Valor econômico, v. 17, n. 4141, 29/11/2016. Brasil, p. A4

Governo só aceita repasse de R$ 5 bi com contrapartidas

União pode deixar tema para STF resolver caso não haja acordo

Por: Ribamar Oliveira

 

O governo não aceita dividir com os Estados a multa obtida com a regularização dos ativos mantido por brasileiros no exterior de forma ilegal - a chamada repatriação - se eles não se comprometerem com um programa de ajuste fiscal, disse ontem ao Valor uma fonte credenciada oficial. "Não há hipótese de que isso aconteça", afirmou. A proposta do governo é destinar R$ 5 bilhões da multa aos Estados, no âmbito de um pacto de todos pelo ajuste das contas públicas.

O entendimento do governo é que a legislação em vigor atribui a receita das multas à União. Portanto, nada obriga a divisão dessa arrecadação com os demais entes da federação. Se não houver acordo com os governadores, em torno de uma agenda fiscal mínima, o governo está disposto a deixar que o Supremo Tribunal Federal (STF) resolva a questão, o que resultará, no mínimo, em atraso no eventual repasse dos recursos da multa aos Estados.

Há uma reação de perplexidade no governo diante de declarações recentes de governadores, principalmente do Nordeste, contra a assinatura de um pacto fiscal para a divisão da multa da repatriação. "Alguns deles estão falando do pacto como se fosse uma imposição do presidente Michel Temer", observou a mesma fonte, lembrando que a iniciativa partiu dos próprios chefes dos executivos estaduais.

Na manhã do mesmo dia do encontro com Temer, na semana passada, os governadores fizeram uma reunião prévia em Águas Claras, residência oficial do governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg. Nessa reunião, eles decidiram informar ao presidente da República a criação de um fórum permanente de governadores que proporá um pacto pela austeridade e pelo crescimento econômico.

No início da reunião com Temer, o governador Rollemberg, falando em nome dos demais, disse ao presidente que os governadores consideravam necessário e inadiável o ajuste das contas públicas e que estavam dispostos a adotar medidas nesse sentido, de acordo com fontes que participaram do encontro. Entre essas medidas citaram a reforma da Previdência Social e um maior controle sobre os gastos com pessoal. Pediram que fosse discutido também a divisão da receita com a multa da repatriação.

O governo federal sugeriu que a divisão da receita da multa da repatriação e o pacto em torno do ajuste fiscal, com as medidas a serem adotadas pelos Estados, constasse da ata do acordo a ser firmado no âmbito do STF, onde correm as ações dos Estados pela divisão da multa. O modelo seria o mesmo adotado quando se chegou a um acordo sobre a renegociação das dívidas estaduais e municipais. Os governadores que participaram da reunião com Temer concordaram com essa proposta.

A nota conjunta, divulgada após o encontro com Temer, informa que a partir da quarta-feira da semana passada, os secretários estaduais de Fazenda elaborariam, junto com a Secretaria do Tesouro Nacional, proposta de ajuste dos Estados a ser apresentada ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por um grupo de governadores representando as cinco regiões do país.

Na tarde de ontem, os secretários estaduais de Fazenda estiveram reunidos com a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, e com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia. A expectativa do governo é que dessas reuniões com os secretários saia a proposta de ajuste dos Estados que deverá ser submetida aos governadores e, posteriormente, apresentada ao ministro Henrique Meirelles, em data ainda a ser marcada.

Nas reuniões com os secretários, a proposta de criação de um fundo de estabilização, que teria 10% dos incentivos concedidos às empresas sem aprovação prévia do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) sofreu oposição dos Estados do Paraná e de São Paulo. O primeiro alega que já tem um fundo semelhantes, mas destinado aos investimentos. São Paulo, por sua vez, não concorda com a proposta por considerar que ela é uma forma indireta de convalidar os incentivos fiscais concedidos de forma irregular pelos Estados.

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Estados agora questionam imposição de medidas

Wellington Dias, do Piauí: acerto não deve ter vinculação com medidas de ajuste

Por: Fabio Graner, Cristiane Bonfanti e Marina Falcão

 

Após mais uma reunião de representantes dos Estados com a União para debater as medidas de ajuste fiscal, persiste o conflito em torno da divisão da multa do programa de regularização de ativos ilegalmente mantidos no exterior, a chamada repatriação. Embora haja convergência em torno da necessidade de ações para retomada do equilíbrio fiscal, como a criação de um teto para o crescimento dos gastos, representantes da região Nordeste - e também de outros Estados - ainda questionam a imposição do Ministério da Fazenda em torno da adoção de medidas para que o dinheiro seja liberado.

Em meio a essa disputa, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), pediu audiência para os governadores das cinco regiões com a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. A ideia, segundo ele explicou ao Valor, é estabelecer um calendário para liberação dos recursos da multa e garantir o pagamento independentemente de medidas de ajuste.

Inicialmente, o pedido era para que a reunião no Supremo fosse feita já hoje, mas, diante da falta de agenda da ministra, os governadores pediram definição de nova data e esperam poder encontrá-la até quinta-feira.

"Reforçando pleito do Fórum dos Governadores do Brasil, solicitamos agenda para relatar resultado das tratativas de entendimento com o governo federal", diz o texto enviado à ministra. "E, sobre nosso pedido de liminar para liberação destes recursos da multa da repatriação, considerando ainda grave a situação vivida pelos Estados e Distrito Federal, com necessidade destes recursos legitimamente pertencentes aos Estados, conforme defesa, para honrar compromissos emergenciais do nosso povo e investimentos para retomada do crescimento econômico e social", acrescenta o documento.

O governador explicou que, no entendimento da grande maioria dos seus colegas, o acordo com a União foi para que a ação no STF pela partilha da multa fosse encerrada mediante a definição de um prazo de pagamento ainda neste ano e não vinculado a um acerto mais amplo de medidas fiscais.

"O acordo no STF deve ser mesmo para a União dizer que paga a multa e quando paga. Nossa expectativa era receber dia 30/11, depois até 10/12. E Estados desistirem da ação pelos compromissos de pagamento homologado pelo STF. Mas sem vinculação [com medidas de ajuste]", comentou o governador.

Na sexta-feira, governadores de sete Estados do Nordeste se reuniram e deixaram claro que não aceitam a vinculação que foi anunciada por Meirelles, após reunião no Palácio do Planalto na semana passada. Na ocasião, o governador de Pernambuco, PauloCâmara (PSB), que foi o anfitrião do encontro, deixou clara a contrariedade em relação ao anúncio da equipe econômica. No sábado, eles divulgaram carta reforçando essa mensagem de que o ajuste é necessário, mas não pode ser um condicionante para a liberação do dinheiro da repatriação.

O secretário de Tributação do Rio Grande do Norte, André Horta, criticou a forma como a União divulgou o acordo com os Estados. Na opinião dele, o mais importante no desenho do pacto pelo equilíbrio das contas públicas entre Estados e União é "a cooperação, e não a condicionante".

Após a reunião de cerca de quatro horas no Ministério da Fazenda, Horta afirmou que a União pode adiantar os recursos, com o objetivo de ajudar os governadores a cumprir obrigações de fim de ano, como pagamento de 13º salário, e também realizar um pacto pelo ajuste fiscal com os Estados, mas os dois assuntos "são separados".

"Foram assinadas medidas genéricas. À noite, aquela entrevista [do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles] foi na forma de condicionante. A forma de condicionante não está assinada", disse o secretário.

Outra reunião com os secretários estaduais e o Ministério da Fazenda foi marcada para quinta-feira. Uma das discussões que avançaram foi a do formato do teto de gastos, embora ainda não haja definição.

A secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, disse que foi discutida também a proposta de se utilizar o IPCA ou a receita corrente líquida, o que fosse menor, para corrigir os gastos dos Estados. Segundo ela, os Estados discutem ainda a possibilidade de o índice poder ser revisto a partir do quinto ano de vigência do novo regime, com alteração a partir do sexto. Antes, era discutida a correção do teto apenas pelo IPCA, com revisão do índice a partir do sexto ano de vigência da proposta.

Questionada sobre a falta de consenso entre os governadores e a União, Ana Carla disse que a posição dos Estados é de que o ajuste não é um "toma cá, dá lá". "Uma coisa não estaria ligada à outra", afirmou a secretária.