Valor econômico, v. 17, n. 4104, 04/10/2016. Brasil, p. A3

Proposta eleva piso para saúde e setor terá R$ 8 bilhões a mais

Referência para o mínimo a ser aplicado será 2017, e não 2016

Por: Fabio Graner e Edna Simão, colaborou Ribamar Oliveira

 

No último dia de negociações antes da apresentação do relatório, o governo concordou em garantir um piso maior para os gastos com saúde e educação durante a vigência da Proposta de Emenda Constitucional 241, a PEC do teto de gasto. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, informou que a referência para o mínimo a ser aplicado nessas duas áreas será o ano de 2017, e não mais 2016, como constava no texto original enviado ao Congresso, o que por si só já elevaria este piso, que será corrigido pela inflação a partir de 2018.

O Valor apurou, no entanto, que para calcular esse mínimo, o governo vai antecipar o índice de 15% da receita corrente líquida (RCL), previsto para valer só em 2020, na Emenda Constitucional 86. Com isso, segundo fontes envolvidas nas discussões, o piso da área deve ficar em torno de R$ 112 bilhões em 2017, montante próximo ao previsto no Orçamento do ano que vem.

Essa engenharia permitirá ainda que a exigência de aplicação mínima na saúde seja cerca de R$ 8 bilhões acima do que seria com a aplicação normal da chamada Emenda 86, que estabelece o piso para 2017 em 13,7% da receita líquida.

O governo federal conseguiu fechar com o relator da PEC do gasto, deputado Darcísio Perondi (PDMB-RS), um consenso em torno do relatório, que, acreditam, facilitará a aprovação. Além de melhorar o piso da saúde, o entendimento do relator com os técnicos do governo envolve outras modificações no texto original, sem alterar de maneira relevante o escopo da proposta. "O texto da PEC ficou mais consistente, enérgico e melhor para o país", disse Perondi.

Uma das alterações acordadas é que a correção do teto geral de gasto usará como referência o IPCA acumulado em 12 meses até junho de cada ano. Antes, o texto falava da inflação do ano. Essa medida vai vigorar na peça orçamentária de 2018. A mudança é mais de ordem operacional, para facilitar o envio do Orçamento ao Congresso. Para a proposta orçamentária de 2017, contudo, segue valendo a correção de 7,2%, que era o IPCA projetado para este ano quando o texto foi enviado ao Congresso.

O prazo do Novo Regime Fiscal segue em 20 anos, com atualização do índice de correção a partir do décimo ano. Mas o governo aceitou mudar a redação para que o indexador possa ser corrigido a cada mandato presidencial, ou seja, em intervalos de quatro anos, conforme o período eleitoral. Antes, o texto só previa uma oportunidade de correção, o que era uma preocupação levantada na área técnica, conforme antecipou o Valor. Meirelles reconheceu que a instituição de um gatilho de dívida que pudesse levar a uma mudança de regra antes dos dez anos foi discutida, mas explicou que houve consenso para não adotar essa ideia.

O governo e o relator também concordaram em ampliar a exceção da Justiça Eleitoral no limite de gasto, de forma que despesas com plebiscitos, eleições suplementares e investimentos em biometria possam ocorrer sem constrangimentos orçamentários. A medida foi um pedido do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes.

Perondi disse ao Valor que vai especificar no texto da PEC que um crédito suplementar ao Orçamento em vigor só poderá ser aberto se houver o cancelamento, no mesmo montante, de outras despesas. Assim, um crédito suplementar não poderá ampliar a despesa primária fixada no Orçamento, mesmo que a meta de superávit primário para o ano esteja garantida e que haja receita para isso.

O relator informou que a expectativa é que o texto da PEC seja lido amanhã para ser votado na quinta-feira. Já na segunda-feira, pela previsão do relator, seria votado em primeiro turno no plenário da Câmara e até o fim do mês, em segundo turno, para ser encaminhado ao Senado. Perondi repetiu o discurso de que a aprovação da PEC vai impedir um colapso fiscal e que, com ela, o Orçamento deixará de ser fictício.

Ao ceder na regra de cálculo do piso da saúde, o governo tenta minimizar o mais importante foco de resistência à PEC 241. Isso, no entanto, reduz um pouco a flexibilidade da área econômica na gestão fiscal, reforçando a urgência de medidas para conter a evolução das despesas obrigatórias, como a reforma da Previdência.

Outro risco é a compressão maior de gastos em outras áreas, especialmente os investimentos, sempre os principais candidatos a cortes. Com um piso mais alto e a tradição do governo e dos parlamentares em trabalharem acima do mínimo legal da saúde, outras despesas podem sofrer mais com a perda de espaço, já que terá que ser respeitado o limite de gastos.

Meirelles reforçou que a aprovação da PEC do gasto é fundamental para o país, principalmente em um cenário de evolução descontrolada das despesas públicas e da dívida pública que, segundo ele, são um dos motivos para o Brasil estar vivendo a crise atual. Ele tentou mostrar confiança na aprovação da medida. (Colaborou Ribamar Oliveira, de Brasília)

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PEC do teto de gastos será aprovada com facilidade na Câmara, prevê Planalto

Por: Thiago Resende, Andrea Jubé e Rosângela Bittar

 

Principal medida do ajuste fiscal, a proposta de criar o teto para as despesas públicas deve ser aprovada, com folga, segundo cálculos feitos no Palácio do Planalto. Os líderes de partidos da base do governo na Câmara se comprometeram com o presidente Michel Temer, durante jantar na semana passada, a fechar questão em favor do limite para o crescimento dos gastos, o que levará as bancadas a votarem em bloco de forma favorável. Alinhando as bancadas, o apoio ao texto pode chegar de 380 a 400 votos, mais do que o necessário para aprová-lo.

Apesar das críticas do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto, a bancada do PSDB, que tem o líder do governo no Senado, e integra o governo Temer no Ministério das Relações Exteriores, apoia o movimento para dar o aval ao chamado Novo Regime Fiscal.

Autoridades do governo, quando confrontadas com o fato de que o governador de São Paulo tem feito críticas à PEC, rebatem com a informação sobre a promessa de fechamento de questão.

Diante da pressão de deputados da base, inclusive de tucanos, a área econômica e também política do governo intensificaram as negociações e construíram ontem, com a participação do ministro Henrique Meirelles e do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, uma nova versão da proposta, a ser apresentada hoje pelo relator, Darcísio Perondi (PMDB-RS).

Parlamentares da base não se conformaram enquanto o governo não encontrou fórmula mais favorável ao teto para educação e saúde, sobretudo saúde, uma vez que se considera suficiente o montante de verbas destinadas à educação.

Para garantir o apoio à PEC, o Planalto preparou uma intensa agenda de articulação com congressistas, que já foi colocada em prática e seguirá até o fim da tramitação da medida. Em jantar, na semana passada, no Palácio da Alvorada, costurou-se o acordo para que todos os deputados da base do governo votem pela aprovação do Novo Regime Fiscal.

Líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), informou ontem que, em reunião com a Executiva Nacional, o partido deve fechar questão, nesta semana, para que toda a bancada - 35 deputados - vote a favor do teto para os gastos públicos. "Não é uma mudança de regra. É um novo conceito de responsabilidade de despesas", disse Rosso.

Até amanhã, o Planalto planeja ações para aparar arestas na base aliada. Os encontros não ficarão restritos a lideranças partidárias. A articulação envolve, principalmente, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, além do presidente Michel Temer, que estava ontem em viagem internacional.

Ontem, foi a vez de o presidente da República em exercício, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), jantar com Meirelles e os líderes da base, que já haviam participado de intensas negociações no Ministério da Fazenda. Para hoje e amanhã estão previstos um café da manhã e também jantares, que devem ser comandados por Temer.

A ideia é Perondi ler o relatório hoje na comissão especial criada para analisar a PEC dos gastos, que, então, votaria o parecer até o fim da semana. A proposta só iria para o plenário por volta do dia 10 de outubro.

PT e Psol anunciaram ontem que irão tentar obstruir as votações, usando, por exemplo, requerimentos de adiamento da pauta. Caso não tenham sucesso, já preparam emendas para desidratar a PEC, como deixar despesas com saúde e educação fora do cálculo do teto.

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Presidente do BC participa de discussões com relator da medida

Por: Claudia Safatle e Fábio Graner

 

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, está participando das reuniões e das discussões sobre a PEC 241, que estabelece o congelamento da despesa pública em valores reais por até 20 anos. Ele esteve no encontro de ontem do relator da PEC, Darcísio Perondi, com a área econômica do governo, no Ministério da Fazenda.

Ilan também esteve na reunião do dia 27 de setembro, no Palácio da Alvorada, quando Temer convocou todos os ministros, os líderes dos partidos, os presidentes da Câmara e do Senado e os deputados da comissão especial da PEC dos gastos.

Ao contrário do seu antecessor, Alexandre Tombini, que não se envolveu com as questões da política fiscal, limitando-se à área de responsabilidade direta do BC, como as políticas monetária e de crédito, Ilan está atuante na defesa do reequilíbrio das contas públicas para a retomada do crescimento econômico. E, em particular, para a queda da taxa básica de juros (Selic). Dificilmente o setor privado encontrará investimentos mais atrativos do que os juros de 14,25% ao ano.

A participação de Ilan na discussão tem um efeito simbólico que não deve ser desprezado, já que o corte dos juros está na dependência da aprovação da PEC. Segundo uma fonte da Presidência da República, as intervenções de Ilan agregam pela sua experiência e qualificação.

Um dos presentes na reunião com Perondi, ontem, disse que o presidente do BC falou pouco, mas deixou o recado de que seria importante que o texto a ser apreciado pelo Congresso seja visto pelo mercado como algo que preservou o espírito da proposta original. Assim, ressaltou, as eventuais mudanças não devem descaracterizar a mensagem principal da PEC de que o gasto público será reduzido em relação ao tamanho da economia nos próximos anos e que a dívida pública reverterá sua trajetória de alta.

A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está marcada para os dias 19 e 20. Até lá espera-se que o teto para o gasto já tenha sido aprovado na comissão e votado em primeiro turno no plenário da Câmara. A aprovação da proposta será um sinal decisivo para a redução da Selic.

No relatório trimestral de inflação, o BC destacou que o limite para alta de gastos e a reforma da Previdência, cujo envio pelo governo está previsto para este mês, são essenciais para recuperação do equilíbrio fiscal e de trajetória benigna da dívida.

A expectativa no Palácio do Planalto é que líderes partidários cumpram o compromisso de "fechar questão" com suas respectivas bancadas em favor da aprovação da PEC dos gastos. A conta, hoje, é que o governo deve obter entre 380 e 400 votos favoráveis ao projeto, bem acima dos 308 votos necessários para sua aprovação.