Falta de demanda dá folga para BNDES pagar Tesouro

 

25/11/2016
Fernando Torres
Francisco Góes
Fabio Graner
 
 

A forte queda nos desembolsos de novos financiamentos pelo BNDES, de 35% no ano até outubro, deve permitir que o banco devolva antecipadamente R$ 100 bilhões recebidos do Tesouro Nacional, sem que isso comprometa seus índices de liquidez. Considerando o balanço de setembro, o BNDES tinha R$ 96 bilhões em aplicações curto prazo e mais R$ 100 bilhões em títulos federais em carteira, num total de R$ 196 bilhões em ativos altamente líquidos.

Essa disponibilidade, que era de R$ 119 bilhões em dezembro de 2015, foi crescendo rapidamente ao longo do ano, na medida em que os recebimentos de empréstimos do passado superaram os desembolsos realizados e os juros reconhecidos em R$ 53 bilhões. Além disso, os próprios investimentos em compromissadas e títulos públicos aumentaram de valor ao longo do ano. Essa combinação de fatores fez com que a soma de aplicações e títulos públicos atingisse 20% do ativo total do banco em setembro, ante 13% em dezembro do ano passado.

Assim, o banco informou que não será preciso vender ativos da carteira da BNDESPar e o pagamento será feito com um mix de dinheiro e títulos e não terá impacto sobre a capacidade de concessão de empréstimos. "Nosso fluxo previsto de desembolsos líquidos foi uma das premissas utilizadas para tomarmos a decisão. Da mesma forma, não afeta nossa estrutura patrimonial, nem os indicadores bancários prudenciais", afirmou o BNDES, por nota.

Do ponto de vista da tranquilidade financeira para o banco, o tempo que levou para o Tribunal de Contas da União (TCU) dar parecer pela legalidade do pagamento antecipado, anunciado em maio, acabou sendo benéfico para o banco. Em meados do ano, o pesquisador José Roberto Afonso afirmava que, se o pagamento fosse feito naquela época, o BNDES ficaria com indicadores de liquidez abaixo do que vinha mostrando nos últimos anos.

Mas o cenário mudou. Ao repassar os R$ 100 bilhões de uma vez - a ideia inicial era dividir o pagamento em três parcelas -, o BNDES deve voltar para o mesmo nível de liquidez de 2014, e bastante próximo ao verificado em anos anteriores. A relação entre investimentos mais líquidos e o ativo total cairá de 20% para 10% da noite para o dia. Mas nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, esse indicador estava em 9%, 10%, 9% e 11%, respectivamente.

As conclusões sobre a aderência dos níveis de liquidez são as mesmas quando se incluem nos cálculos os investimentos em outros títulos de renda fixa que não títulos públicos federais e também a carteira de ações. A soma de todas essas carteiras representava 29% do ativo total em setembro, e deve cair para 18% após o pagamento ao Tesouro, mesmo índice de 2014 - embora inferior ao registrado em anos anteriores, especialmente pela perda de valor relativo da carteira de ações.

O pagamento antecipado dos R$ 100 bilhões não altera a dívida líquida do setor público, mas reduz em 2,3% a dívida bruta federal, de R$ 4,33 trilhões ou 71% do PIB. Ao falar do tema, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que o pagamento fará o indicador dívida/PIB cair abaixo de 70% e que proporcionará economia de R$ 30 bilhões com subsídios ao longo dos anos.

Contudo, do ponto de vista do setor público, o custo de subsídio só existe quando o banco está aplicando esses recursos em empréstimos atrelados à TJLP, mas não quando o dinheiro está investido em títulos públicos, como chamou a atenção Thiago Rabelo Pereira, em recente artigo no Valor. Economista, mestre pela Unicamp e pela New School of Social Research, ele é funcionário licenciado do BNDES,. "Se há recursos ociosos, não tem custo fiscal; do contrário, é porque os recursos estão dando suporte ao investimento", disse.

As Associações de Funcionários do Sistema BNDES enviaram mensagem interna aos empregados do banco ontem com críticas, afirmando que a antecipação de recursos em TJLP não é de interesse do BNDES e nem do país. "A alternativa expressa pela mensagem da diretoria - repor tais recursos por meio de captação no mercado - explicita que a medida é lesiva ao banco, pois destrói valor ao abrir mão de uma fonte de recursos estratégica", disse a carta. O BNDES não comentou.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4139, 25/11/2016. Brasil, p. A3