Mercosul avança em saída da Venezuela

 

25/11/2016
Daniel Rittner
 
 
Sem recuo da advertência feita há dois meses ao presidente Nicolás Maduro, os quatro sócios fundadores do Mercosul preparam o terreno para suspender a Venezuela do bloco em meados de dezembro. Na primeira semana do mês, eles devem mandar uma notificação ao regime chavista questionando formalmente se o país foi ou não capaz de incorporar acordos e normas do Mercosul com as quais está pendente.

Diante da iminente resposta negativa, a secretaria do bloco - sediada em Montevidéu - vai elaborar um relatório técnico listando todos os compromissos que a Venezuela não conseguiu honrar para aderir plenamente ao grupo. O relatório será enviado então aos chanceleres de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai para uma decisão final.

Em reunião nesta semana, na capital uruguaia, os coordenadores do Mercosul em cada um dos quatro países analisaram o assunto e não colocaram obstáculos aos preparativos para suspender a Venezuela. Conforme explicou ao Valor uma alta fonte diplomática, a suspensão é um instrumento que não existe nos tratados do Mercosul. Na prática, o que deve ocorrer é a perda temporária de direitos da Venezuela para participar de encontros e decisões tomadas pelo bloco.

Está descartada, a princípio, manter participação dos venezuelanos nas reuniões, sem direito a voto. Na segunda-feira, em São Paulo, o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, havia comentado a possibilidade de a Venezuela perder voto, mas manter a voz nas reuniões. Na área técnica, essa hipótese foi afastada. Seria, segundo avaliação geral das quatro chancelarias, tumultuar completamente os encontros, principalmente depois que a chanceler Delcy Rodríguez passou a adotar um tom bélico contra os demais sócios do Mercosul.

Também serão evitadas menções a problemas em torno do funcionamento da democracia na Venezuela. Desde setembro, quando uma declaração dos quatro sócios fundadores colocou a data de 1º de dezembro como prazo máximo para a incorporação de normas internas do Mercosul, Maduro abriu um diálogo com a oposição que está sendo mediado pelo Vaticano.

Em respeito às conversas em andamento, os países do bloco descartam fazer qualquer menção ao agravamento da crise política e econômica na Venezuela.

Em decorrência disso, a suspensão se baseará em caráter mais técnico, mas não será acionada a cláusula democrática do bloco. Até porque o mecanismo que prevê a cláusula é o Protocolo de Ushuaia - do qual também são signatários membros associados, como Bolívia e Equador, que não dariam aval à iniciativa.

Calcula-se em cerca de 300 o número de normas e regramentos que a Venezuela não incorporou ao ordenamento jurídico do país. Entre eles, há acordos considerados fundamentais, como o ACE-18. Assinado em 1991, esse acordo é uma espécie de pilar comercial do Mercosul, onde funciona a livre circulação de bens.

Caracas também não incorporou - e já deixou claro que não pretende fazê-lo - o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, de 2005, além do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, firmado em 2002. "Não dá para ser sócio do clube e dizer que não paga a manutenção da piscina", compara um diplomata.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4139, 25/11/2016. Brasil, p. A5