Roriz (PTB), que enfrenta um processo de cassação de mandato, ficou conhecido como UTIGate. A fraude envolve um quarto da Câmara, inclusive parlamentares do alto escalão (leia Entenda o caso). A Justiça tomou uma decisão inédita e da mesma magnitude: afastou toda a Mesa Diretora da Casa, incluindo a então presidente, Celina Leão (PPS), acusada de participar do esquema. Nesta semana, os destinos de Celina e Liliane voltam a ter os caminhos políticos cruzados: a primeira pode retomar o cargo de chefe do legislativo. A outra, se tornar ficha suja.

Amanhã, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça analisa o pedido de reconsideração da decisão que tirou Celina do comando da Câmara. Na quarta-feira, a 5ª Turma Cível conclui o julgamento da ação de improbidade administrativa que pode suspender os direitos políticos de Liliane por dez anos — a decisão influencia diretamente o processo de cassação da parlamentar na CLDF. Trata-se de uma das maiores questões do legislativo local em seus 25 anos de atuação. O desfecho das duas situações pode criar uma reviravolta no cenário político do DF.

Sob o argumento de que era “dispensável” o Ministério Público (MPDFT) pedir o afastamento da Mesa Diretora no fim de semana, a defesa de Celina questiona o fato de a decisão ter vindo de um desembargador plantonista. O advogado Eduardo Toledo ainda entende que o caso deveria ter sido julgado pela Justiça Federal, por envolver suspeita de crime de evasão de divisas e lavagem de dinheiro — considerados crimes federais. “Estamos discutindo a ausência de fundamentação para afastar a deputada da presidência. A medida drástica não levou em consideração que Celina não atrapalhava as investigações e que não há indícios de que as práticas continuavam. A matéria se refere a acontecimento de meses antes, em dezembro”, explica Eduardo.

A ação, que pede retorno dos parlamentares à Mesa Diretora, representa apenas os interesses de Celina. Entretanto, com uma eventual reconsideração da Justiça, os outros três deputados afastados — Raimundo Ribeiro (PPS), Júlio César (PRB) e Bispo Renato Andrade (PR) — também podem ser beneficiados e voltam a exercer as funções no comando da Casa. Apesar do afastamento, os distritais mantêm os mandatos.

 

Análise governista

A composição da nova Mesa Diretora da Câmara Legislativa colocou na linha de frente deputados distritais aliados do governador Rodrigo Rollemberg (PSB). A começar pelo presidente em exercício da Casa, Juarezão (PSB), que migrou para o partido do chefe do Executivo local há sete meses. A hipótese de os distritais afastados retornarem ao comando da Câmara, sobretudo Celina, desagrada o Palácio do Buriti. Para o Executivo local, Juarezão tem função estratégica, apesar da pouca experiência como liderança, por ser da base aliada.

Com as bênçãos do governador, o distrital lançou-se para a disputa à vice-presidência e saiu vitorioso com 14 votos. O parlamentar foi um dos personagens do escândalo dos grampos no Buriti. Em uma conversa com Rollemberg, outros parlamentares e assessores, o deputado disse que o governo sofria derrotas na Câmara porque “não estava dividindo o bolo” igualmente.

 

Alto escalão

Celina Leão (PPS) e os deputados Raimundo Ribeiro (PPS), Júlio César (PRB) e Bispo Renato Andrade (PR) deixaram a Mesa Diretora da Câmara Legislativa em 22 de agosto, após a Justiça acatar a acusação do Ministério Público (MPDFT), de que a presença deles atrapalharia as investigações. No mesmo dia, o desembargador Humberto Adjuto Ulhoa também determinou o cumprimento de 14 mandados de busca e apreensão e oito de condução coercitiva — quando a pessoa é obrigada a prestar depoimento.

 

Entenda o caso

Esquema de propina

As denúncias sobre um suposto esquema de cobrança de propina para a liberação de dinheiro para empresas de UTIs surgiram após a deputada distrital Liliane Roriz (PTB) gravar conversas com a presidente da Câmara Legislativa, Celina Leão (PPS). A chefe do Legislativo teria tratado sobre os recursos para a saúde. Celina e um grupo de distritais da Mesa Diretora teriam exigido dinheiro de empresários para liberar R$ 30 milhões para o pagamento de dívidas de hospitais. O caso é investigado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que identificou indícios das irregularidades. Os recursos haviam sobrado do orçamento da Câmara. Inicialmente, os valores seriam remanejados para pagar reformas de escolas públicas. Mas, segundo a denúncia de Liliane, o empresário abordado não aceitou pagar propina. Diante da negativa, deputados teriam buscado alternativas. “Se vai ajudar, tem que ajudar todo mundo”, afirmou Celina à Liliane. “Você não tá fora do projeto, não. Você tá no projeto. Mandei o Valério já falar com você”. A chefe do Legislativo faz menção a Valério Neves, ex-secretário-geral da Câmara Legislativa, preso na Operação Lava-Jato acusado de ser operador do ex-senador Gim Argello. Em outra gravação, Valério diz que o “negócio” de Cristiano (Araújo) poderia render “no mínimo 5% e, no máximo, 10%, em torno de 7%”.

 

Correio braziliense, n. 19502, 17/10/2016. Cidades, p. 17