Câmara aprova com folga a PEC do teto

 

11/10/2016
Antonio Temóteo
Rosana Hessel

 

Em uma sessão tumultuada, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 241, que limita o crescimento dos gastos públicos. A base governista mostrou força ao garantir 366 votos favoráveis à matéria, 58 a mais do que o necessário. A oposição conseguiu apenas 111 contrários. O texto precisa ser apreciado em 2º turno pelos parlamentares. A tendência é que isso ocorra a partir de 24 de outubro. A expectativa é que a votação no Senado seja feita em novembro e o texto seja promulgado ainda este ano.

O presidente Michel Temer comemorou a aprovação. Segundo o porta-voz da Presidência, Alexandre Parola, ele recebeu “com muita satisfação” o resultado e destacou que o apoio do Congresso será “fundamental” para que o Brasil “retome o crescimento”.

O avanço do teto para as despesas do governo no Congresso Nacional reforçou as apostas do mercado de que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) cortará a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 14,25% ao ano, na próxima reunião marcada para a próxima semana. A autoridade monetária condicionou a queda de juros à retração da inflação de alimentos, ao arrefecimento dos preços de serviços e ao avanço do ajuste fiscal, sobretudo da PEC 241.

 

Exonerações

No esforço do governo para aprovar a matéria, Temer exonerou três ministros para que reassumissem seus mandatos na Câmara, votando favoravelmente ao texto. Bruno Araújo (PSDB-PE), das Cidades, Max Beltrão (PMDB-AL), do Turismo, e Fernando Coelho Filho (PSB-PE), de Minas e Energia, reassumirão as pastas após a tramitação do texto.

A proposta aprovada prevê como limite para o aumento dos gastos públicos, em cada exercício, a inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. Para 2017, será utilizada a taxa de 7,2%, prevista na proposta orçamentária. O prazo de vigência da PEC será de 20 anos, com possibilidade de alteração a partir do 10º ano. A sessão que discutia o texto foi interrompida uma vez para que manifestantes contrários ao tema fossem retirados do plenário. Além disso, a oposição usou diversos requerimentos para tentar protelar a votação da matéria.

Apesar dos esforços contrários, o texto foi aprovado excluindo os gastos com saúde da regra do teto até 2018. Além disso, para 2017, foi aumentado de 13,2% para 15% da receita corrente líquida (RCL) o mínimo que o governo precisa destinar a essa área.

Se houver descumprimento do limite em determinado ano, no exercício seguinte os órgãos responsáveis sofrerão sanções. Uma delas, trata exatamente do salário mínimo.  O reajuste do piso salarial pela inflação está assegurado. Mas há vedações para aumentos superiores à inflação em caso de descumprimento do teto pelos Poderes. O texto ainda estabelece que, em caso de violação do limite, os servidores terão os salários congelados, sem direito sequer à reposição inflacionária hoje garantida pela Constituição.

O relator ainda destacou que as despesas com saúde e com educação continuarão respeitando o mínimo constitucional em 2017 e, a partir de 2018, passarão a ser corrigidas pela inflação. “No caso da saúde, os dispêndios ficarão em torno de R$ 112 bilhões, acima dos R$ 95 bilhões previstos para este ano”, afirmou ele, reconhecendo que, sem a reforma da Previdência, a PEC não sobrevive.

O texto aprovado pela Câmara não conta com o artigo que prorrogaria a vigência da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2036. A medida vinha sendo contestada por parlamentares da base aliada, inclusive o presidente da Comissão Especial, deputado Danilo Forte (PSB-CE). Neste ano, o Congresso aprovou a DRU de 30% para valer até 2023.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, rebateu as críticas contra a PEC após um encontro com investidores em Nova York. O chefe da equipe econômica destacou que as restrições impostas em caso de descumprimento do limite para crescimento dos gastos são importantes. Ele destacou que a proibição de reajuste real do salário-mínimo é necessária nesses casos. “Não podemos trabalhar com a hipótese de que o teto será violado e nada vai acontecer. Teríamos com isso a insolvência do estado, a volta do desemprego e da recessão, e uma situação em que os brasileiros não têm perspectiva”, comentou. Meirelles ainda alertou que, caso o texto não seja aprovado pelo governo, será necessário o aumento de impostos.

Apesar de concordar que é importante controlar os gastos públicos, a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington, destaca que a PEC do gasto precisa de complementações para ser eficaz. “A discussão sobre a alocação orçamentária e sobre o que é prioritário é impedida pelos mecanismos que fazem os gastos aumentarem. Esse é um debate mais urgente que a PEC trouxe à tona, mas falta explicação do governo sobre por que conter os gastos por 20 anos. O Brasil será o primeiro país a ter uma regra tão rígida”, destacou.

 

Salário-mínimo

Para Monica, outro item controverso é o inciso que permite alterar a regra de correção do salário-mínimo se houver descumprimento do teto. “O fato é que, na prática, o governo está discutindo a política do salário-mínimo dentro de uma PEC do teto de gasto. Antes, seria melhor discutir a desvinculação do salário-mínimo de outros gastos em vez de prejudicar quem é assalariado”, criticou.

O especialista em contas públicas Felipe Salto criticou o texto da PEC, porque ele não impõe regras para o cumprimento do teto. “É como construir uma via sem placas. Ninguém vai saber qual é a velocidade. O texto está fraco. A questão do mínimo precisa ser melhor discutida com a sociedade. Sem isso, é antidemocrático”, disse ele.

 

Protestos

Um grupo de estudantes invadiu ontem a sede da Presidência da República, na avenida Paulista, região Central de São Paulo, em protesto contra a PEC nº 241. Henrique Domingues, presidente do Diretório Central dos Estudantes da Fatec, afirmou que 60 estudantes, incluindo 15 adolescentes, participaram do protesto. Às 18h40, a Polícia Militar (PM) passou a ocupar a entrada do edifício. Às 20h30, advogados de estudantes tentaram entrar no prédio, mas foram impedidos pela PM. Segundo o Gabinete de Segurança Institucional, os manifestantes ocuparam o andar do edifício em que está o escritório da Presidência da República, mas não entraram nas salas.

 

Correio braziliense, n. 19496, 11/10/2016. Economia, p. 8