Valor econômico, v. 17, n. 4138, 24/11/2016. Política, p. A10

Acordo com Odebrecht deve ser assinado hoje

Feriado americano de Ação de Graças pode atrasar processo

Por: André Guilherme Vieira e Letícia Casado

 

Os acordos de colaboração premiada das dezenas de delatores ligados ao grupo Odebrecht estão na iminência de serem assinados. A expectativa é que isso ocorra hoje, mas o feriado americano de Ação de Graças pode atrasar o processo, uma vez que a multa civil que a empresa terá de pagar no acordo de leniência negociado junto com a delação envolve a costura de uma negociação do Brasil com os Estados Unidos e a Suíça.

O valor dessa multa civil pode ultrapassar R$ 8 bilhões, conforme apurou a reportagem. Parte do montante será destinado a autoridades suíça e americana, países em que a Odebrecht também é alvo de investigação por corrupção.

Ontem, advogados dos delatores participaram de uma reunião - batizada de conferência para o "agreement" - na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Eles foram informados sobre a relação de documentos que devem ser apresentados no ato de assinatura, tais como a relação de bens e os anexos da delação, já acordados com os procuradores. Os delatores já estão com seus advogados em Brasília.

O acordo de leniência do grupo deve ser assinado na sede do Ministério Público Federal em Curitiba. Na formalização do acordo de leniência, feito na esfera civil, devem estar presentes representantes de autoridades da Suíça e dos Estados Unidos.

Herdeiro da maior empreiteira do país, Marcelo Odebrecht, preso no Paraná, deve assinar o seu acordo de colaboração no Paraná. Após o procedimento estará encerrada a fase de formalização das delações premiadas da Odebrecht.

Caberá então à PGR enviar o material para o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal. Só depois da homologação de Teori a PGR terá autorização para usar o material em investigações e solicitar procedimentos, como ações de busca e apreensão ou abertura de inquéritos. A expectativa é que a delação seja homologada no primeiro quadrimestre de 2017.

Os relatos dos delatores vinculados ao grupo têm potencial explosivo, porque atingem centenas de políticos, como governadores,senadores e deputados.

A expectativa é que a delação da Odebrecht amplie o abalo já provocado na credibilidade da classe política, desgastada por mais de dois anos e meio de revelações sobre sucessivos escândalos de corrupção. O Valor apurou que o acordo de leniência será formalizado exclusivamente com o MPF, sem participação do Ministério da Transparência (vinculado à Presidência da República) ou do Tribunal de Contas da União.

A exclusividade na assinatura do acordo bilionário com a Odebrecht é considerada uma vitória por procuradores da República, que historicamente têm rechaçado a ideia de compor acordos de leniência com esses dois órgãos.

Ontem, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, evitou falar do assunto ao ser abordado por jornalistas. Em nota, a Odebrecht informou que "não se manifesta sobre eventual negociação" com a PGR. "Mas reforça seu compromisso com uma atuação ética, íntegra e transparente, expresso por meio das medidas concretas já adotadas para reforçar e ampliar o programa de conformidade nas empresas do grupo, entre as quais se destacam: a criação do cargo de Responsável por Conformidade ou CCO (Chief Compliance Officer) e do Comitê de Conformidade, ligados ao Conselho de Administração para garantir total independência; a adesão a pactos de ética empresarial de entidades como ONU e Instituto Ethos; e, entre outros pontos, o compromisso de combater e não tolerar a corrupção", informa o comunicado da empresa.

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Destino das reformas e sucessão presidencial ficam em xeque

Por: César Felício

 

Não é difícil compreender por que a megadelação das pessoas ligadas ao grupo Odebrecht, a ser assinada hoje, tem potencial para mudar a história brasileira. O conglomerado baiano sempre primou por não se vincular a um grupo político específico, ao contrário de concorrentes seus. Nunca teve quantidade expressiva de inimigos.

No depoimento que deu ao jornalista Augusto Nunes nos anos 70, Samuel Wainer afirmou que a história da imprensa no Brasil não poderia ser escrita sem um capítulo dedicado às empreiteiras. A frase foi revisitada, de forma hiperbólica, por Paulo César Farias no livro "Notícias do Planalto", de Mario Sergio Conti, escrito nos anos 90. "Não dá para escrever a história da política brasileira sem que as grandes empreiteiras apareçam em cada página e sem dedicar um monte de capítulos aos banqueiros", teria dito o operador de caixa dois e de propinas, assassinado em 1996.

Entre os anos 50 e 60, época descrita com riqueza de detalhes por Wainer, e os anos 90 em que PC Farias foi protagonista, a interface entre o setor de construção pesada e o meio político de fato só fez crescer, tendo no financiamento de campanha um vértice e no Grupo Odebrecht um dos importantes atores.

Nos anos 80, conforme o jornal "O Globo" noticiou em março, a empresa teria produzido planilhas com recibos de remessas a políticos, quase sempre identificados com codinomes e quase sempre vinculados a obras de interesse do grupo. O material, que trata de supostos crimes já prescritos, deixa nítido o alcance universal das benfeitorias financeiras que a Odebrecht teria feito de A a Z. Nos anos 90, na década passada, e na atual, a escala se ampliou, mas não mudou sua natureza.

Não se trata mais apenas de uma quadrilha de operadores políticos incrustada no coração da maior estatal brasileira, mas do oxigênio que alimenta todas as forças políticas, exceção aos extremos de cada lado do espectro ideológico. É por isso que a megadelação pode destravar dois processos imediatos.

A reação a curto prazo no Congresso deve ser a de encorajar os parlamentares a explicitarem a anistia ao caixa dois passado, no âmbito da tramitação das "Dez medidas contra a corrupção", em discussão na Câmara. A perspectiva da delação já forjou a coalizão de PT, PSDB, PMDB e PP para uma defesa enviesada da anistia, que não seria colocada em letra de forma, mas subentendida, pelo princípio da não retroatividade de um preceito legal contra um réu. As forças atingidas devem avançar para um texto sem margem a interpretações.

"O entendimento de que não há retroatividade neste caso é duvidoso e não é possível que os deputados não saibam que é pouco provável que o Judiciário acolha esta tese", opinou o advogado Thiago Bottino, coordenador de graduação de direito da FGV-Rio. O instinto de sobrevivência deve suplantar o medo parlamentar da reação negativa da opinião pública.

O segundo efeito pode se dar sobre o desfecho do governo Michel Temer. Independentemente do envolvimento direto do coração do governo nas denúncias, a imensa quantidade de atingidos no Legislativo pode levar a algo próximo de um travamento geral do sistema decisório na Câmara e no Senado, algo muito negativo para uma reforma previdenciária e uma trabalhista, complexas pela sua própria natureza.

A megadelação aumenta a chance de o governo Temer frustrar as expectativas dos agentes econômicos de que podemos viver uma época de grandes reformas, de que o Brasil terá, por um prazo curto, um presidente que não teme a impopularidade de propor e trabalhar por uma mudança estrutural nos marcos institucionais da economia e do pacto social brasileiro.

A conjugação destes dois movimentos leva a um 2018 em que as forças atingidas pela delação ainda estarão presentes no processo político, por um lado, mas se mostrarão incapazes de garantir estabilidade econômica e institucional, pelo outro. É evidentemente uma equação insustentável.

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Empresa cresceu, mas fragilizou-se

Por: Graziella Valenti

 

A Organização Odebrecht que pode assinar hoje o acordo de leniência com a mais alta pena já registrada no mundo - estimada em R$ 7 bilhões- está maior e mais rentável do que em 2014, quando eclodiu a Operação Lava-Jato. Mas também mais endividada e frágil. A única certeza sobre o futuro do grupo, por enquanto, é que vai encolher. Em qual ritmo e proporção, é uma incógnita para o mercado e até mesmo para a direção da companhia. A Braskem deve ser o pilar financeiro da organização por bons anos.

Em junho, a receita bruta da holding Odebrecht (ODB), que consolida todos os negócios do grupo, acumulava R$ 127 bilhões em 12 meses. O montante é quase 20% maior do que os R$ 104 bilhões faturados em 2014.

O Ebitda acelerou e subiu de R$ 15 bilhões para R$ 23 bilhões, nessa mesma comparação - trata-se do lucro antes do pagamento de juros e impostos e sem considerar efeitos de depreciações e amortizações sobre ativos.

Já a dívida líquida consolidada no guarda-chuva da ODB estava em R$ 76,3 bilhões em junho, ante R$ 64 bilhões 18 meses antes.

O grupo não revelou o valor da dívida bruta para o meio do ano. Ao fim de 2015, era de R$ 109 bilhões. O tamanho dos compromissos consolidados já assombrou os bancos. Trata-se da maior dívida corporativa privada do país. Contudo, neste momento, há maior tranquilidade.

Certamente, 2014 ficará na história do grupo. O fundador, Norberto Odebrecht, avô de Marcelo Odebrecht, agora delator, não terminou o ano para ver o faturamento passar pela primeira vez a marca dos R$ 100 bilhões - justamente quando o negócio completou 70 anos. Mas sua morte em julho daquele ano o poupou de assistir à Operação Juízo Final, 7ª fase da Lava-Jato, quando as investigações avançaram definitivamente sobre as empreiteiras. A Odebrecht foi alvo de ação da 14ª fase, em junho de 2015, batizada de "Erga Omnes" - expressão do latim que significa "vale para todos".

Em meio ao cenário tão adverso, o motor do crescimento foi a petroquímica Braskem, que começou a colher os frutos do bilionário investimento realizado no México.

A decisão de diversificar os negócios para além da construção, tomada em 1979 com a entrada no Polo de Camaçari, nunca se mostrou tão acertada. Mesmo atingida pela Lava-Jato, a Braskem está passando melhor pela crise que assola o grupo. Em 2014, começou a responder por mais da metade da receita bruta e do Ebitda da ODB.

O acordo de leniência é essencial para que a Odebrecht tenha chance de sobreviver no longo prazo. O quanto vai pesar nas finanças do grupo dependerá do parcelamento que for oferecido.

Será uma pressão extra. Mas os acordos de leniência têm como premissa punir as corporações, mas permitir sua continuidade, pelo bem social. No começo deste ano, a Odebrecht tinha 128 mil integrantes (81 mil só no Brasil) - 40 mil menos do que dois anos antes.

O grande revés recaiu sobre a construção civil, a Odebrecht Engenharia e Construção (OEC). À crise particular somou-se a queda na atividade econômica. Desde a Lava-Jato, a companhia não conquistou nenhum novo contrato.

Em 2015, porém, o balanço OEC não trouxe redução de receita. Descontados os efeitos cambiais e, principalmente, da inflação na Venezuela, o faturamento repetiu 2014, em torno de R$ 33 bilhões.

A grande questão da OEC está no acelerado consumo de caixa para continuidade das obras e na dificuldade de obtenção de novos contratos, no Brasil e no exterior. O negócio, que tinha mais disponibilidade do que dívida até 2014, seguiu reduzindo caixa. A pressão aumentou com a paralisação de pagamentos em diversas obras, por problemas na liberação de linhas pelo BNDES.

A Lava-Jato afetou significativamente os financiamentos e desestabilizou a dobradinha usada pelas empreiteiras de serem concessionárias e construtoras das obras.

Parte da diversificação que o grupo seguiu fazendo, incluindo internacionalmente, - e que foi acelerada durante a gestão de Marcelo Odebrecht - ficará pelo caminho. A organização passou a atuar em concessões de infraestrutura, em especial, para alavancar o negócio de construção. Por causa dele, quando a Lava-Jato atingiu a organização, só 7% de sua receita vinha diretamente do setor público.

A companhia iniciou, em abril deste ano, um programa de venda de ativos que pode trazer até R$ 12 bilhões ao caixa - quando estiver completo, no começo de 2017. Essas vendas também vão reduzir os compromissos com as dívidas que deixarão de ser consolidadas na ODB. A expectativa é que o corte alcance R$ 17 bilhões.

A aposta é que o acordo de leniência também vai acelerar a venda de ativos, pois os interessados verão menor risco nas unidades adquiridas. Até o momento, só a concessão rodoviária no Peru Rutas de Lima foi vendida, por cerca de R$ 1 bilhão. Recentemente, a Brookfield aceitou comprar ativos da Odebrecht Ambiental por R$ 2,8 bilhões, mas a conclusão ainda depende de algumas condições.

A empresa estava com diversas negociações avançadas e estimava que conseguiria levantar perto de R$ 7 bilhões até o fim deste ano. Também estão no programa de venda o Gasoduto do Peru e a Usina Santo Antônio.

Entre as atuações que ficarão no passado está a incursão pela indústria naval, com o Estaleiro Enseada. O negócio será encerrado após o fracasso no projeto da Sete Brasil, que construiria 28 navios-sondas para a Petrobras. O Enseada faria sete unidades.

Também deve ficar pelo caminho o projeto do submarino nuclear, na divisão de defesa.

Das crises financeiras emergenciais no grupo, a mais grave foi saneada com a reestruturação da dívida de R$ 11 bilhões da Odebrecht Agroindustrial, em agosto. Os compromissos tinham garantia da holding ODB e podiam dragar todo o grupo para um colapso.

A maior pendência atual está na Odebrecht Óleo e Gás (OOG), que possui US$ 5 bilhões em títulos emitidos no mercado externo. A empresa opera sondas para a Petrobras. A estatal, em razão da queda no preço do petróleo, pediu revisão dos contratos. Os papéis de dívida foram declarados vencidos e há uma renegociação em curso. Tais débitos têm as próprias sondas como garantia, sem vínculo contratual com a ODB.