Valor econômico, v. 17, n. 4138, 24/11/2016. Brasil, p. A3

Multa da repatriação leva prefeituras à Justiça

Pelo menos 32 municípios já decretaram calamidade financeira, aponta levantamento da FNP

Por: Marta Watanabe e Carolina Oms

 

O quadro financeiro crítico dos municípios deve levar as prefeituras em massa à Justiça para pleitear o recebimento de parte da arrecadação da multa por repatriação, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Na terça-feira, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrou com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para que os municípios recebam parte dos recursos das multas.

"Estamos orientando as prefeituras a entrar com ação", diz Paulo Ziulkoski, presidente da CNM. Segundo ele, os municípios já estão tomando a medida. A iniciativa vem num momento em que ao menos 32 prefeituras já decretaram calamidade financeira, segundo a FNP. O secretário-executivo da entidade, Gilberto Perre, diz que isso é apenas o começo e o número de municípios aumentará. "É só uma questão de tempo. Será como rastilho de pólvora."

Segundo Perre, a decretação de calamidade financeira pode ser a saída jurídica escolhida por prefeitos que não terão como cumprir o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), pela qual na transição de mandato o prefeito precisa deixar ao sucessor caixa suficiente para cobrir os restos a pagar. Caso não cumpra essa regra, o prefeito fica sujeito a responder por crime de responsabilidade fiscal.

Ziulkoski diz, porém, que a decretação de calamidade financeira, embora válida como gesto político e de reconhecimento público do estado crítico das contas, não dá garantias jurídicas contra o crime de responsabilidade fiscal.

A divisão dos recursos da multa da repatriação ainda este ano, defende Ziulkoski, livraria efetivamente "centenas de prefeitos" de responder por crime de responsabilidade fiscal. Para ele, a divisão das multas com os municípios torna-se uma questão de respeito à Federação depois que a União entrou em acordo com os governos estaduais para repassar parte da multa arrecadada.

O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), que esteve ontem em reunião com a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que pediu à ministra para que os municípios também participem da divisão da multa. "Coloquei a preocupação da repatriação, todos os prefeitos têm me ligado para saber se as prefeituras foram incluídas nessa repatriação, coloquei para ela que é importante ver isso. A pressão dos prefeitos é muito grande. A justiça tem que ser feita, os municípios também têm que participar."

Ao divulgar o acordo anteontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, declarou que ainda não havia nenhum acordo no sentido com os municípios, embora não tenha afastado a possibilidade de também discutir um pacto com os prefeitos.

Ziulkoski lembra, porém, que na renegociação da dívida os municípios também não foram contemplados no acordo entre União e Estados. Na época, diz ele, as prefeituras queriam negociar melhores condições para o pagamento dos débitos de INSS, mas o assunto não prosperou.

Mas as prefeituras mantêm outros pleitos. Perre, da FNP, ressalta que a LRF flexibiliza a regra de reenquadramento para prefeituras que estouram o teto de gastos com pessoal ou de endividamento em momento de recessão. Ele defende que também haja flexibilização para a regra dos restos a pagar em mudança de mandato.

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Estados devem receber R$ 4 bi; Nordeste ficará com mais da metade dos recursos

Por: Tainara Machado e Marcos de Moura e Souza

 

Os Estados devem receber cerca de R$ 4 bilhões com a divisão do montante arrecadado com a multa no projeto de regularização de recursos no exterior, mas a divisão desses recursos é desigual entre os Estados.

Os maiores beneficiados são os governos do Nordeste, que vão ficar com pouco mais da metade do montante. Minas Gerais e Rio Grande do Sul, dois dos Estados em situação mais complicada financeiramente, vão receber ao todo R$ 260 milhões. O valor representa menos de 10% da folha mensal dos dois Estados.

O valor de R$ 4 bilhões representa o repasse já líquido do repasse destinado ao Fundeb e considera os critérios de divisão do Fundo de Participação dos Estados (FPE), à semelhança do que aconteceu com a partilha do Imposto de Renda obtido com a repatriação.

A repatriação arrecadou R$ 46,8 bilhões - metade Imposto de Renda, metade multa de regularização. De acordo com as regras do FPE, os Estados tinham direito a 21,5% do valor do IR arrecadado, sendo que 20% desse montante (de R$ 5 bilhões) deveria ser destinado ao Fundeb. Com isso, sobraram R$ 4 bilhões para os governos estaduais, sendo que os mais beneficiados foram Bahia (R$ 359,6 milhões), Maranhão (R$ 286,8 milhões) e Ceará (R$ 283,5 milhões).

Os valores devem se repetir na repartição da multa, já que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sinalizou que os critérios de divisão devem ser os mesmos do FPE. O governo aceitou dividir a multa com os Estados, desde que os governadores se comprometam com várias medidas de reforma fiscal, entre elas a Previdência.

Em vídeo publicado no portal do Palácio do Planalto, Meirelles afirmou que a repartição da multa da repatriação vai viabilizar o pagamento de décimo-terceiro em muitos Estados. O dinheiro, porém, tende a ajudar mais o Norte e o Nordeste, que ficam com bolo maior do FPE, do que as demais unidades da Federação. Para muitos, o dinheiro que entrará nos cofres não vai resolver a falta de caixa nem no curto prazo.

No Rio de Janeiro, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) disse que o dinheiro ajuda, mas não será decisivo para honrar os compromissos de fim de ano, como o 13º salário dos funcionários públicos. O Rio Grande do Sul afirma que o valor a ser recebido, de R$ 80 milhões, o equivalente a 6% do 13º salário.

A Secretaria da Fazenda de Minas Gerais disse que não planeja usar recursos da repatriação para pagar o 13º. O Estado tem direito a R$ 240 milhões da repartição da multa - R$ 60 milhões irão para abastecer o Fundeb; o restante irá para o caixa único, segundo informou a secretaria. Na próxima semana, o governo deve se reunir com representantes dos servidores para informar como será pago o 13º salário deste ano, cujo valor é de cerca de R$ 3 bilhões.

Para Alagoas, diz o governador Renan Filho (PMDB), a divisão da multa deve render pouco mais de R$ 200 milhões, considerando o Fundeb. Os recursos não salvam as contas dos governos regionais, mas, diz ele, ajudarão alguns Estados do Nordeste a pagar o 13º salário. Ele diz que, mesmo assim, os Estados manterão os pleitos em relação a financiamentos ou de auxílio ao governo federal porque para alguns entes o valor é menos significativo. (Colaboraram Marta Watanabe e Cristiane Bonfanti, de São Paulo e Brasília)