Peres e o fim da esperança

 

01/10/2016
Adriana Carranca

 

Shimon Peres morreu sem ver o sonho do convívio pacífico entre israelenses e palestinos se concretizar na solução por dois Estados que defendeu até o fim. Ganhador do Nobel da Paz, ao lado do líder da Organização pela Liberação da Palestina, Yasser Arafat, e do então premier de Israel, Yitzhak Rabin, Peres era o último líder vivo com estatura e expressão mundial capaz de ainda soar convincente ao afirmar que um acordo de paz continuava sendo possível.

Apesar de conter lacunas e ambiguidades, o Acordo de Oslo, do qual Peres participou ativamente, constituiu um marco histórico num conflito sem fim. Foi o primeiro acordo entre israelenses e palestinos. O texto deixava em aberto questões cruciais da disputa, como o controle de Jerusalém, o direito de retorno dos refugiados árabes de 1948 e o status dos assentamentos judaicos nos territórios ocupados. Mas os otimistas acreditavam que o arranjo feito em Oslo levaria, com o tempo, à coexistência pacífica de dois Estados independentes.

Pela primeira vez a OLP de Arafat reconhecia o Estado de Israel, e este, a OLP como representante do povo palestino. E ambos haviam concordado em superar suas diferenças por meios pacíficos. Esperava-se que avanços sobre questões discordantes fossem conquistados gradualmente através de negociações ao longo de um período de transição de cinco anos até a concretização do acordo.

Para muitos, era o início de um processo irreversível de reconciliação.

A declaração de Oslo foi assinada em 1993, na presença do então presidente dos EUA, Bill Clinton. Em 1994, Israel assinou acordo de paz com Jordânia. No mesmo ano, Peres, Rabin e Arafat receberam o Nobel da Paz.

Mas a violência não deu tréguas. De um lado, a assinatura do acordo foi seguida de uma onda sem precedentes de atentados por grupos palestinos, como o Hamas. De outro, houve a explosão de grupos de extrema-direita israelenses, que viam o acordo como uma brecha para a criação de um Estado palestino e o esvaziamento de assentamentos judaicos nos territórios ocupados, para onde já haviam migrado 250 mil deles. Em sua visão, terras conquistadas por Israel militarmente não deveriam ser devolvidas, mesmo que isso significasse o fracasso do processo de paz.

Um ano após a assinatura do acordo, Baruch Goldstein, militante extremista, abriu fogo contra muçulmanos que rezavam na Caverna dos Patriarcas, em Hebron, matando 29 deles e ferindo 125. Rabin considerou remover os assentamentos na região, mas foi alertado sobre uma reação armada por esses grupos e recuou. Em novembro de 1995, Rabin foi assassinado em Tel Aviv pelo judeu ultraortodoxo Yigal Amir.

O assassinato de Rabin comoveu a opinião pública, mas não o suficiente para manter no governo seu sucessor, Shimon Peres. O clima de insegurança abriu caminho para o partido conservador Likud voltar ao poder no ano seguinte, sob Benjamin Netanyahu.

Netanyahu assumiu o cargo prometendo suspender futuras concessões aos palestinos. Sob pressão internacional, assinou dois documentos complementares a Oslo, o Protocolo de Hebron, em 1997, e o Memorando de Wye River, em 1998, negociados anteriormente. Mas já no primeiro ano como premier retomou a expansão de assentamentos. A frustração deu lugar a mais violência.

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, que capitaneou os últimos esforços para retomar as conversas de paz, não conseguiu convencer Netanyahu a congelar os assentamentos como precondição às negociações. Em 2015, em campanha pela reeleição, o premier declarou que os palestinos não teriam um Estado enquanto estivesse no poder. Mesmo assim, foi reeleito por mais quatro anos e tem aprovado novas construções desde então.

Além de ilegais sob leis internacionais, os assentamentos são obstáculos para a paz. Quanto mais moradores, maior o custo político de sua remoção. Além disso, o número de famílias ortodoxas e ultraortodoxas que ocupam estes assentamentos cresce em ritmo maior do que o restante da população judaica. De um lado, Israel está se tornando mais religioso e conservador. De outro, o número de palestinos em Israel e nos territórios ocupados deve ultrapassar o de judeus até 2020, o que deve aumentar ainda mais a tensão. O governo palestino segue fraturado. Aos 81 anos, Abbas há muito está enfraquecido e não se sabe quem irá suceder-lhe. (...)

 

O globo, n. 30371, 01/10/2016. Colunas, p. 30