Manobra libera adesão de parentes na repatriação
 
 
25/11/2016
Vandson Lima

 

Em uma manobra encampada pelo líder do governo no Congresso Nacional, senador Romero Jucá (PMDB-RR), senadores acabaram na noite de quarta-feira por aprovar, quando pretendiam barrar, uma brecha legal que permite a parentes de políticos e autoridades a adesão à segunda etapa do programa de regularização de recursos mantidos ilegalmente no exterior.

Para votar favoravelmente ao projeto, que abre novo prazo de adesão e altera alíquotas e regras em relação à primeira rodada da repatriação, senadores da oposição e parte da base governista exigiram que fossem retirados do texto substitutivo, formulado por Jucá em negociação com o Ministério da Fazenda, dois parágrafos com alterações ao artigo 11 da Lei da Repatriação.

Esses parágrafos, apelidados pelos senadores pejorativamente de "emenda Cláudia Cruz" - em referência à mulher do ex-deputado Eduardo Cunha, cassado - autorizavam expressamente parentes de detentores de cargos eletivos e de agentes públicos a participar do programa.

Jucá prontificou-se a retirar os parágrafos, o que levou os demais senadores a louvar o acordo, cantar vitória e aprovar a matéria por 47 votos a 11. Eles não perceberam, no entanto, que o líder do governo havia alterado o caput (parte principal) do artigo, em relação ao que consta na lei original.

Na lei, a proibição à adesão de políticos e parentes consta em uma mesma frase no caput do artigo 11: "Os efeitos desta lei não serão aplicados aos detentores de cargos (...) nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos".

No texto levado ao plenário, apenas a trava a parlamentares e autoridades está no caput. A liberação a parentes aparecia nos parágrafos abaixo, separadamente. Ao derrubar os dois parágrafos, mas manter o caput do texto trazido por Jucá, os senadores, que visavam impedir a adesão de parentes, na verdade aprovaram sua permissão - se não está no texto da lei, logo está liberado.

Apenas na manhã de ontem, após a votação, os senadores perceberam que havia 'mordido a isca'. "Tomamos uma bola nas costas, uma pernada do senador Romero Jucá. O que ele fez não foi honesto", esbravejou no plenário o senador governista Magno Malta (PR-ES).

Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), deu a entender não estar exatamente surpreendido e culpou a oposição pelo cochilo. "A sessão foi longa, enfadonha e acima do tom. O que houve, na verdade, é que o PT e outros partidos de oposição fizeram um destaque equivocado, que não deu resultado, não foi inteligente. O importante é olhar para frente. Deixa essa questão para lá".

"Nós atendemos a oposição e retiramos os dois parágrafos pedidos. Mas o que está escrito está escrito", afirmou ao Valor, com ironia, o líder Jucá.

Já sobre a arrecadação prevista com a nova janela de repatriação, Jucá disse que a previsão do governo permanece na casa dos R$ 20 bilhões. Com a inclusão da emenda que prevê a divisão do dinheiro obtido como multa da repatriação com Estados e municípios - esta sim uma mudança agregada ao texto conforme o acordo de plenário -, os Estados e municípios receberiam, por este cálculo, aproximadamente R$ 9,5 bilhões, sendo R$ 4,9 bilhões referentes à parte cobrada como Imposto de Renda e R$ 4,6 bilhões relativos à multa.

Poderão ser regularizados recursos ou patrimônios não declarados até 30 de junho de 2016, ante a data de 31 de dezembro de 2014 da primeira rodada. O valor do câmbio utilizado na operação será atualizado para R$ 3, 21. A mudança aumenta o potencial de arrecadação, já que, na primeira leva, o governo atrelou a conversão do real ao dólar em fins de 2014, quando a moeda americana fechou em R$ 2,65.

A nova janela de adesão ao programa de repatriação será reaberta por 120 dias, se aprovado o projeto, contados a partir do 30º dia da publicação da lei. A matéria segue para a Câmara dos Deputados.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4139, 25/11/2016. Política, p. A9