Decisão vai colocar 3.460 atrás das grades

 

07/10/2016
Eduardo Militão

 

O impacto das duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão após condenação em segunda instância deve aumentar a população carcerária em 3.460 pessoas, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). O projeto Supremo em Números calculou que essa é a quantidade de réus condenados que recorrem a tribunais superiores e serão detidos a partir do novo entendimento porque foram sentenciados a mais de oito anos de cadeia. Significa um aumento de apenas 0,6% na população de detentos, de 622 mil pessoas. “Longe, portanto, de previsões catastróficas propaladas pelos críticos do novo entendimento do Supremo sobre a execução da pena após condenação em segunda instância”, conclui o estudo de 10 pesquisadores.

O estudo se contrapõe às críticas da Ordem dos Advogados do Brasil, que ontem reafirmou as “graves injustiças que a medida certamente causará, com o encarceramento de cidadãos inocentes, especialmente os réus menos favorecidos”. No julgamento de quarta-feira, o ministro Gilmar Mendes ironizou a situação dos novos presos da Operação Lava-Jato, ao dizer que existe até “banho quente em Curitiba” para atender “visitantes ilustres” que passaram a ocupar celas no Paraná.

Levantamento do Correio no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) mostra que, apenas no Distrito Federal e depois da primeira decisão do STF, em 17 de fevereiro, foram ordenadas pelo menos 4.426 prisões — ontem, foram 11. Todas estão à espera de cumprimento. No Brasil todo, são 549 mil ordens de encarceramento pendentes segundo o BNMP. Se todas essas pessoas fossem detidas hoje, a população carcerária praticamente duplicaria, mas isso não ocorrerá porque nem todos os casos significam prisão em regime fechado e alguns já perderam o sentido com o passar dos anos.

Antes da mudança de entendimento do Supremo, uma pessoa só ia para a cadeia quando se esgotavam todos os recursos possíveis nos tribunais superiores — STJ, TSE e STF — o que, muitas vezes, significava arquivamento dos casos sem julgamento devido à demora do Judiciário. Nenhum país adotava esse modelo. Agora, basta uma condenação confirmada por um tribunal de segunda instância para os desembargadores terem a opção de mandarem o criminoso para as grades. O réu continua livre para recorrer às cortes superiores, mas de dentro da cela, como ocorre pelo mundo. Ele só será solto se provar sua inocência ou vícios no processo. Segundo o CNJ, 501 mil novos casos criminais ingressaram na Justiça de segundo grau em 2014 no Brasil. Naquele ano, 514 mil decisões encerraram ações penais em segunda instância no país.

 

Democracia

De acordo com o juiz da Operação Lava-Jato no Paraná, Sérgio Moro, a nova decisão do STF vai colocar os condenados poderosos política e economicamente em pé de igualdade com os demais cidadãos envolvidos em problemas com a Justiça. “Com o julgamento de ontem, o Supremo, com respeito à minoria vencida, decidiu que não somos uma sociedade de castas e que mesmo crimes cometidos por poderosos encontrarão uma resposta na Justiça criminal”, afirmou ele em nota ontem. “Somos uma democracia, afinal.”

O presidente da associação dos delegados da PF, Carlos Miguel Sobral, disse que o impacto da decisão não será sobre réus menos favorecidos. “O impacto quantitativo dessa decisão do STF não é necessariamente grande, mas qualitativamente terá um efeito muito importante”, avaliou. “Tradicionalmente, no Brasil, o criminoso de colarinho branco tinha a sensação de que nunca cumpriria pena, visto que os tribunais superiores estavam perdendo sua natureza de Corte constitucional para se transformarem, indevidamente, em Cortes de apelação, para o que não possuem qualquer vocação.”

Procuradores da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná também comemoraram a nova decisão do Supremo. “A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil, associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando impunidade”, lembraram. “Isso acontece especialmente nos casos de réus ricos ou influentes, que têm condições para arcar com os custos de infindáveis recursos. A demora e a impunidade no julgamento de réus abastados são incompatíveis com uma justiça republicana, que deve absolver inocentes e punir culpados dentro de um tempo razoável.”

 

Correio braziliense, n. 19492, 07/10/2016. Política, p. 2