Corrida à aposentadoria cria rombo de R$ 2,7 bi

 

18/10/2016
Rosana Hessel

 

Temendo as mudanças que virão com a reforma do sistema previdenciário e a possível perda de benefícios, funcionários públicos têm procurado antecipar a passagem para a inatividade. O movimento pode prejudicar os planos do governo de reduzir os desequilíbrio das contas públicas. Só as novas concessões liberadas em 2016, até julho, ainda antes do impeachment de Dilma Rousseff, devem acrescentar R$ 2,7 bilhões ao rombo do sistema de previdência dos servidores da União.

Dados do Ministério do Planejamento, que têm deixado o Palácio do Planalto em alerta, mostram que, no fim de julho, a União tinha 577.416 aposentados, incluindo civis e militares, 6,1% a mais que os 544.186 do fim do ano passado.

O ritmo de crescimento do pessoal inativo foi quase oito vezes a taxa média registrada desde 2013, de 0,8% por ano. Em apenas sete meses de 2016, 33,2 mil pessoas ingressaram no sistema previdenciário do funcionalismo, enquanto, no ano anterior o número foi de apenas 7,3 mil — acréscimo de 25,9 mil pessoas.

Procurado, o Planejamento informou por meio de nota que não vê sinais de aumento substancial nos números.

 

Idade

Há ainda outro dado preocupante no Boletim Estatístico de Pessoal elaborado pela pasta: a idade média dos aposentados caiu de 60 para 59 anos no mesmo período. Diante da crescente  expectativa de vida do brasileiro, isso significa que os funcionários inativos tendem a passar mais tempo recebendo aposentadoria, o que complica ainda mais as contas de um sistema já pesadamente deficitário.

Pelas contas do economista Leonardo Rolim, consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, o valor médio dos benefícios do funcionalismo gira em torno de R$ 8,5 mil mensais. Considerando os 25,9 mil aposentados a mais registrados neste ano em relação a 2015, o aumento da despesa da União com esse excedente será de R$ 2,7 bilhões, que deverão aumentar o rombo do sistema do funcionalismo, estimado, por ora, em R$ 78 bilhões, pela consultoria da Câmara.

“É possível que esse impacto seja maior ainda, porque há muitos servidores que já completaram os requisitos para se aposentar, mas ainda não entraram com os pedidos. Esse número é estimado em 20% do pessoal da ativa, e a tendência de antecipação é crescente”, alertou Rolim. Segundo ele, no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que atende o setor privado, as chances de apressar a aposentadoria são menores porque o trabalhador não consegue as mesmas vantagens que os servidores; portanto, o impacto financeiro deve ser mais suave.

Conforme dados do último boletim estatístico da Previdência Social, no acumulado em 12 meses até agosto deste ano, o total de benefícios concedidos cresceu 11,8%, após uma queda de 16,6% em 2015.  Segundo a assessoria do órgão, o crescimento, no entanto, reflete “o represamento de pedidos acumulados durante as últimas greves de servidores da instituição”.

A assessoria informou também que havia pedidos represados desde o ano passado, em virtude da mudança das regras para a fórmula 85/95. Quem entrou com a papelada há quatro meses está começando a receber o benefício agora. O ministério acredita que os requerimentos devem aumentar, mas isso “só será percebido a partir do início do próximo ano”. O rombo da Previdência do setor privado, que atende 33,5 milhões de pessoas, é estimado pelo governo em R$ 149 bilhões neste ano.

Fonte do governo disse que a preocupação com a antecipação das aposentadorias é crescente, mas as autoridades evitam falar sobre o assunto. O número de pedidos de aposentadoria passou a crescer depois que a nova equipe econômica começou a falar sobre a reforma da Previdência. Os dados de agosto e de setembro ainda não foram consolidados pelo Planejamento, mas a fonte avisou que “o deficit da Previdência deverá crescer de forma exponencial” devido às antecipações.

Na avaliação do economista e consultor Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC), a corrida dos servidores para garantir a aposentadoria “contribuirá para aumentar o desequilíbrio do sistema”.

Para a economista Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal, “os servidores podem estar antecipando a aposentadoria ou simplesmente exercendo o direito de receber o benefício integral, temendo a reforma”. Ela lembra que um dos pontos das mudanças pretendidas pelo governo é a unificação dos sistemas público e privado.

A fonte disse que o presidente Michel Temer precisa explicar melhor o que estará na reforma e buscar tranquilizar quem tem mais de 50 anos, a fim de evitar que o movimento de antecipação se acelere. “A reforma tem que ser cartesiana e inteligente, do contrário tem impacto explosivo a curto prazo”, pontuou.

 

Urgência

Freitas reconhece que a reforma da Previdência é necessária, dado o descontrole das contas públicas e a falta de uma reserva financeira bem administrada para o pagamento dos beneficiários. Ele lembra que, na década de 1970, alguns órgãos tentaram se antecipar e criaram programas próprios de previdência, como o BC, mas a ideia foi extinta pela Constituição de 1988.

“Muitos sabiam que esse problema iria chegar porque uma hora a receita seria menor que a despesa. E esse desequilíbrio ocorreu porque a despesa foi mal gerenciada e cresceu além do que devia”, explicou Freitas.

No caso dos servidores, lembrou o ex-diretor do BC, uma das medidas mais danosas para o sistema previdenciário foi a equiparação dos salários dos ativos com os benefícios dos inativos, criada em 1988. “Essa é uma das principais distorções do sistema público que precisará ser revista com a reforma. O benefício deveria ser corrigido pela inflação, e não mais do que isso”, afirmou.

O economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria, diz que o crescente deficit da Previdência é o principal motivo da expansão acelerada da dívida pública, que alcançará 73,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim deste ano.

 

Gastos

Klein alerta que, se a reforma previdenciária e a emenda constitucional que limita o avanço dos gastos públicos não forem aprovadas pelo Congresso, o endividamento poderá chegar a 101,6% do PIB em 2021, nível considerado insustentável. “Além disso, o governo precisará tomar medidas complementares para reequilibrar as contas, porque, mesmo com o teto, as despesas continuarão crescendo nos próximos anos”, alertou, sugerindo corte de subsídios e revisão de programas governamentais, visando uma economia de 5% das despesas discricionárias (não obrigatórias).

 

Assistência social infla os gastos

Na avaliação de Carlos Eduardo de Freitas, é preciso que o saldo negativo do INSS seja visto com cuidado, porque é resultado do enorme volume de benefícios de assistência social, como auxílio-doença, pensões vitalícias etc, que, “se não estivessem na conta da Previdência, ela seria superavitária”. “A sociedade poderá avaliar uma forma mais adequada de eliminar gradualmente o gasto com assistência dentro da Previdência, que giram em torno de R$ 137 bilhões por ano, migrando os benefícios para um fundo ou instituição constituído pela arrecadação de contribuições para essa finalidade específica”, sugeriu.

 

Frase

"A reforma tem que ser cartesiana e inteligente, do contrário tem impacto explosivo a curto prazo"

Selene Peres Nunes, economista

 

Correio braziliense, n. 19503, 18/10/2016. Política, p. 7