Título: Lago Paranoá sem lei
Autor: Araújo, Saulo; Alcântara, Manoela
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2011, Cidades, p. 19

Morte de jovem de 20 anos revela a falta de regras para o uso do espelho d%u2019água. Somente agora, seis meses depois do maior acidente ocorrido no local, é que um decreto do governo autoriza a formação de um grupo para definir as normas

O acidente que tirou a vida do assistente de funerária Rafael Alves da Conceição, 20 anos, poderia ser evitado caso existissem regras específicas para o uso do Lago Paranoá. O local em que o jovem se afogou, na tarde do último sábado, quando praticava o stand up paddle (SUP), fica a menos de 300 metros de onde o superlotado barco de festas Imagination naufragou, em 22 de maio deste ano, matando nove pessoas (Leia Memória). A proximidade entre as duas tragédias apenas comprova a desorganização no maior espelho d"água da capital. Atualmente, banhistas, embarcações de grande e pequeno porte dividem o mesmo espaço.

A ausência de uma legislação que defina como devem se comportar os frequentadores permite, por exemplo, que gente sem nenhuma experiência em atividade náutica desafie as águas do Paranoá. Este ano, 16 mortes foram registradas no lugar, número que poderia ser reduzido caso o Governo do Distrito Federal tivesse cumprido a promessa feita há seis meses de instituir o Plano de Gerenciamento do Lago.

Somente na última quinta-feira o governador Agnelo Queiroz (PT) assinou o Decreto nº 33.323 autorizando a criação de um grupo de trabalho que vai estabelecer diretrizes para quem utiliza o espaço. Enquanto as medidas não saem do papel, milhares de pessoas continuam a correr riscos. Uma das medidas será definir as áreas de banho. O Corpo de Bombeiros deve sugerir que pessoas nadem, no máximo, a 100 metros das margens, para evitar que sejam atingidas por embarcações. Equipamentos como lanchas, movidos a motor, serão orientados a trafegar em zonas delimitadas.

Também ficarão proibidos objetos improvisados para flutuar, como câmaras de ar de pneus, muitas vezes usadas como boias. Com as determinações, militares da Marinha, bombeiros e da própria Polícia Militar poderão usar da força para reprimir as imprudências. "A normatização vai contribuir para que fique claro as atribuições de cada uma das instituições de segurança que atuam no lago", ressaltou o comandante da Companhia de Salvamento Aquático dos Bombeiros, capitão Luís Cláudio da Fonseca. A Marinha, por meio de nota, garantiu já ter se adiantado ao plano para reforçar a fiscalização precária no lago. A corporação garante ter aumentado o efetivo de soldados e embarcações, mas quem vai com frequência ao espelho d"água não nota tal mudança.

Investigação Enquanto isso, a Polícia Civil trabalha para elucidar a morte de Rafael da Conceição. O depoimento de uma testemunha desmonta a versão de James Radde. O empresário alugou a prancha de stand up paddle para o jovem, que não sabia nadar. Seu corpo foi resgatado quase 24 horas depois do acidente. Radde contou que, antes de entregar o equipamento a Rafael, ministrou uma aula sobre os procedimentos que deveriam ser adotados e que a vítima e outros integrantes do grupo interessados em praticar o novo esporte foram orientados a usar colete salva-vidas. A informação é contestada por um homem que, no mesmo dia, recorreu aos serviços de Radde e que estava com Rafael.

Na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul), responsável pelo caso, a testemunha, que não teve a identidade revelada, disse que a instrução dada no Clube do Vento, localizado no Setor de Clubes Sul, durou menos de cinco minutos e que, em momento algum, foi oferecido equipamento de proteção pessoal aos esportistas amadores. "Vamos ouvir os responsáveis pelo aluguel da prancha, mas essa pessoa que estava junto da vítima afirma que tudo (instrução) foi muito superficial", disse o chefe da 1ª DP, delegado Anderson Espíndola.

Rafael pesava cerca de 120 quilos e nunca teve contato com a modalidade esportiva aquática. Mesmo assim, não recebeu acompanhamento de profissionais. De acordo com o instrutor de SUP da Mormaii, que fica no Pontão do Lago Sul, Marcos Rafael Melo, é preciso ter conhecimento do equipamento para autorizar o aluguel. Ele afirma que cada prancha suporta um tipo de peso e altura. "Por exemplo: para uma pessoa mais baixa e magra é recomendado um tipo de equipamento. Se for mais alta e pesada, exige-se outro modelo. É necessário saber indicar o material ou, do contrário, o usuário não conseguirá ficar em pé", enfatizou.