Valor econômico, v. 17, n. 4142, 30/11/2016. Brasil, p. A5

Senado vota PEC em meio a protestos

Houve depredação na Esplanada dos Ministérios, contra proposta que limita gastos até 2036

Por: Vandson Lima e Fabio Murakawa

 

Apesar da crise que atinge o entorno do presidente Michel Temer, o Senado encaminhou ontem a aprovação em primeiro turno da proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o Novo Regime Fiscal e impõe um limite aos gastos primários da União. Do lado de fora do Congresso Nacional, manifestantes entraram em confronto com a polícia, viraram e queimaram veículos e armaram barricadas na Esplanada dos Ministérios.

A perspectiva, até o fechamento desta edição, às 22h30, era de aprovação da proposta, prioritária ao governo, com ampla vantagem.

A PEC ainda precisa passar por segunda votação, que ocorrerá dia 13 de dezembro, para passar a valer - o presidente do Senado,Renan Calheiros (PMDB-AL) prometeu promulgar a emenda, caso aprovada, no dia 15. São necessários os votos de pelo menos 3/5 dos senadores (49 votos) para aprovação. O texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados.

O teto corresponderá aos gastos efetivamente ocorridos em 2016, corrigidos pela inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). De acordo com o parecer do relator, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), ficam excluídos dos limites propostos pela PEC os gastos decorrentes de transferências constitucionais da União para Estados e municípios, créditos extraordinários decorrentes de despesas imprevisíveis e urgentes, como de guerras, comoção interna ou calamidade pública; as despesas com realização de eleições pela Justiça Eleitoral; e aquelas decorrentes de capitalização de empresas estatais não dependentes.

"Desde a Constituição de 1988, os gastos públicos cresceram continuamente. Entre 1997 e 2015, as despesas primárias cresceram 5,7% por ano em termos reais, muito acima do crescimento do PIB, que não atingiu 3% ao ano. Ou seja, nosso desequilíbrio fiscal tem origem no aumento continuado da despesa primária", justificou Eunício na defesa da proposta.

O teto para os gastos públicos vigorará por 20 anos. A partir do 10º ano, poderá ser alterado por iniciativa do presidente da República, por meio de lei complementar.

"Em vez de proceder a ajustes traumáticos, como o que foi necessário na Grécia, o Novo Regime Fiscal permitirá a manutenção dos gastos públicos em termos reais", disse Eunício no plenário, argumentando que outro benefício futuro decorrente da PEC será o aumento da poupança pública e redução do endividamento. "Cria-se, assim, um ambiente propício para redução da taxa de juros e ancoragem das expectativas dos agentes econômicos", defendeu.

"Nenhum país teve sucesso com medidas draconianas de ajuste fiscal. Pelo contrário, só aumentaram a recessão", criticou osenador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). A oposição já trabalha em alternativas: recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF), sob a alegação para que a PEC seja considerada inconstitucional.

"Nós da oposição podemos ser menores em número, mas não daremos um dia de trégua aos senhores. O que aqui dentro nós não conseguirmos vencer no voto, vamos provocar o Supremo", anunciou o líder do PT, senador Humberto Costa (PE). "Esse será o caminho da PEC. Se ela passar incólume pelo Senado, tenho certeza de que não terá a mesma sorte no plenário do STF, onde deve ser enterrada pelos ministros", continuou.

A oposição protestou ainda pela proibição de populares acompanharem a votação das galerias do Senado. No plenário, a sessão chegou a ser interrompida por alguns minutos quando Glaucia Morelli, presidente da Confederação das Mulheres do Brasil, interrompeu os trabalhos, aos gritos, pedindo que os senadores reconsiderassem seu voto, já que a PEC em sua opinião retirará recursos de áreas como a educação e a saúde. Ela foi retirada do local pela segurança da Casa.

"O povo está apanhado lá fora e as galerias estão vazias. Se o que estão votando é tão importante, porque não deixam o povo entrar?", questionou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

A confusão do lado de fora do Congresso começou quando mascarados viraram um carro da TV Record e a Polícia Militar revidou com bombas de efeito moral contra manifestantes postados no gramado em frente ao Congresso.

Os grupos gritavam palavras de ordem contra a proposta. Os policiais utilizaram inclusive a cavalaria. Parlamentares de oposição saíram do Congresso para prestar apoio aos manifestantes.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) afirmou que a maioria eram estudantes secundaristas. Muitos fretaram ônibus e vieram acompanhados de seus professores para protestar contra a PEC.

Segundo uma estudante, a manifestação era pacífica, e confronto começou quando alguns mascarados atiraram pedras contra os policiais. Ela disse que esses mascarados pertencem ao "movimento anarquista".

Utilizando bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, a polícia conseguiu afastar os manifestantes para perto da Catedral de Brasília, a cerca de 1 km do Congresso.

Os mascarados queimavam carros e armavam barricadas e atiravam pedras contra a polícia, que respondia com bombas de efeito moral.

O prédio do Ministério do Planejamento foi depredado. O ministro da Educação, Mendonça Filho, disse condenar de forma veemente os atentados contra a sede do ministério, um dos alvos de violência dos protestos. De acordo com relatos, o edifício foi invadido por mascarados portando pedaços de ferro e pedras, destruindo móveis, computadores, vidraças e divisórias.

"Os servidores do MEC viveram clima de terror. Isso é inaceitável", disse Mendonça Filho em nota. "Como democrata que sou, entendo o direito de protesto, mas de forma civilizada, respeitando o direito de ir e vir. O que vimos hoje foram atos de violência e vandalismo contra os servidores públicos e o patrimônio", completou.

Porta-voz da Presidência, Alexandre Parola comunicou que o presidente Michel Temer repudiou o vandalismo, a destruição e a violência decorrente das manifestações. "A intolerância não é forma de expressão democrática e não pode ser instrumento para pressionar o Congresso".

O relator da PEC negou prejuízo à saúde e educação. Em relação à saúde, o Novo Regime Fiscal elevará o piso em 2017, de 13,7% da Receita Corrente Líquida para 15%, argumentou. "Vai antecipar o percentual que deveria vir só em 2018", disse. Considerando os valores atuais, da ordem de R$ 700 bilhões acumulados em 12 meses, esse aumento de percentual implicará elevação do piso de gastos com saúde em cerca de R$ 9 bilhões em 2017.

"Em relação à educação, haverá garantia da manutenção do piso. Para 2017, será o previsto na Constituição, de 18% da arrecadação de impostos líquida de transferências", defendeu o relator. Oposicionistas contestaram, dizendo que esses percentuais cairão ao longo dos anos, impondo uma asfixia a áreas sociais, dado o crescimento da população previsto.

A PEC prevê sanções para o poder que extrapolar o teto de gastos. As sanções incluem restrições a reajustes salariais ou de benefícios a servidores, bem como a novas contratações. Além disso, fica proibida a concessão de novos incentivos fiscais, subsídios e a renegociação de dívidas. "É importante registrar que a PEC dispõe sobre piso. Nada impedirá que, no processo orçamentário, o Congresso Nacional entenda ser necessário aumentar o volume de recursos destinado a essas áreas", concluiu Eunício. (Colaborou Bruno Peres)