Valor econômico, v. 17, n. 4107, 07/10/2016. Política, p. A10

Violência eleitoral indica crise sistêmica de segurança

Por: Cláudia Schüffner

 

A onda de assassinatos de candidatos nestas eleições municipais em pelo menos 12 Estados, sendo 14 casos registrados apenas no Rio de Janeiro, indica um aumento da criminalidade no país como um todo, e não um problema específico de crescimento da violência política, segundo especialistas no setor, inclusive o vice-procurador-geral Eleitoral, Nicolao Dino.

"É possível fazer a associação entre o recrudescimento da violência nas eleições a um déficit de funcionamento no Estado no que se refere ao combate ao crime organizado. Ou seja, há uma crise estrutural de segurança pública", afirma Dino em entrevista aoValor.

Ressaltando que é preciso aguardar as investigações policiais, o coordenador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, Marcelo Burgos amplia a questão. Ele acha que os assassinatos no Rio vão além de uma crise de segurança e revelam problemas na própria forma como a máquina política está estruturada no Estado.

"Essa crise da coalizão que vinha dominando o Rio de Janeiro, formada pelo PMDB associado ao PP, PTB e outras legendas, abriu espaço para uma competição mais aberta, que talvez tenha repercutindo no controle que vinha se exercendo em alguns territórios da região metropolitana, principalmente, mas também aí incluída a cidade do Rio", afirma Burgos.

Um dos casos emblemáticos de violência nas eleições de 2016 foi a do ex-prefeito de Itumbiara (GO), José Gomes da Rocha, morto a tiros durante uma carreata no dia 28 de setembro. Gomes da Rocha era candidato a prefeito pelo PTB. Também foram baleados o vice-governador de Goiás, José Eliton (PSDB) e o advogado da prefeitura de Itumbiara, Célio Rezende.

No Rio de Janeiro, o presidente da escola de samba da Portela e candidato a vereador pelo PP, Marcos Vieira de Souza, o Falcon, tinha sido assassinado dois dias antes. A Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que o crime ainda está sendo investigado.

O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, tem a impressão de que incidentes como esses nunca foram vistos nessa magnitude em eleições anteriores. Noronha observa que a organização do narcotráfico para utilizar a via democrática por formas ilícitas, ocupando cargos importantes da estrutura política do país, não é nova e cria vulnerabilidade que vai exigir ação dos poderes públicos.

"Essa proliferação de partidos políticos também acaba permitindo esse tipo de coisa. Há muitas legendas de aluguel, partidos criados por pura conveniência para determinados grupos que acabam servindo como grande oportunidade para esse tipo de gente que vive à sombra da lei", observa o analista.

Burgos lembra que a Lei da Ficha Limpa, aplicada pela primeira vez em 2010, foi importante nessa direção mas é preciso avançar para garantir maior lisura na competição política, que precisa de maior equilíbrio e igualdade. "Esses grupos só existem porque são importantes politicamente. Só existem na medida em que exercem poder político sobre um determinado território. E o poder político se traduz em um poder econômico. É claro que isso vira um círculo".

O pesquisador da PUC-Rio vê como um desafio a democratização da política, de modo que os moradores da periferia, favelas, segundo ele os que mais precisariam da política, tenham acesso a ela. O vice-procurador-geral eleitoral cita, entre as situações que considera especialmente graves, a situação de São Luís (MA) em que houve a violência a partir de comandos originários de presos na penitenciária.

"A situação de Itumbiara me parece ser um caso mais isolado. Até onde se tem visto as notícias que têm sido divulgadas dão conta de que a pessoa era portadora de uma doença mental. Então eu não posso fazer nenhuma referência específica ao caso de Goiás", afirma Nicolao Dino, que é irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo Lula e subsecretário de Segurança no Rio, na gestão de Anthony Garotinho, Luiz Eduardo Soares diz que é prematuro conectar os crimes no Rio de Janeiro com a eleição, observando que muitos casos só posteriormente se revelam ligados à política.

Outros tantos, diz Soares, acabam ocorrendo nesse período, mas não têm a ver com dinâmicas políticas e eleitorais, ou em muitos casos não são ligados a negócios como a venda de gás e de pontos ilegais de TV a cabo, entre outros.

"A tragédia maior é que no Rio de Janeiro, e certamente não apenas, mas certamente com força no Rio, há um entrecruzamento, uma sobreposição, entre essas duas dinâmicas, da criminalidade e da política, de uma maneira especialmente relevante", diz Soares, co-autor dos livros que deram origem aos filmes "Tropa de Elite".

A pesquisadora Nancy Cardia, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, chama a atenção para a dificuldade de comparar dados de homicídios de políticos, que são observados em todo o país, com eleições passadas devido à inexistência de estatísticas. "Só quando acontece uma coisa numa cidade maior as pessoas tendem a perceber", afirma Nancy, citando como exemplo as quase 1.200 páginas do relatório final da CPI do Narcotráfico, realizada em 2000, que detalhou as práticas criminosas do ex-deputado Hildebrando Pascoal (AC), conhecido como o "deputado da motosserra".

Preso há dezessete anos, Pascoal foi colocado ontem em regime semiaberto.