Valor econômico, v. 17, n. 4107, 07/10/2016. Empresas, p. B7

Temer deve usar MP para regularizar atrasos no Fies

Estratégia ainda terá que passar por avaliação do TCU

Por: Andrea Jubé, Vandson Lima e Murillo Camarotto

 

O presidente Michel Temer deve recorrer a uma medida provisória para resolver o impasse envolvendo os atrasos nos pagamentos do Fies às universidades. A decisão foi tomada durante uma reunião com os ministros Mendonça Filho (Educação) e Eliseu Padilha (Casa Civil).

A costura política para isso já foi colocada em prática ontem. Presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB-AL), enviou carta oficial a Temer defendendo a edição da MP. O maior temor do presidente é incorrer no mesmo tipo de medida que ensejou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

A mensagem de Renan é um recado claro ao presidente das dificuldades encontradas para mobilizar a base aliada ao governo no Legislativo mas, ao mesmo tempo, uma sinalização de que o parlamento o apoiará na empreitada. "Cabe lembrar que a abertura de crédito que foi objeto de censura no processo de impeachment decorreu do manejo créditos suplementares", escreveu, sublinhando a diferença das duas situações.

Anteontem, em sessão conjunta do Congresso Nacional que entrou pela madrugada, fracassou a articulação de aliados para votar o projeto de lei que prevê recurso adicional de R$ 702 milhões ao Fies, programa do Ministério da Educação que financia cursos superiores - e cujo repasse não ocorre desde julho - e outros R$ 400 milhões para garantir a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Na carta a Temer, Renan alega que "em virtude da dinâmica própria do Congresso que V.Exa. muito bem conhece, não foi possível manter o quórum para deliberação (...)". Por isso, as lideranças do Congresso teriam concluído que seria melhor o governo editar uma MP sobre o tema.

Renan reiterou que "o próprio Tribunal de Contas da União, ao apreciar as Contas do Governo de 2015, excluiu a irregularidade que havia sido apontada no sentido de que ela teria sido a edição da MP 686 que abriu crédito extraordinário para o pagamento do FIES naquele ano".

A MP vai garantir a abertura do crédito extraordinário, cuja maior parte dos recursos será usada para regularizar os compromissos do Fies referentes às mensalidades do segundo semestre, que estão atrasadas.

O problema é o TCU. Uma semana após apresentar o projeto de lei, o governo encaminhou uma consulta ao tribunal para saber se poderia abrir créditos extraordinários em favor do MEC por meio de MP. Após posição contrária da ministra Ana Arraes, o processo foi alvo de um pedido de vistas do ministro Raimundo Carrero e não voltou para apreciação do plenário.

Questionado, Carrero disse ao Valor que estava acompanhando o andamento do projeto de lei no Congresso para decidir quando a matéria voltaria à pauta. "Se conseguirem aprovar o projeto de lei, não há necessidade de avaliarmos a MP aqui", afirmou ele.

Apesar da inclinação do TCU em aceitar o pedido do governo, o assunto promete reacender um debate que vem gerando polêmica. Desde que assumiu a cadeira presidencial, Temer já encaminhou três consultas do mesmo tipo: usar medida provisória para abrir créditos extraordinários.

O TCU vinha dando sinal verde, mas alguns ministros começaram a demonstrar desconforto. Para esses, o tribunal não deve funcionar como órgão anuente das ações do governo. "Eles que façam e depois arquem com as consequências", disse um ministro que pediu para não ter seu nome publicado.

O assunto foi debatido na quarta-feira, durante análise das contas da ex-presidente Dilma pelo TCU. Considerado como irregularidade até a véspera do julgamento, o uso de MP para abertura de crédito extraordinário acabou sendo retirado da lista de ilegalidades cometidas na gestão da petista.

Reunidos na véspera da sessão, os ministros entenderam que, como Temer também estava usando o expediente, poderia criar-se uma teoria de que ele estaria recebendo tratamento diferenciado do TCU.