Valor econômico, v. 17, n. 4103, 03/10/2016. Política, p. A2

Freixo, Doria e violência em Itumbiara são o resultado de uma eleição inédita

Por: Maria Cristina Fernandes

 

A eleição mais barata das últimas décadas foi também a mais violenta. Um fato pode explicar o outro, mas a chegada ao segundo turno do deputado estadual Marcelo Freixo (Psol) é o fato mais vigoroso em defesa da mudança que levou o país a ter, depois de 20 anos, a primeira eleição sem contribuições empresariais. Freixo, que fez carreira política no combate a milícias e ao crime organizado, é o candidato mais bem-sucedido em convencer os eleitores a doar para sua campanha.

Egresso de um dos menores partidos da Câmara dos Deputados, Freixo recebeu 63% de sua receita de eleitores e terminou sua campanha com superávit para o segundo turno. Deixou fora da disputa o candidato do prefeito Eduardo Paes, Pedro Paulo Teixeira (PMDB), que fez a campanha mais cara do país (R$ 9 milhões) e termina com uma dívida de R$ 2,4 milhões.

A disputa por recursos mais escassos é apontada por políticos de todos os partidos como causa de eleições com uma presença recorde de tropas do Exército, requisitadas em 485 cidades. O argumento chegou aos ouvidos do ministro Raul Jungmann, que o credita à pressão pela mudança no sistema de financiamento.

O titular da Defesa vê outras causas, como a crise fiscal que desaparelhou as polícias estaduais e o avanço do crime organizado sobre o território da política, mas não descarta a disputa acirrada por caixa dois como fator da violência exacerbada. E diz que a volta às regras anteriores é dar o braço a torcer ao crime: "A violência será usada como argumento na pressão pela volta às regras anteriores de financiamento, mas não há clima para isso. O sistema anterior colapsou".

Campanhas mais pobres são apontadas como evidência de que o caixa dois não aumentou, ainda que setores tradicionalmente provedores do dinheiro ilícito, como o jogo do bicho, igrejas e times de futebol tenham se mantido como financiadoras. O crime que mais chocou a campanha do primeiro turno, o assassinato do prefeito de Itumbiara, vitimou um político que viu seu patrimônio crescer com um time de futebol. Quando morreu, José Gomes da Rocha (PTB) acumulava dívidas de quase R$ 400 mil em sua campanha.

As empresas de ônibus, tradicionais financiadoras, perderam posição no ranking do caixa dois porque os cartões eletrônicos diminuíram a disponibilidade de "dinheiro vivo" à sua disposição. O caixa dois, diz um parlamentar empenhado na eleição de um aliado, poderia ter sido maior não fosse a greve bancária.

Ex-juiz eleitoral e um dos principais ativistas pelo fim das contribuições empresariais, o advogado Marlon Reis também vê relação entre a falta dinheiro e o excesso de crime, mas diz que a reversão das regras seria a capitulação de um modelo que já demonstrou ser capaz de tornar as disputas mais transparentes.

Reis cita duas mudanças para aperfeiçoar o modelo: a obrigatoriedade de informar despesas no mesmo prazo com que se declaram as receitas (72 h) e a limitação dos gastos de candidatos ricos a um patamar equivalente, por exemplo, a 10% dos dispêndios estimados da campanha.

O candidato do PSDB em São Paulo, João Doria, foi o segundo em volume gastos de seu patrimônio pessoal. Vem depois do empresário Vittorio Medioli (PHS), que bancou integralmente os custos da campanha (R$ 3,9 milhões). Doria tirou R$ 2,9 milhões do bolso para custear 40% de sua campanha. A expressiva votação que deu a Doria a vitória em primeiro turno, no entanto, não pode ser atribuída exclusivamente aos gastos realizados pelo candidato tucano.

O sucesso de Doria é expressão de uma campanha focada na antipolítica de uma cidade que tem como uma das principais expressões eleitorais de sua história outro empresário que se aventurou na política, o ex-prefeito Paulo Maluf. Se não é razoável creditar a expressiva votação de Doria ao dinheiro que pôs em sua campanha, a derrota do prefeito Fernando Haddad (PT) tampouco enfraquece a tese de que uma campanha sem dinheiro empresarial favorece o instituto da reeleição.

Haddad, a exemplo de Doria, terminou a campanha endividado. O fracasso de ambos em entusiasmar eleitores a contribuir financeiramente com suas campanhas dá o tom apolítico que marcou a campanha na maior cidade do país. Além da acolhida do bordão de Doria - "sou gestor, não sou político" -, o eleitor expressou seu alheamento da disputa na urna com o número recorde de eleitores que não optaram por qualquer candidato. A soma de abstenção, votos em branco e nulos em São Paulo foi de 38,5%.

A escassez de dinheiro só não foi maior por conta do fundo partidário que, este ano, chega a quase R$ 1 bilhão. A disputa pelos recursos do fundo indispôs chefes partidários e deputados que tentaram se valer dos recursos para eleger prefeitos e vereadores aliados. O fundo subsidiou, em grande parte, a montagem das coligações eleitorais.

A mudança na regra que permite uma coligação com tantos partidos quanto possível, mas limita, para efeito de horário eleitoral gratuito, a contagem do tempo disponível aos seis maiores partidos reforçou a tradicional estratégia dos partidos do Centrão.

Integrantes do "time dos seis", o PP manteve a tradição de lançar poucos candidatos em capitais e praças com retransmissoras de televisão para negociar a cessão de seu tempo aos partidos que encabeçam a chapa. Em número total de municípios, o PP foi o segundo partido que mais lançou candidatos. Nas capitais, ficou em 11º, com apenas seis candidatos. Apenas um, Angela Amin (Florianópolis), passou ao segundo turno.

O deputado federal e ex-governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), que viu seu candidato, Geraldo Julio (PSB) passar confortavelmente ao segundo turno, no Recife, advoga uma mudança para que o acesso ao fundo partidário não vire uma guerra fratricida entre parlamentares e chefes partidários. Diz que despesas fixas de campanha, como transporte, combustível e gráfica, deveriam ser bancadas pelo partido, que estabeleceria cotas aos candidatos.

No cinismo do repertório parlamentar, campanhas eleitorais são a safra da "redistribuição de renda", quando os políticos tomam dinheiro de empresários para gastar com seus eleitores. A escassez de dinheiro, que fez com que o primeiro turno custasse um terço daquele de 2012, diminuiu essa distribuição, mas não impediu que os partidos se valessem da campanha municipal para reforçar suas posições em relação às eleições gerais.

Campanhas para deputado, pulverizadas em vários municípios, exigem uma logística custosa. É isso que levará os parlamentares a pressionar por mudança de regras, ainda que uma grande parte delas apenas tenha começado a surtir efeitos para melhorar o país.