Valor econômico, v. 17, n. 4134, 18/11/2016. Política, p. A10

Anistia ao caixa dois consolidaria favoritismo de Maia à reeleição

Por: Raymundo Costa

 

Se conseguir aval jurídico, a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) é favorita à presidência da Câmara dos Deputados. A campanha de Maia à reeleição avançou nos partidos da base aliada, especialmente no PSDB, mas é a decisão do deputado de assumir o controverso projeto de anistia ao caixa dois, majoritário na Câmara mas rejeitado por procuradores, o que mais o credencia atualmente entre os colegas.

O presidente da Câmara defende que o projeto deve ser tratado de "forma transparente", no pacote das dez medidas de combate à corrupção proposto pelo Ministério Público. "Não tenho problema nenhum de pautar nada". Maia só não diz qual fórmula prefere. Mais fácil seria apoiar a fórmula do Ministério Público, mas prefere dizer "qualquer uma das linhas é legítima".

A proposta dos procuradores torna crime o caixa dois a partir de sua aprovação. O passado seria decidido pelos tribunais: como o princípio geral do direito é que a lei não retroage para prejudicar, ela não atingiria pessoas acusadas antes da sanção. Mas nem todo o Congresso quer ficar sujeito a interpretações e os partidos tentam "amarrar" algum tipo de anistia no texto legal.

O risco é abrir uma porta pela qual passariam também os acusados de receber propina. Uma saída seria estabelecer a distinção entre aqueles que receberam caixa dois para campanha e os acusados de receber propina. Essas seriam fórmulas mais confortáveis também para o governo - aprovada pelo Congresso, a lei de anistia será submetida à sanção do presidente da República.

Um dos problemas é distinguir o que é eleitoral do que é criminal, uma vez que as empresas não fizeram essa distinção na escrituração do dinheiro, quando havia alguma contabilidade. Outro -que também pesa na avaliação do governo- é que a lei não se destina apenas aos políticos que se beneficiaram do caixa dois, mas também aos empresários, cujo número já é grande nas investigações em curso e deve crescer com as delações em curso.

Embora se mantenha oficialmente afastado, o presidente Michel Temer tem interesse direto nos dois casos, relacionados por força da conjuntura: a eleição de Maia e a anistia para caixa dois. Desatar os dois nós com o mínimo de danos possível para o Planalto seria uma demonstração de que o governo está no controle da situação e detém maioria absoluta para aprovar os temas econômicos, a seu modo, com muita paciência com o Congresso.

Se quiser, Temer pode nem vetar nem sancionar uma eventual lei de anistia. O próprio Congresso se encarregaria então da promulgação. Há precedentes no governo Fernando Henrique Cardoso, mas também em duas ou três ocasiões no atual governo. O mais provável, no momento, é que o presidente também assuma o desgaste da sanção, sobretudo se a lei for aprovada por ampla maioria, como se desenha. A menos, claro, que o projeto tenha problemas técnicos.

Conduzindo a votação da anistia a bom termo, do ponto de vista do Congresso, Rodrigo Maia espera consolidar internamente a condição de favorito. O desgaste externo, segundo seus aliados, é inevitável. A opção a Maia, no momento, diante da divisão do partidos que integram o chamado centrão, seria o PSDB. Os tucanos, no entanto, são protagonistas na sucessão de Temer e também estão divididos -a vitória do candidato A ou B seria creditada como derrota de um ou dois de seus três presidenciáveis: Geraldo Alckmin, Aécio Neves ou do chanceler José Serra.

Publicamente, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, já enviou um sinal de que pode apoiar a reeleição de Rodrigo Maia, a quem considera uma "solução natural" para o cargo. Presidente do PSDB, Aécio Neves tem que gerenciar as demandas da bancada tucana na Câmara, que tem candidatos ao cargo, mas o que não quer mesmo é ficar de fora da solução vitoriosa que for encontrada. O ministro das Relações Exteriores, José Serra, que também tem aliados interessados na cadeira de Maia, deve fechar com o que considerar melhor para o governo.

O DEM, partido de Rodrigo Maia, é coadjuvante na disputa presidencial de 2018.

Além da conversa bem encaminhada com os tucanos, Maia também tem trânsito na oposição. Outro fato que o favorece é a manutenção do status quo na distribuição dos cargos da Mesa Diretora -partidos com candidaturas avulsas correm o risco de ficar de fora. Bem resolvida a questão política, o problema jurídico da candidatura também estaria resolvido, na opinião de aliados de Maia na Câmara e no governo. É uma visão otimista: a Constituição veda explicitamente a recondução para o mesmo cargo da Mesa Diretora na mesma legislatura.

Rodrigo Maia foi eleito para completar o mandato do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), eleito para o primeiro biênio da atual legislatura. Pelas regras, Cunha não poderia ser candidato à reeleição, para o biênio seguinte (2017-2019). Como foi eleito para completar o mandato do antecessor, Maia não teria direito a uma nova eleição. Os defensores do deputado, no entanto, argumentam que as normas falam em mandato, que é de dois anos, o que Maia não teve.

Há pareceres contra e a favor. A maioria política pode decidir pelo atual presidente da Câmara. É fato que outros presidentes das duas Casas do Congresso já tentaram ficar, mas não obtiveram êxito. Mesmo em termos políticos há riscos. A solução Rodrigo Maia serve para governo tendo em vista o que foi até agora sua gestão, mas deixa de ser boa no momento que dividir ou ser questionada, com chance de sucesso, para o plenário do Supremo Tribunal Federal.