Valor econômico, v. 17, n. 4136, 22/11/2016. Brasil, p. A8
Por: André Guilherme Vieira e Cristiane Agostine
Os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutiram com o juiz Sergio Moro, chegando a fazer uma alusão ao nazismo, durante o interrogatório do ex-senador e delator da Operação Lava-Jato Delcídio do Amaral, ouvido ontem como testemunha de acusação na ação penal a que o petista responde por supostos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro relacionados à ocultação de patrimônio de um tríplex no Guarujá (SP). Lula não esteve na audiência porque teve o seu comparecimento dispensado pelo juiz.
Quando o procurador da República Diogo Castor de Mattos perguntou a Delcídio qual era o relacionamento de Lula com empreiteiros que mantinham contratos com a Petrobras, foi interpelado pelo advogado Cristiano Zanin Martins, que pediu ao juiz que a testemunha se restringisse aos três contratos celebrados pela OAS e que são o objeto da ação penal.
"Existe um contexto e esta pergunta está dentro deste contexto", replicou Moro ao criminalista.
"Eu gostaria de, pelo menos, poder fazer as minhas ponderações sem que vossa excelência interferisse", continuou o advogado.
"A defesa pelo jeito vai ficar levantando questão de ordem a cada dois minutos. Está tumultuando a audiência", disse o juiz.
Foi então que começou um embate tenso. O advogado José Roberto Batocchio afirmou que o juiz preside o processo, mas que não é seu dono. E comparou a atuação de Moro ao modo de proceder dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
"A lei do processo disciplina esta audiência. A defesa tem direito a fazer uso da palavra para arguir questão de ordem. Ou se vossa excelência quiser eliminar a defesa, e eu imaginei que isso já tivesse sido sepultado em 1945 pelos Aliados, e vejo que ressurge aqui nesta região agrícola do nosso país", ironizou o criminalista.
Moro então se dirigiu a Batochio. "Doutor, a defesa está tumultuando a audiência levantando questão de ordem atrás de questão de ordem e não permitindo que o Ministério Público produza a prova. Tanto o Ministério Público tem direito a produzir a prova como a defesa", disse.
Os advogados então voltaram a afirmar que o juiz estaria impedindo a defesa de se manifestar por meio de questões de ordem."É tumulto processual, pode cortar a gravação", ordenou Moro, se referindo à captação do áudio da audiência que foi disponibilizada no processo eletrônico da Justiça Federal do Paraná.
A audiência e sua gravação foram então retomadas e o procurador perguntou qual era o relacionamento de Lula com os empreiteiros com obras na Petrobras.
"Ele tinha um bom relacionamento com a grande maioria dos grandes empresários que faziam obras na Petrobras", respondeu Delcídio.
Sobre a relação de Lula com José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, também réu na mesma ação que o ex-presidente, Delcídio disse que era "um relacionamento muito próximo", e que "o Léo era uma pessoa que conversava sistematicamente com o presidente Lula".
Delcídio confirmou no interrogatório ter obtido informações sobre obras em sítio de Atibaia custeadas por empreiteiras por intermédio do pecuarista e amigo de Lula, José Carlos Bumlai, também processado na Lava-Jato por corrupção e lavagem de valores.
Delcídio frisou que conhece José Carlos Bumlai e que as famílias de ambos "sempre conviveram muito proximamente". O ex-senador disse que em uma das conversas que manteve com Bumlai, o pecuarista fez um relato sobre as reformas realizadas no sítio Santa Bárbara, que também seria de Lula e é alvo de investigação.
"Ele estava aliviado porque tinha contratado engenheiros e arquitetos mas aí sobreveio uma orientação de que ele sairia do processo porque a OAS faria a obra do sítio dentro do prazo desejado", afirmou Delcídio.
Também foram interrogados os delatores Augusto Mendonça, Dalton Avancini e Eduardo Leite.
Ontem foi o primeiro dia da oitiva das testemunhas de acusação, que deve se estender até o dia 25. Em dezembro, terá início as audiências das testemunhas de defesa. O processo deve ser concluído no início de 2017.