MP joga para arbitragem pleitos de concessionárias

 
25/11/2016
Daniel Rittner
Murillo Camarotto

 

Após semanas de indefinição, o presidente Michel Temer assinou ontem a medida provisória que busca virar uma página importante do setor de infraestrutura, resolvendo os problemas de concessões em apuros financeiros e abrindo caminho para a renovação de contratos próximos de expirar. A MP, que deverá ser publicada hoje no "Diário Oficial" da União, introduz a arbitragem extrajudicial como mecanismo para solucionar disputas entre as concessionárias e o governo.

Com 26 artigos, o texto final exclui pedidos considerados fundamentais pelas concessionárias, como a repactuação do pagamento das outorgas de aeroportos e a duplicação em cinco anos das rodovias privatizadas no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Sem essas alternativas, restará às empresas devolver amigavelmente os projetos ao governo ou partir para a arbitragem, que poderá ser usada em questões como a "recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos" e o "inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes".

A MP era aguardada com ansiedade pela iniciativa privada para tirar do impasse projetos do aeroporto do Galeão (RJ), a BR-153 (GO/TO) e a Ferrovia Transnordestina. O texto prevê a relicitação de aeroportos, rodovias e ferrovias em que as atuais concessionárias "demonstrem incapacidade" de honrar com as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente.

As concessionárias que devolverem seus ativos, bem como os acionistas das sociedades de propósito específico criadas para administrar cada contrato, ficam impedidas de participar dos leilões nos quais o governo oferecerá esses projetos de novo ao mercado - provavelmente com condições mais vantajosas para o pagamento de outorga ou para o cronograma de obras. Se não houver interessados na relicitação, as atuais concessionárias serão obrigadas a dar continuidade à prestação do serviço público.

A MP destrava juridicamente o processo de renovação das concessões de ferrovias, que começam a expirar na próxima década e pediam mais prazo para fazer investimentos adicionais em suas malhas. O texto viabiliza a prorrogação por 30 anos da Malha Paulista, trecho operado pela Rumo que vai do Porto de Santos até a divisa de São Paulo com o Mato Grosso do Sul. A empresa promete investir R$ 7,2 bilhões.

Para assinar as renovações, os grupos que operam as ferrovias precisam ter cumprido com as metas de produção e de segurança definidas em contrato para três dos últimos cinco anos anteriores ao pedido de prorrogação.

Essa exigência pode comprometer a extensão contratual de outras concessões, incluindo uma da própria Rumo, como a Malha Sul - que vai do Paraná ao Rio Grande do Sul. Se o texto não for alterado pelo Congresso Nacional, a empresa teria que esperar mais alguns anos para formalizar o pedido de prorrogação, enquanto melhora seus atuais indicadores de desempenho.

Na tentativa de solucionar gargalos logísticos relevantes e viabilizar obras de grande porte, como o Ferroanel de São Paulo e a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), a MP prevê o mecanismo de "investimentos cruzados" no setor. Ou seja: as concessionárias poderão assumir compromissos de investimentos em obras localizadas fora das malhas que elas operam. Para ilustrar essa possibilidade, uma fonte do governo cita hipoteticamente o caso da Estrada de Ferro Vitória-Minas, que é administrada pela VLI. Sem gargalos a superar, a EFVM pode assumir obras em outras regiões do país em troca de mais 30 anos de contrato.

Para as rodovias, a renovação antecipada dos contratos está sujeita ao cumprimento de pelo menos 80% das obras obrigatórias previstas no período compreendido entre o início da concessão e o envio do pedido de extensão do compromisso contratual.

O texto da MP, no entanto, deixa incerta a situação da Nova Dutra, concessionária que administra a principal ligação rodoviária entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Dada como certa até pouco tempo, a renovação do contrato da empresa, que expira em 2021, tem poucas chances de acontecer.

Isso porque um artigo da MP exige que a renovação antecipada esteja prevista no edital ou no contrato original da concessão, o que não acontece com a Nova Dutra. A empresa promete investir até R$ 2,8 bilhões por mais 17 anos de contrato na rodovia.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4139, 25/11/2016. Brasil, p. A4