Valor econômico, v. 17, n. 4136, 22/11/2016. Especial, p. A14

Sair da recessão leva tempo, afirma Temer

Membros do 'Conselhão' colocam desburocratização e educação entre 5 temas de debates para 2017

Por: Andrea Jube, Cristiane Bonfanti e Bruno Peres

 

Na reunião de retomada do Conselho de Desenvolvimento, Econômico e Social (CDES), o "Conselhão", o presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defenderam que o governo não está parado, mas ressalvaram que é preciso tempo para vencer a recessão, e só então, recuperar o crescimento e o emprego. Temer discursou por uma hora, em que fez as mais veementes críticas desde que tomou posse à sua antecessora Dilma Rousseff, afirmando que além do déficit fiscal, o problema do Brasil era o "déficit de verdade". Temer anunciou que a reforma da Previdência Social segue para o Congresso Nacional em dezembro.

Durante a tarde, os 78 conselheiros presentes elegeram cinco temas a serem trabalhados no próximo ano: ambiente de negócios, desburocratização e modernização do Estado, produtividade e competitividade e educação.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que a reunião foi de "altíssima produtividade" e destacou a ideia de se criar uma "governança de políticas sociais", com análise criteriosa dos investimentos na área social. A próxima reunião será em 7 de março.

"No Brasil que nós encontramos, não havia apenas um déficit fiscal, havia também - e lamento dizê-lo - certo déficit de verdade", criticou Temer. "Devo dizer que a gigantesca crise que herdamos é, em parte, produto de reiteradas tentativas de disfarçar a realidade", completou.

Foram pelo menos duas críticas diretas à gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, quando Temer argumenta que atuava como um "vice decorativo", e não era ouvido nas ações de governo. Na primeira, ele chamou de "ilusionismo" a retórica do governo anterior. Na segunda, disse que substituiu a proposta de recriação da CPMF pelas medidas de contenção de gastos.

"Este descuido [com as contas públicas] é pago pelo trabalhador que sente os efeitos da responsabilidade fiscal no bolso, nas filas de emprego, no rosto aflito dos seus filhos. Nós só faremos o Brasil crescer substituindo o ilusionismo pela lucidez".

Mais adiante, disse que seu governo enterrou o debate sobre aumento de impostos. Temer também fez questão de destacar que as políticas de seu governo não se limitam ao controle de gastos. "Estamos implementando uma agenda de produtividade para reduzir custos e aumentar a eficiência", disse.

Segundo Temer essa agenda engloba marco regulatório, melhora na infraestrutura, educação, segurança jurídica, tecnologia e inovação. O presidente falou ainda que na infraestrutura o governo abre espaço para o protagonismo no setor privado.

O presidente reconheceu que o Brasil não reagiu no ritmo esperado pelo mercado e pelo empresariado às medidas adotadas pelo novo governo - até o momento, a PEC do Teto dos Gastos Públicos e a promessa da reforma previdenciária -, mas ressaltou que a mudança de governo não implica um resultado automático.

"Precisamos estancar a ideia de que bastou mudar o governo que tudo se transformou em um céu azul e claro. As coisas demandam tempo", explicou.

Nessa linha, ele ressaltou que é preciso cumprir três fases, antes que o país volte a crescer. "Por isso, eu faço uma distinção entre essas três fases indispensáveis: primeiro o combate à recessão; logo em seguida, como consequência, o crescimento; e como consequência do crescimento a retomada do emprego no país", apontou. "Antes do crescimento, impõe-se vencer a recessão", reforçou, dizendo que são fases "inafastáveis".

Meirelles, que falou após a primeira rodada de pronunciamento de conselheiros, também fez críticas ao governo anterior que, na sua avaliação, tentou fazer uma política econômica para prover um crescimento acima do potencial e que os custos dessas medidas foram transferidos para o Tesouro Nacional.

Meirelles reforçou a necessidade de o governo ter "foco" e que a correção das contas públicas é pré-condição para que a economia cresça de forma sustentada. Para ele, só será possível aumentar a capacidade de crescimento com a imposição de um teto para a despesa pública e a reforma da Previdência.

Temer apontou que o pretendido ajuste fiscal só estará completo com a reforma da Previdência e que se buscará critérios de igualdade entre os diferentes setores da economia.

Na mesma linha, Meirelles falou que a reforma da Previdência é necessária e que ela vai garantir ao trabalhador o direito de receber sua aposentadoria. Entre os pontos em estudo pelo governo está a possibilidade de adoção de uma idade mínima para aposentadoria independentemente do tempo de contribuição.

Apresentando projeção de crescimento dos gastos com Previdência, Meirelles apontou que a tendência é insustentável. Nesse cenário, o ministro apontou que o foco é a contenção permanente das despesas e aumento temporário da receita, como o programa de repatriação.

Outros focos apontados pelo ministro foram redução da relação dívida PIB, aumento da produtividade e redução no papel do Estado, pois quanto menor a dívida, maior a quantidade de recursos disponíveis na economia.

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Para conselheiros, 'teto' e reforma da Previdência não são suficientes

Por: Eduardo Campos e Murillo Camarotto

 

Empresários, banqueiros e economistas reunidos ontem na primeira reunião do novo Conselhão concordaram sobre o "caminho correto" assumido pela equipe econômica, mas alertaram que somente com mais reformas o Produto Interno Bruto (PIB) poderá retomar o crescimento em ritmo sustentável.

A PEC 241, que estabelece um limite para o aumento das despesas públicas, e a reforma da Previdência foram citadas pelos principais conselheiros, sempre em tom elogioso. Houve, no entanto, reivindicações entusiasmadas pelo avanço da reforma trabalhista, que ainda não foi assumida de forma mais contundente pelo governo de Michel Temer.

Integrante do conselho, o empresário Abilio Diniz disse que as enormes dificuldades enfrentadas pelo país não permitem que se tenha a ilusão de que haverá crescimento forte e redução do desemprego no ano que vem. Ele frisou que o Estado não tem condições de investir e que as empresas e as famílias estão endividadas. Ressaltou, no entanto, que também há coisas boas, como a inflação em trajetória de queda.

Para o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, o consumo fraco e o desemprego elevado acabaram atrasando a retomada do crescimento econômico. O executivo lembrou que o PIB caiu cerca de 10% nos últimos anos, o que representou uma retração da renda média de 14%.

"Chegamos ao fundo do poço e o momento é de retomada, transformando esperança em confiança para impulsionar o investimento", disse o presidente do Bradesco. Essa retomada, na sua avaliação, só começa a partir do segundo semestre de 2017.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, também sinalizou que a ideia de "crescimento já" ficou para o ano que vem. De acordo com ele, os dados de novembro mostraram uma freada nas expectativas que se formavam até então.

O empresário disse que o país tem um conjunto de desafios para a retomada do investimento, geração de empregos e crescimento, mas que as condições para resolver esses problemas estão sendo postas, com as reformas do teto de gasto e da Previdência. "Estamos em meio a uma tempestade, mas se vê céu aberto mais adiante", disse, complementando que há confiança de que o governo está na direção correta.

Convidada para participar do colegiado apesar das críticas feitas ao governo, a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, foi ainda mais cautelosa. A economista afirmou que a lua-de-mel do mercado com a gestão Temer está indo embora. Para Latif existe a percepção de que os índices que apontam a confiança na economia já não apresentam mais o mesmo vigor.

"Estamos procurando de fato sinais de estabilização da economia", afirmou Latif, apontando ainda a necessidade de todos sentirem "o peso da responsabilidade com o país", sem que "interesses particulares" se sobreponham a questões nacionais.

O presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, apontou que o Brasil precisa de ao menos três reformas para voltar a crescer de forma sustentável e acima dos 2% anuais. Para o banqueiro, o país caminhava para o colapso nos últimos anos da administração petista, mas essa trajetória que foi interrompida quando Temer assumiu a Presidência.

Setubal elogiou a equipe econômica atual e apontou que além das reformas no campo fiscal são necessárias as reformas trabalhista e política, bem como uma mudança nas regras de intermediação financeira. Nesse campo, Setubal destacou a necessidade de maior flexibilização do direcionamento de recursos captados pelos bancos, que hoje é excessivamente engessado.

Também com lugar no Conselhão, o publicitário Nizan Guanaes recomendou a Temer que tire proveito da baixa popularidade para tomar medidas amargas e impopulares e tirar o país da estagnação. "Ninguém faz coisas contundentes com alta popularidade", disse, após recomendar ao presidente assuma pessoalmente a comunicação das medidas. "O senhor deve puxar para si a responsabilidade da comunicação. Todos devem ser informados de que em 2024 o Brasil poderá virar um Rio de Janeiro", disse.

Representante do varejo, a empresária Maria Luiza Trajano pediu que Temer se empenhasse em uma agenda de redução dos custos da economia por meio da diminuição da burocracia. Tal movimento, segundo a empresária, poderia compensar o fim dos subsídios. No governo Dilma Rousseff o setor varejista foi beneficiado por diversas reduções de IPI e outras desonerações.

A presidente da Latam, Cláudia Sender, também apontou que a estrutura tributária brasileira está entre as mais complexas do mundo, gerando custos desproporcionais. Na sua apresentação, a executiva considerou que não há momento mais propício que o atual para que o Brasil inove com soluções criativas e que gerem "valor real". Para ela, a situação da economia é grave e a retomada do crescimento está atrelada à capacidade do país gerar competitividade e de se inserir nas grandes "ligas mundiais".

Um dos poucos que manifestaram divergência das linhas gerais dos conselheiros, o presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros, Antonio Neto, defendeu a legislação trabalhista "de Getulio Vargas", que havia sido criticada momentos antes por Nizan Guanaes. Ele também demonstrou preocupação com o "açodamento" no encaminhamento da reforma da Previdência Social. "Não sou contra mudanças, mas precisamos ver o que queremos mudar."

Logo após o evento, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, reafirmou o compromisso de Temer de encaminhar até o fim deste ano ao Congresso Nacional o texto da reforma previdenciária.

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Grupo propõe juros menores para retomar a atividade

Por: Tainara Machado

 

O debate econômico está excessivamente concentrado no ajuste fiscal prometido pelo governo, mas essa não é condição suficiente para que o Brasil volte a crescer. A avaliação, que parte de economistas e empresários reunido no "Grupo Reindustrialização", é que são necessárias condições que favoreçam a atividade econômica para tirar o país da brutal recessão em que se encontra. "O diagnóstico defendido pela equipe econômica está equivocado, porque é parcial. Precisamos de medidas simultâneas para estimular o crescimento", avalia um dos participantes, Mário Bernardini, da Abimaq.

 Depois do primeiro documento, em que constavam seis medidas para reindustrializar o país, o grupo listou cinco medidas emergenciais para tirar o Brasil da crise, sendo que o ponto de partida é, necessariamente, a queda da taxa básica de juros.

 Além de Bernardini, também participam do "think tank" Nelson Marconi e Yoshiaki Nakano (EESP-FGV), que coordena o grupo, Antonio Correa de Lacerda (PUC-SP), Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV), Edgard Pereira e Pedro Rossi (Unicamp) e Francisco Pires Eduardo de Souza (UFRJ), entre outros.

 O corte "firme" da Selic, dizem, ajudaria a destravar o mercado de crédito, facilitaria a renegociação de dívidas de empresas e famílias, desvalorizaria o câmbio e reduziria o peso da conta de juros no resultado nominal, dirimindo parte do problema fiscal.

 "Não é reduzir na marra", reforça Marconi, da FGV. Como nos últimos três meses o IPCA desacelerou significativamente e as projeções para 2017 indicam continuidade do processo de redução da inflação, não faz sentido que o país tenha juros reais da ordem de 8% ao ano, afirma. O próprio Banco Central, diz ele, estima que a taxa de juros real neutra da economia é de cerca de 5% ao ano, e pois isso Marconi avalia que há espaço suficiente para trazer a Selic dos atuais 14% para algo como 9% rapidamente, e não apenas ao fim de 2017, como esperam alguns analistas do mercado.

 A redução da Selic para níveis bem inferiores aos atuais é pré-condição para que outras engrenagens da economia voltem a funcionar. Um efeito secundário importante seria desvalorização da taxa de câmbio. Para o grupo, o dólar deveria valer R$ 3,80, pelo menos, para tornar as empresas brasileiras mais competitivas, e o governo poderia lançar mão de instrumentos como o IOF sobre derivativos para fazer o real perder força.

 O governo também não pode demonizar o papel do BNDES em um momento em que as empresas precisam retomar investimentos e não tem nem acesso a capital de giro, dizem. Para Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP, acredita que a retomada vai depender de exportação e dos investimentos, mas avalia que há uma aposta excessiva no setor privado e nos estrangeiros para retomada do investimento. "O Estado precisa ser indutor, precisamos retomar os investimentos públicos", diz ele, citando um dos pontos defendidos no documento.

 Para Bernardini, as concessões de projetos à iniciativa privada esbarram em questões como a necessidade de proteção cambial para investimentos estrangeiros, que podem tornar as tarifas praticadas inviáveis. Além disso, afirma Marconi, membro do grupo, áreas prioritárias para o país, como saneamento e educação, não têm o retorno necessário para que sejam interessantes para a iniciativa privada e deveriam ser o foco do governo.

 Os economistas ressaltam que não são contra o ajuste fiscal, mas têm uma visão diferente do que pode ser feito, em relação ao projeto apresentado pelo governo.

 Para Bernardini, que enfatizou que essa é uma opinião pessoal, o plano apresentado pelo governo para controlar os gastos públicos é "tosco".

 Para eles, o limite de crescimento da despesa deveria contemplar todo o gasto público, inclusive a conta de juros, que ficou de fora da PEC do teto do gasto. Com redução significativa da Selic, o superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública seria muito menor do que calculam economistas do setor privado. A revisão de incentivos fiscais mal feitos e benefícios do setor público, como supersalários, também poderia abrir espaço para redução da despesa sem cortar investimentos.

 O critério de correção do gasto também é alvo de críticas. Para o grupo, o aumento do gasto limitado pela inflação tende a comprimir excessivamente a despesa em períodos de crescimento, enquanto o método de correção deveria ser mais anticíclico. Por isso, o grupo avalia que o gasto deveria seguir o PIB do ano anterior.

 Por último, os economistas não descartam medidas do lado da receita para cobrir o buraco fiscal no curto prazo. Taxação de lucros e dividendos, de grandes fortunas e o fim de desonerações previdenciárias para o agronegócios e instituições filantrópicas, por exemplo, poderiam compensar cerca de metade do déficit atual nas aposentadorias, reduzindo o tamanho do problema fiscal brasileiro.