Dinheiro de Angola nas campanhas do PT

 

19/10/2016
Eduardo Militão

 

A Polícia Federal vai abrir um inquérito para apurar a suspeita de que o empresário Taiguara Rodrigues, sobrinho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atuou para abastecer o caixa dois de campanhas eleitorais em 2012, na disputa pelas prefeituras. O objetivo é investigar “movimentações financeiras irregulares” na conta da Exergia Brasil, de Taiguara e seu sócio Emmanuel Camano, “no interesse” do candidato do PT em São Bernardo, Tarcísio Secoli, e de seu aliado, o prefeito petista, Luiz Marinho, “possivelmente relacionadas à campanha eleitoral” na cidade. Mas o relatório dos delegados que atuam na Operação Janus é mais amplo e cita repasses de dinheiro, trocas de e-mail e saques em espécie sobre a campanha em Taubaté (SP) e sobre o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) em Minas Gerais.

Lula, o sobrinho e o presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, são alguns dos réus em ação penal que os acusa de participar de um esquema de corrupção a partir de obras da empreiteira em Angola, financiadas com dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A construtora obteve US$ 2,7 bilhões em empréstimos para empreendimentos no país africano e subcontratou a firma de Taiguara por R$ 20 milhões.

Em 2012, a Exergia pagou valores às empresas ligadas a campanhas eleitorais. “É possível, portanto, que as movimentações financeiras suspeitas tenham a finalidade de dissimular o pagamento de gastos de campanhas não contabilizados, já que ocorreram em ano eleitoral”, escrevem os delegados Fernanda Costa e Guilherme Siqueira em documento que integra a ação penal da Operação Janus.

A Exergia pagou R$ 220 mil para a Aquarela Print Serviços de Impressão Gráfica. De acordo com dados levantados pelo Correio, dos R$ 160 mil recebidos pela firma de comitês partidários naquelas eleições, R$ 104 mil foram do Diretório do PT em São Paulo e R$ 42 mil do diretório petista em São Bernardo do Campo, quando Luiz Marinho (PT) conseguiu a reeleição.

A PF acrescenta que, em trocas de e-mails, Camano e Tarcísio Secoli combinavam pagamento de fornecedores e entregas de recursos. Secoli foi o coordenador de campanha de 2012 de Marinho, ex-secretário municipal da prefeitura e candidato derrotado nas últimas eleições. A Exergia pagou R$ 53 mil para a Petris Comunicação Visual. Um e-mail para Camano informa que o pagamento será feito “conforme solicitação do Tarcísio”. Na Petris, uma pessoa que se identificou como dona da empresa disse à reportagem ontem que o negócio se referia a “material de impressão”, mas que foi fechado por um vendedor chamado Richard — ele não foi localizado pelo Correio.

Em 4 de outubro de 2012, Camanho envia ao coordenador de campanha e-mail em que diz que “o saldo estará disponível para saque”. Secoli indica o endereço: Avenida Redenção, 514. Segundo uma fonte disse ao Correio, esse era o comitê de campanha do próprio Marinho. A PF informa que, no dia combinado, a conta da Exergia registra um saque de R$ 33 mil em espécie. Outro pagamento feito pela Exergia e listado pela PF são R$ 117 mil para o posto BR-101 Autocenter.

A reportagem questionou a prefeitura de São Bernardo se Taiguara e suas empresas pagaram despesas da campanha vitoriosa de 2012, mas não obteve respostas. “Todos os recursos recebidos pela campanha à reeleição do prefeito Luiz Marinho constam da prestação de contas entregue e aprovada pela Justiça Eleitoral”, limitou-se a explicar a assessoria do prefeito.

 

Depósitos

Relatório da polícia revela que a Exergia pagou R$ 110 mil à Artcen Promoções Artísticas em setembro de 2012. A empresa prestou serviços à campanha do ex-prefeito de Taubaté (SP) Roberto Peixoto (PMDB) e trabalhou para o candidato do PT em 2012, Isaac do Carmo, aliado dos peemedebistas à época. O comitê do PT em Taubaté pagou R$ 241 mil à Artcen, segundo o TSE. “A Prefeitura de Taubaté e o prefeito Paulo Miranda (PP) desconhecem o assunto”, informou a assessoria do município.

A Exergia ainda recebeu R$ 500 mil da AFN Consultoria Ltda. em 2012, embora Taiguara tenha declarado que o único cliente da firma fosse a Odebrecht. O sócio da consultoria é Aristides França Neto, presidente do PRTB de Minas. “Não foram encontradas razões que justifiquem os depósitos da AFN em benefício da Exergia, posto que Taiguara Rodrigues foi assertivo em afirmar, em suas declarações, que ‘o único cliente da Exergia Brasil era a Construtora Odebrecht Angola’”.

Ainda em 2012, a Exergia pagou R$ 1,48 milhão à T7 Quattro Consultoria, “uma empresa inativa” e sem clientes, de acordo com Camano. A Odebrecht e a defesa de Taiguara não quiseram comentar. A reportagem não obteve esclarecimentos das empresas Aquarela, Artcen e BR-101. Isaac do Carmo e Aristides França não foram localizados.

 

Correio braziliense, n. 19504, 19/10/2016. Política, p. 2