Valor econômico, v. 17, n. 4135, 21/11/2016. Brasil, p. A3

Governo estuda novas medidas para ajudar Estados

Nos EUA, Meirelles fala em emissão de títulos lastreados em ativos de estatais estaduais e royalties

Por: Juliano Basile, Ribamar Oliveira e Fabio Graner

 

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que o governo federal estuda medidas para ajudar os Estados que passam por situação financeira difícil, como o Rio de Janeiro, e acrescentou que elas deverão ser implementadas desde que não prejudiquem o ajuste fiscal. Uma dessas medidas seria a emissão de títulos pelos governos estaduais.

O ministro foi questionado a respeito da possibilidade em reuniões com investidores em Nova York. Depois, por meio do secretário-executivo, Eduardo Guardia, esclareceu que a hipótese de emissão pelos tesouros estaduais não estava na mesa, mas sim permitir que empresas não dependentes do tesouro estadual possam emitir títulos lastreados em ativos.

"Ontem mesmo num evento muito grande conversei com investidores e empresas discutindo exatamente sobre a possibilidade e interesse de compra de títulos, particularmente do Rio de Janeiro, [...] títulos emitidos pelo Estado do Rio e que possam ter garantias suficientes que permitam a emissão desses títulos em condições razoáveis", disse o ministro. "Nós estamos estudando uma série de alternativas, como, por exemplo, a hipótese de empréstimos com garantias de ativos aos Estados, que possam ser oferecidos em condições razoáveis", completou.

Segundo ele, as garantias podem ser dadas através de royalties de petróleo ou de empréstimos com garantias de ativos dos Estados. Até mesmo ativos de companhias estatais estaduais poderão servir como opção. "Estamos trabalhando com uma lista de opções", resumiu.

Meirelles lembrou que o Rio de Janeiro já fez emissão de papéis em 2012, com royalties de petróleo futuro. "É uma operação que hoje está em andamento. Qualquer coisa será feita dentro da lei, com tranquilidade, e se for necessário consultamos o tribunal de contas."

Na semana que vem, Meirelles terá uma reunião com o presidente Michel Temer para discutir o assunto. "O que não podemos é, na ânsia de ajudar os Estados, prejudicar o ajuste fiscal federal, voltarmos ao problema que encontramos e prejudicar a situação para todos", acrescentou.

"Nós estamos, em relação ao problema dos Estados, estudando diversas alternativas que possam, de um lado, ajudá-los e, de outro, não prejudicar o ajuste fiscal que está sendo realizado pelo governo federal porque o Brasil hoje vive uma recessão muito forte, a maior da nossa história. Essa recessão é que está fazendo com que a arrecadação dos Estados caia."

Na avaliação de Meirelles, o aumento de despesas nos Estados foi forte, "mas o que os faz agonizar foi a queda forte da arrecadação nos últimos dois anos". "Temos que recuperar a economia para que os Estados possam resolver os seus problemas."

Ao falar, no fim da tarde, em emissão de títulos, o ministro suscitou inicialmente o entendimento de que o governo poderia vir a permitir a emissão de títulos de dívida pelos Estados, o que causou espanto entre especialistas e surpreendeu até dentro do governo. A emissão de títulos pelos tesouros dos Estados é proibida pela Lei Complementar 148, que renegociou a dívida desses entes. Além dessa legislação, há limites de endividamento estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que, no entanto, foram de certa forma driblados por medidas excepcionais autorizadas no governo Dilma Rousseff.

Para uma mudança de lei complementar, é preciso um número alto de parlamentares no Congresso. Além disso, com a situação fiscal comprometida dos Estados, seria difícil encontrar demanda, comentam fontes do governo, e os juros seriam muito altos. Já a proposta de emissão de recebíveis por Estados, também em discussão no Congresso, é vista com mais chance de ser implantada.

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) e professor do IDP, José Roberto Afonso, lembra que a lei da rolagem da dívida dos Estados e seus contratos vedaram a emissão de títulos, até essa dívida ser reduzida ou anulada. Mas depois o governo Dilma, ao trocar o indexador dessa renegociação colocou uma vedação permanente. "Ninguém percebeu isso. Ninguém debateu. Nem o governo justificou porque colocou essa regra tão dura, e, para meu espanto, nem as autoridades estaduais e municipais reclamaram. A única razão que parece justificar, como a LRF já dava a proteção devida, é que o Tesouro Nacional não quer concorrente no mercado de dívida pública", explica Afonso, considerado um dos pais da LRF.

Ele comenta, contudo, que uma eventual mudança nesse sentido não resolveria o problema fiscal. "A crise é demasiadamente grave e complexa para se esperar que uma única e simplória solução promova o milagre de a solucionar. Não há mágica que consiga dispensar e evitar um pacote de austeridade, salvo a mágica de emitir títulos e dinheiro, poder esse que é, ou era, monopólio da União", diz. (Colaboraram Marta Watanabe, de São Paulo, e Edna Simão, de Brasília)

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União cogita mudança no cálculo dos royalties do petróleo

Por: Daniel Rittner e Rafael Bitencourt

 

O governo federal está aberto à proposta de mudança no cálculo dos royalties do petróleo, mas cogita negociar uma "troca" com o Estado do Rio de Janeiro, segundo fontes próximas ao Palácio do Planalto.

A ideia das autoridades na área energética, ainda embrionária, é avaliar com o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) a possibilidade de extinção das taxas estaduais criadas em 2015 e que oneram as petroleiras.

Uma das taxas é a de fiscalização ambiental, que custa uma Ufir-RJ (quase R$ 3) por barril de petróleo. A medida buscava elevar a arrecadação do Estado em até R$ 2 bilhões, mas foi bloqueada pela Justiça. As empresas do setor ainda têm incertezas sobre o assunto e querem afastar definitivamente o risco de um custo adicional aos projetos em andamento.

Outro ponto é a cobrança de ICMS nas operações de transporte do petróleo e do gás natural desde os locais de extração até os depósitos das empresas. Para o governo federal, se o Rio eliminar essas incertezas, criaria um ambiente mais positivo para os leilões que devem ocorrer em 2017. Está prevista nova rodada de concessões em áreas do pós-sal e a segunda oferta de campos do pré-sal.

Na visão das autoridades em Brasília, a mudança no cálculo dos royalties pode até ser positiva para o mercado em determinadas circunstâncias, como quando os preços internacionais do barril caem demais. Hoje a cobrança tem como base um valor pré-definido, não nos preços efetivamente praticados.

A bancada fluminense de deputados federais ouviu do governo federal que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) deverá analisar em sua próxima reunião, agendada para a primeira quinzena de dezembro, o pleito de mudança no cálculo dos royalties pagos pela indústria petrolífera. Os parlamentares alegam que o Rio deixa de arrecadar R$ 2 bilhões por ano, em média, e pressionam pela mudança como forma de aliviar a crise financeira do Estado.

Após reunião da bancada com o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, o deputado Alessandro Molon (Rede) disse ter saído com expectativas favoráveis. "O ministro demonstrou sensibilidade e sabe que esse debate precisa ser feito pelo CNPE", afirmou.

Segundo o deputado, o ministério aguarda estudo da Agência Nacional do Petróleo (ANP) sobre o assunto que deve ficar pronto até o fim deste mês. Apesar dos recentes movimentos pró-mercado anunciados pelo governo, Molon argumentou que não vê contradição em uma eventual mudança no cálculo dos royalties, vista com maus olhos pelas empresas do setor.

"O ministro percebe que essa é uma questão de justiça. O Rio tem o direito de receber os royalties pelos valores efetivamente pagos, e não por um preço mínimo pré-estabelecido", disse Molon.

"Temos a disposição de ajudar não só o Rio de Janeiro, mas também outros Estados que estejam dentro do que está no nosso alcance", afirmou o ministro, após participar da cerimônia de inauguração da primeira usina solar instalada em prédio público federal, em Brasilia. "Mas o governo tem interesse em manter o equilíbrio para não prejudicar demais a indústria do petróleo", disse Coelho.