Cunha o "criminoso em série", é preso

 

20/10/2016
Eduardo Militão
Patrícia Rodrigues

 

Por considerar que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) cometeu “crimes em série”, ainda oferece risco de obstrução à Justiça e à garantia da recuperação do dinheiro escondido no exterior, o juiz Sérgio Moro ordenou a prisão do deputado cassado. Com a perda do foro privilegiado, o ex-parlamentar passou a ser alvo de investigações em primeira instância. O pedido da força-tarefa da Lava-Jato do Ministério Público no Paraná chegou às 13ª Vara Federal de Curitiba no dia 10 e foi despachado pelo magistrado às 11h30 de segunda-feira passada. O ex-parlamentar é acusado de receber US$ 1,5 milhão em propinas e esconder o dinheiro em contas na Suíça – valores recebidos do empresário português Idalécio de Oliveira, fornecedor da Petrobras, por meio do lobista João Augusto Henriques.

Ontem, por volta das 13h, Cunha recebeu a Polícia Federal em seu apartamento funcional (ele ainda ocupa imóvel da Câmara) na 316 Sul. Pouco antes, agentes e delegados bateram à porta de sua residência no Rio de Janeiro. Avisado, o ex-parlamentar ligou para seu escritório de advocacia, que enviou profissional para aguardar os policiais. Ele saiu pela garagem, segundo o defensor Pedro Ivo Velloso, que já está em Curitiba. Ao Correio, Velloso disse que a prisão do cliente era “absurda”. Segundo o advogado, o pedido de prisão do Ministério Público ficou parado por quatro meses no Supremo Tribunal Federal (STF). “Se (a prisão) tivesse fundamento, não teria ficado parado.”

Cunha não foi levado para a carceragem da PF, que fica próxima à 316 Sul, no Setor Policial Sul. Em vez disso, foi encaminhado diretamente  para o hangar da polícia no aeroporto. Embarcou em um jato da corporação em direção a Curitiba.

A prisão de Cunha é preventiva, sem prazo para acabar. Caso não faça colaboração premiada, o ex-deputado será transferido para o Complexo Médico Penal de Pinhais (PR), na região metropolitana da capital paranaense — onde já estão detidos réus como o ex-senador Gim Argello (ex-PTB-DF), o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o sócio da empreiteira OAS Léo Pinheiro e os ex-deputados André Vargas (ex-PT-PR) e Luiz Argôlo (ex-PP-BA).

Moro negou pedido do Ministério Público para fazer busca e apreensão nos endereços de unha e de veículos dele, que teriam sido comprados com dinheiro do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, detido no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. O juiz disse que o STF já havia ordenado varredura nos endereços do ex-presidente da Câmara. Moro preferiu impedir apenas a venda dos veículos por enquanto, mas decidirá se vai ordenar mesmo o arresto dos carros.

 

PMDB

A prisão de Cunha reforça os temores de que outros políticos, principalmente do PMDB, sejam os próximos da mira de investigadores da Lava-Jato. Como mostrou o Correio, o operador João Augusto Henriques já foi condenado por participar da distribuição de US$ 31 milhões em propinas a partir de um fornecedor de navios da Petrobras, a Vantage Drilling, inclusive a integrantes do PMDB ainda não identificados. Moro destacou em sua decisão o fato de o dinheiro ser destinado a “agentes políticos”. O juiz lembrou que Jorge Zelada, o ex-diretor de Internacional da petroleira , participante dos negócios considerados ilícitos envolvendo Idalécio de Oliveira e a Vantage, foi nomeado “com o apoio de políticos do PMDB”.

 

Riscos

Para Moro, o fato de Cunha ter deixado de ser deputado não acabou com os riscos de obstruir a Justiça, de prejudicar a ordem pública e a aplicação da lei penal. Há indícios de que o ex-deputado está envolvido “não em crimes isolados, mas na prática de crimes em série contra a Administração Pública e de lavagem de dinheiro, sempre envolvendo milhões ou dezenas de milhões de reais desviados dos cofres públicos”. Ele citou duas ações penais, além de inquéritos sobre desvios no Porto Maravilha (RJ), em tramitação de emendas provisórias, em ameaças a testemunhas e na decisão de Teori Zavaski ordenando o afastamento de Cunha da Câmara por obstrução da Justiça. Por ter dupla nacionalidade, o ex-deputado, que também é italiano, poderia fugir do país.

 

Correio braziliense, n. 19505, 20/10/2016. Política, p. 2