O evangelho segundo Crivella

Fernando Molica

16/10/2016

 

 

Candidato do PRB volta a pedir desculpas pela obra ‘Evangelizando a África’; Freixo parte para o ataque
 
 

Os ataques do candidato Marcelo Crivella (PRB) contra homossexuais e várias religiões provocou ontem forte reação de movimentos LGBT, de tradições de matriz africana e também teve grande repercussão nas redes sociais. Os posicionamentos de Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal, estão no livro “Evangelizando a África”, lançado no Brasil em 2002, e foram divulgados pelo GLOBO. Crivella renegou a obra e pediu desculpas a quem se sentiu ofendido.

Pioneiro no movimento LGBT, o Grupo Arco Íris repudiou as afirmações. Presidente do grupo, Almir França disse que a obra revela a verdadeira face do candidato:

— Isso nos ajuda a desvendar quem é o Crivella. O perigo de tudo isso é o fundamentalismo. Um livro como esse deixa claro que os senhores dessa igreja não fazem outra coisa se não o combate aos direitos humanos.

O cardeal arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, preferiu não comentar o teor do livro de Crivella.

Sebastião Mauro de Sá, umbandista da Casa Cristã de Caridade Irmandade Batuirá e Pai Miguel das Almas, considerou graves as acusações contidas no livro, segundo as quais as tradições africanas permitem comportamentos imorais, até com crianças de colo.

— Cria uma situação de intolerância semelhante à existente entre israelenses e palestinos. Para a igreja de Crivella, eles são os anjos e nós os demônios. Ele está mentindo ao dizer que é tolerante. Diz que é anomalia a homossexualidade, mas a forma que eles estudam o evangelho é que acaba sendo uma anomalia — disse Mauro de Sá.

Presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Ivana Farina defende que a homofobia seja criminalizada.

— O conselho não só repudia a homofobia como trabalha com a ideia de tratá-la como crime. Uma prática que fortalece o crime de ódio não contribui para a construção da sociedade de paz em que os direitos humanos prevalecem — disse Ivana.

Num encontro com vereadores na Praça Mauá, ontem de manhã, Crivella atribuiu às frases polêmicas a “exageros” e “erros” do passado.

— O que escrevi é o que está ali, o povo há de entender. Hoje, não teria usado aqueles adjetivos e aquelas palavras — disse Crivella.

O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, atribui o livro à imaturidade de Crivella à época e atacou o GLOBO:

— Isso é uma maneira covarde de ir lá atrás num erro dele (Crivella), é algo que já pediu desculpa, para trazer à tona um ambiente hostil entre os evangélicos e as outras religiões — afirmou Malafaia.

Em comício na Praça da Fé, em Bangu, ontem à tarde, o candidato do PSOL Marcelo Freixo elevou o tom dos ataques ao seu adversário.

— Se alguém tinha dúvidas de quem ele é, leia o que ele escreveu. Ele consegue enganar com a fala mansa. Mas o ódio não pode vencer o amor. Como pode odiar os gays? Isso estimula a violência e o homicídio. A cada fala de ódio contra os gays, ele se responsabiliza pelo homicídio de um gay que acontece na cidade de Rio — disse Freixo. — Aquilo ali é ele. Ele é ódio, é produção do medo, é preconceito. Não gosta de nada que seja diferente dele.

Cientista político e professor da UFRJ, Paulo Baía disse que “Evangelizando a África” reforça o estereótipo da ligação de Crivella com a Universal. Contudo, Baía crê que o eleitorado que se sensibiliza com as questões de intolerância e preconceito contra homossexuais já não vota no candidato do PRB:

— Ele (Crivella) enfrenta essas acusações desde sua primeira eleição e sempre soube se sair bem. O evangelho segundo Crivella me trouxe a lembrança do escritor, jornalista e senador Artur da Távola. Artur da Távola denunciou esse livro em 2002, sofreu um linchamento público, ficou com fama de intolerante religioso e ninguém deu atenção. Artur da Távola perdeu a eleição para o Senado, que foi ganha por Sérgio Cabral e Marcelo Crivella. (Colaborou Eduardo Barreto)

 

 

O globo, n. 30386, 16/10/2016. País, p. 3.