A hora da conta

Alessandra Duarte, Marco Grillo e Ruben Berta

08/10/2016

 

 

Orçamento enxuto é desafio para candidatos no Rio; programas, porém, são genéricos

 

 

Num cenário de crise, os candidatos Crivella e Freixo tratam das finanças da prefeitura de forma genérica e propõem medidas de difícil execução. Com a arrecadação crescendo de forma mais lenta e um orçamento enxuto para o ano que vem, o futuro prefeito do Rio vai lidar com números mais desfavoráveis do que os deste ano. Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL), no entanto, tratam das finanças de forma genérica em seus programas de governo e propõem medidas de difícil adequação à verba que será herdada da atual administração.

Boom de investimentos. Gestão de Eduardo Paes na prefeitura deixará obras emblemáticas, como o BRT (foto), mas contas são fruto de preocupação para futuro prefeito

Uma das promessas de Crivella é colocar mais R$ 250 milhões por ano na Saúde. A previsão inicial de orçamento da área para 2017 é de R$ 5,4 bilhões, enquanto no ano passado foi de R$ 4,9 bilhões. Em valores corrigidos, o aumento seria de apenas 0,2%, menos de R$ 10 milhões.

O candidato do PRB pretende, ao longo dos quatro anos de mandato, criar 20 clínicas de atendimento para especialidades, assumir 16 UPAs estaduais e criar uma maternidade ao lado do Hospital Pediátrico Nossa Senhora do Loreto, na Ilha do Governador. O candidato ainda quer construir um parque semelhante ao de Madureira, que custou R$ 347,2 milhões.

— O governo Crivella será enxuto. Em vez de 29 secretarias, teremos 15. Vamos dividir o governo em macrofunções, de modo que as pessoas poderão resolver todos os problemas nelas — afirma Crivella.

Já Freixo defende, no capítulo do transporte público, “a redução progressiva das tarifas e a implementação gradual de ambientes de tarifa zero”. A universalização do passe livre nos ônibus teria um impacto anual de R$ 4 bilhões, segundo estimativa feita pela prefeitura este ano. O candidato afirma que a experiência começaria por apenas uma linha, e os recursos viriam da arrecadação das multas e do ISS colhido das empresas — ele defende o fim da isenção fiscal no setor.

Freixo critica também o número de cargos comissionados na prefeitura. Na gestão Paes, os gastos com pessoal tiveram crescimento real de 40% entre 2009 e 2015 — incluídos aí também políticas de aumento salarial e outros benefícios.

— Teremos um cuidado orçamentário grande, porque o PMDB foi muito incompetente na gestão. O percentual do orçamento para o pagamento da dívida vai aumentar muito. O empréstimo do Banco Mundial começa a ser pago em 2017. Onde nós vamos mais cortar são nos cargos comissionados. Faremos uma boa economia — garante Freixo.

A questão financeira é tratada de forma genérica no programa do PSOL. A frase “em acordo com a estrutura orçamentária” aparece 86 vezes, sempre ao lado de propostas cuja execução depende essencialmente da disponibilidade de verba. Freixo defende ainda o aumento dos recursos para Saúde e Educação, sem especificar as fontes.

O déficit no orçamento municipal — as receitas menos as despesas — chegou a R$ 1,7 bilhão na soma dos últimos três anos, segundo estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Dapp), com base em dados do Rio Transparente e da Controladoria Geral do Município. A prefeitura usou reservas para cobrir a diferença. A arrecadação com os dois principais impostos, IPTU e ISS, também tem crescido anualmente de forma mais lenta desde 2014. O aumento nominal do IPTU entre 2014 e 2015 foi de apenas 1,5% — em valores corrigidos pelo IPCA, índice oficial da inflação, a queda é de 8,6%.

O próximo prefeito terá que lidar também com a redução no orçamento: a previsão de arrecadação para o ano que vem é de R$ 29,5 bilhões — queda de R$ 1,3 bilhão em relação a este ano, ou de 4,2%, em valores nominais. A principal redução é nos investimentos, que haviam crescido com as obras para a Olimpíada: a queda é de 60% na comparação com o que está previsto até o fim deste ano, passando de R$ 5,2 bilhões para R$ 2,1 bilhões. Apesar da previsão de aumento na arrecadação tributária, a queda na estimativa total das receitas acontece por que há menos verba vindo de empréstimos e de repasses da União.

Diretor da FGV-Dapp e coordenador do estudo, Marco Aurélio Ruediger, afirma que o próximo prefeito terá que “apontar prioridades”:

— A queda nas receitas e o aumento contínuo das despesas indica com clareza o esgotamento da capacidade do município de expandir suas funções sem que sejam definidos cortes nos gastos públicos.

De 2014 para cá, a composição das receitas do município mudou. A participação das receitas de capital, oriundas de empréstimos, tem crescido, enquanto o aumento das receitas com origem nos impostos está abaixo da inflação.

— A prefeitura tem usado mais dinheiro de dívida do que dinheiro próprio para fazer investimentos. A poupança corrente (verba disponível após pagamento de despesas obrigatórias) vem diminuindo desde 2008, porque tem sido usada para bancar investimentos. Assim, o município busca mais operações de crédito. Temos dívida até depois de 2040, sendo 1/4 em dólar — afirma Cláudio Rezende, analista de planejamento da Fiocruz.

A Secretaria municipal de Fazenda disse que o déficit de 2015 foi coberto pelo acúmulo de caixa dos anos anteriores e que não houve “insuficiência financeira”. A pasta afirmou ainda que no primeiro semestre houve aumento real de 1,5% na arrecadação de IPTU. Sobre o ISS, a pasta credita o crescimento abaixo da inflação à crise econômica. A Fazenda destacou também que os gastos com o pagamento da dívida têm girado em torno de 3%a 4% da receita desde 2012.

 

 

O globo, n. 30379, 08/10/2016. País, p. 3.