Corrida por cargos

Stella Borges e Tiago Dantas

17/10/2016

 

 

Aliados de Temer ocupam postos de petistas antes de fim do processo de impeachment

Antes mesmo que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff fosse encerrado, em 31 de agosto, aliados do governo de Michel Temer já tinham tomado conta de cargos no governo federal que, até então, eram ocupados por petistas. Levantamento feito pelo GLOBO em postos de chefia nos 21 órgãos que têm os maiores orçamentos da União mostra que pessoas ligadas a PMDB, DEM, Solidariedade e PV substituíram indicados pelo PT em pelo menos sete dessas unidades, como o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Somados, esses 21 órgãos têm orçamento anual de R$ 266 bilhões.

Funcionários ligados ao PT eram responsáveis por cargos de presidência, diretoria ou superintendência em nove dessas unidades até a semana de 12 de maio, quando o Senado decidiu afastar Dilma da Presidência da República. As negociações de aliados de Temer para ocupar esses espaços haviam começado um mês antes, por volta de 17 de abril, quando a Câmara aceitou a admissibilidade do processo de impeachment, segundo lideranças partidárias ouvidas pelo GLOBO.

Nos dias que antecederam essa votação, políticos faziam caravanas para visitar Temer no Palácio do Jaburu. O tráfego de veículos era tão intenso que chegou a formar filas na portaria da residência oficial do vice-presidente. Seis meses depois, sobraram indicados pelo PT em apenas dois dos órgãos, e o governo considera a acomodação dos aliados em cargos de segundo e terceiro escalões praticamente encerrada.

Partido de Temer, o PMDB aumentou sua participação no governo e agora têm filiados e apadrinhados trabalhando em funções importantes em dez órgãos que movimentam um orçamento estimado em R$ 55,2 bilhões. Antes do impeachment, o partido já estava em sete deles.

 

INDICAÇÃO FOI ALVO DE QUESTIONAMENTOS

Para a superintendência do Ibama em São Paulo foi nomeada a ex-deputada estadual Vanessa Damo (PMDB-SP). A indicação foi alvo de questionamentos de servidores do órgão no estado e do Ministério Público Federal (MPF), que instaurou inquérito para apurar “possíveis riscos à administração pública e ao meio ambiente” em virtude de sua indicação. Segundo Vanessa, o convite para o órgão partiu do próprio presidente Temer: “Fico muito honrada pelo convite do presidente Michel Temer para assumir um cargo de grande relevância no governo federal”, escreveu Vanessa numa rede social.

O MPF questionou o conhecimento de Vanessa na área ambiental porque as agências reguladoras e empresas estatais exigem que seus dirigentes tenham experiência comprovada de, no mínimo, dez anos. Em nota, ela afirmou que “tem formação e atuação específica na área ambiental, além de conduta ética adequada ao cargo”, destacando que tem pósgraduação em gestão ambiental.

Ferrenho defensor do impeachment de Dilma, o DEM, antes oposição, passou a integrar cargos de chefia no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem orçamento de R$ 26,8 bilhões e é ligado ao Ministério da Educação, comandado por Mendonça Filho (DEM-PE). Há quadros ligados ao DEM distribuídos por superintendências regionais da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.

O Solidariedade, presidido por Paulinho da Força, um dos mais incisivos apoiadores do afastamento de Dilma, indicou Leonardo Goés Silva para presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), substituindo uma petista. Paulinho também emplacou o nome do filho, o deputado estadual Alexandre Pereira da Silva (SD-SP), para a superintendência regional do órgão em São Paulo.

Com orçamento de R$ 13,8 bilhões, o INSS, que tinha um indicado do PT numa de suas diretorias, passou ao controle do PSC, que, até maio, estava fora dos cargos mais cobiçados. Em julho, o ex-deputado Leonardo Gadelha, candidato a vice-presidente na chapa do Pastor Everaldo, assumiu a presidência do instituto.

Antigos aliados do governo Dilma que desembarcaram ao longo do ano também foram contemplados pela distribuição de cargos de segundo escalão. O PTB manteve sua influência sobre a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), embora tenha trocado o presidente.

— Independentemente de quem é governo, tem que estar no governo. E nós estamos. Mas a maior preocupação mesmo era melhorar o Brasil, e não participar do governo — disse o deputado Jovair Arantes (PTBGO), apontado como responsável direto pela indicação de Francisco Marcelo Rodrigues Bezerra para a companhia.

 

CARGO DE PETISTA É DISPUTADO POR 3 PARTIDOS

O PSB também garantiu a indicação para uma presidência, a da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf ). O senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), líder da bancada, escolheu o nome de Kênia Marcelino.

— A bancada se reuniu para que fosse escolhido um nome técnico. Tem muitas pessoas que reclamaram que eu não indiquei, mas resolvi não partidarizar porque a sociedade exige um não aparelhamento dos órgãos — afirmou o senador.

Nem todos os indicados por petistas foram demitidos do governo federal. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), considerada uma ilha de excelência técnica na condução de pesquisas para o setor, é um dos poucos órgãos que ainda contam com a presença de quadros da legenda em cargos principais. Continuam a diretora de Administração e Finanças, Vania Beatriz Castiglioni, pesquisadora de carreira e filiada ao PT do Paraná; e o diretor executivo de Transferência e Tecnologia, Waldyr Stumpf Junior, indicado por deputados petistas do Rio Grande do Sul e também funcionário de carreira do órgão.

Tido como um nome técnico e com bom trânsito entre vários partidos, Jarbas Barbosa, presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cuja nomeação foi defendida pelo então ministro da Saúde Arthur Chioro (PT) também foi mantido após a mudança de governo.

Um dos casos mais emblemáticos de petistas que ainda não foram exonerados pelo governo Temer é o de Jorge Samek, que virou presidente da Itaipu Binacional em 2003, quando Lula assumiu a presidência. Filiado ao PT desde a década de 1990, Samek foi eleito deputado federal em 2002 e renunciou ao cargo para comandar a estatal.

O posto dele é disputado por PMDB, PSDB e DEM. Parlamentares paranaenses dizem ter chegado a um consenso em torno do nome do empresário Rodrigo Costa da Rocha Loures, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e pai de um dos principais assessores de Temer, o chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Rodrigo Santos da Rocha Loures (PMDB-PR).

Segundo políticos do Paraná, a escolha do nome do novo presidente da Itaipu ainda depende de alinhamento com a estratégia de energia que o governo for adotar. Procurado pelo GLOBO, Rocha Loures confirmou que seu nome foi sondado, mas disse que ainda não foi informado de uma definição de Temer. Samek não quis dar entrevista.

 

“Independentemente de quem é governo, tem que estar no governo. E nós estamos. A maior preocupação era melhorar o Brasil”

Jovair Arantes

Deputado do PTB-GO responsável por indicação para a Conab

 

“Tem muitas pessoas que reclamaram que eu não indiquei. A sociedade exige um não aparelhamento dos órgãos”

Antonio Carlos Valadares

Senador do PSB-SE responsável por indicação para a Codevasf

 

 

O globo, n. 30287, 17/10/2016. País, p. 3.