Crise de estados põe em risco salário de servidor

 

06/10/2016
Rosana Hessel

 

A farra dos reajustes do funcionalismo acima da inflação nos últimos anos deixou uma fatura pesada que os estados não conseguem mais honrar. O problema é tamanho que, agora, muitos servidores e aposentados podem ficar sem receber integralmente o salário ou o 13º, que ajuda a complementar a renda dos trabalhadores para as festas de fim de ano. Segundo o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), “21 das 27 unidades da Federação já estão com problemas para o pagamento de funcionários da ativa e aposentados”. Em breve, isso poderá acontecer com as outras seis, como o próprio Piauí e o Distrito Federal.

Ontem, Dias e um pequeno grupo de governadores se reuniram com o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, e com a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, para pedir socorro à União. No entanto, saíram frustrados. Hoje pela manhã, o assunto será discutido com o presidente Michel Temer. Já confirmaram presença no encontro pelo menos oito governadores —  Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Alagoas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Distrito Federal.

Governadores mantêm a promessa de decretar estado de calamidade, caso não recebam ajuda. “A maioria já alterou o calendário de pagamentos ou está parcelando salários. Os que não estão nessa situação em algum momento vão ter problemas por conta da queda de receitas”, disse Wellington Dias, que, para quitar a folha salarial, já usou R$ 270 milhões dos R$ 300 milhões reservados para investimentos no orçamento deste ano.

 

Perdas

Com um rombo de caixa estimado em R$ 900 milhões até dezembro, o GDF também pode começar a atrasar salários e aposentadorias se atender às demandas de reajuste dos funcionários em greve. Desde agosto, o pagamento integral do 13º, que costumava ser feito no mês de aniversário do servidor, não vem ocorrendo. Segundo a secretária de Planejamento do DF, Leany Barreiro de Sousa Lemos, os aumentos pleiteados por servidores teriam impacto de R$ 350 milhões nas contas deste ano e de mais de R$ 1,5 bilhão anuais a partir de 2017. “É difícil imaginar como recompor a receita, pagar os salários mensalmente e manter os demais compromissos. Os últimos dois anos de recessão reduziram as transferências da União em R$ 1,1 bilhão, e o aumento nas receitas extraordinárias só serviu para cobrir essa perda”, destacou.

Leany lembrou que 81% do orçamento é destinado apenas ao pagamento de funcionários e inativos, ou seja, apenas 8% da população recebe quase a totalidade dos recursos do GDF. “Não estamos julgando a legitimidade da reivindicação dos grevistas. Grande parte do orçamento da cidade deveria ser utilizada para serviços públicos que atendessem a maior parcela da população. Por isso, não há espaço para conceder mais reajuste”, afirmou.

Após a decisão do governo federal de dar um socorro de R$ 2,9 bilhões para que o Rio de Janeiro realizasse as Olimpíadas, os estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste passaram a pleitear um repasse de R$ 14 bilhões da União para sanar as contas. O valor caiu para R$ 7 bilhões, que poderiam ser concedidos por meio de empréstimos especiais, conforme sinalização dada por Temer. O Ministério da Fazenda, contudo, tem demonstrado resistência até mesmo para liberar R$ 1,9 bilhão de repasses antigos do Fundo de Exportação (Fex).

 

Burla

Para a especialista em contas públicas Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), “a União não poderá socorrer os estados porque também está quebrada”. O governo espera ter recuperação de receitas em 2017, mas fez os cálculos prevendo crescimento de 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB), uma projeção bem mais otimista, por exemplo, que a do Fundo Monetário Internacional (FMI), que estima alta de apenas 0,5%.

Selene é categórica ao resumir a crise: “Isso está acontecendo porque os governos não respeitaram a LRF e criaram mecanismos para burlar a lei nos últimos anos. Agora, o quadro é muito pior do que o que aparece nas estatísticas. Os estados e a União não terão outra saída a não ser começar a reduzir o quadro de pessoal. É preciso rever todas as despesas nas áreas prioritárias e conter os reajustes por algum tempo porque não há mais dinheiro”, disse. Segundo ela, a situação do Rio de Janeiro, que já está sofrendo sequestro judicial de recursos, poderá se repetir em outros estados.

Na avaliação do economista Felipe Salto, o “grande nó da despesa púbica primária é o gasto com pessoal”, inclusive do governo federal. “As autoridades costumam dizer que essa despesa não cresceu porque ficou estacionada entre 4% e 4,5% do PIB, mas, em termos absolutos, aumentou muito”, disse ele, lembrando que, nos últimos 13 anos, o salário médio do setor público avançou três vezes mais que o do setor privado, segundo estudos recentes. “É por isso que o ajuste vai acabar sempre caindo sobre o investimento”, emendou. Durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, ontem, a secretária Ana Paula Vescovi, do Tesouro, observou que a evolução das despesas de pessoal dos estados, entre 2009 e 2015, foi de 39%. No mesmo período, o deficit com inativos saltou 64%, totalizando R$ 77 bilhões. Para estancar a crise, técnicos do governo estudam uma forma de diminuir os salários iniciais do funcionalismo, que estão fora da realidade. Um caso recente é o concurso autorizado para a Câmara Legislativa do DF com vencimento inicial de R$ 20,6 mil para nível médio. “Os poderes são independentes e não temos o que fazer a respeito”, lamentou a secretária Leany, do GDF.

 

Correio braziliense, n. 19491, 06/10/2016. Economia, p. 8