Valor econômico, v. 17, n. 4142, 30/11/2016. Política, p. A6

Procurador vê fim da guerra à corrupção

Por: André Guilherme Vieira

 

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, avalia que a Câmara dos Deputados vencerá "pelo cansaço" as batalhas para aprovação de uma legislação que enfraqueça o combate à corrupção no Brasil.

"Estamos tentando alertar a sociedade sobre isso [o cerceamento do combate à corrupção], mas não temos como nos mobilizar todas as semanas na imprensa ou nas redes sociais. Não temos como chamar a atenção da população diariamente. E toda semana aparece um novo projeto [de lei]. Me parece uma briga que os deputados vão ganhar, nem que seja pelo cansaço".

Na avaliação do procurador, o fim do combate à corrupção se dará pela adoção de emendas e de substitutivos ao projeto das 10 Medidas Contra a Corrupção.

"Está se criando uma lei que vai desincentivar qualquer tentativa de combater a corrupção. E é claramente essa a intenção dos deputados", diz Lima.

Na opinião do procurador, um dos investigadores responsáveis por desvelar o esquema bilionário de corrupção e desvios da Petrobras, o que os parlamentares brasileiros estão tentando aprovar é ainda mais grave do que foi feito na Itália dos anos 90, quando os Poderes Executivo e Legislativo daquele país se mobilizaram na aprovação de leis que pulverizaram a Operação Mãos Limpas e tornaram quase inócuas as atuações de promotores de Justiça e de magistrados.

"É ainda pior do que aquilo que foi feito na Itália. Porque aqui os deputados estão agindo de forma mais grave. Atentam contra a independência entre os poderes da República, coisa que nem na Itália fizeram", afirma.

Na avaliação do procurador, o que ele qualifica como "desfiguração" do projeto das 10 Medidas é algo mais inconstitucional do que a Lei do Abuso de Poder proposta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) - alvo de 13 inquéritos no Supremo Tribunal Federal.

"É muito mais inconstitucional do que a lei de abuso. A lei proposta pelo Renan, perto dessa, é uma lei sensata. Estão entrando na questão de interpretação da atuação do Judiciário e do Ministério Público. E ofendem o decoro, porque os tipos penais propostos são ainda mais abertos do que os previstos na lei de responsabilidade", afirma.

De acordo com Carlos Fernando Lima, "esses projetos são apócrifos, ninguém sabe claramente quem são seus autores. Ficam circulando no plenário da Câmara".

Lima também destaca outras iniciativas, como a que pretende que partidos políticos tenham autonomia para propor ações de improbidade. "São entidades de direito privado, não podem acionar agentes públicos", diz.

O procurador afirma que a aprovação de projetos que distorcem as 10 Medidas vai acabar com a Lava-Jato e outras investigações.

"Quem é que vai ficar à frente de uma investigação como a da Lava-Jato, diante da possibilidade de estar sujeito a ações de improbidade de partidos políticos ou de ações criminais de pessoas que se sintam prejudicadas? Isso significa o fim do Ministério Público e do Judiciário independentes", alerta Lima.