Valor econômico, v. 17, n. 4133, 17/11/2016. Brasil, p. A5

Plano B não compensa revés, diz Fazenda do Rio

Para secretário, é "muito difícil" que propostas alternativas recomponham o pacote de austeridade

Por: Cristian Klein e Claudia Schüffner

 

No dia marcado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) para começar a debater o pacote de austeridade fiscal que busca tirar o Estado da bancarrota, o Executivo fluminense vê ameaçada a aprovação das medidas pelo clima de guerra que tomou conta das ruas do centro da capital. (ver a reportagem Em dia de protestos, deputados se reúnem com Pezão para buscar saídas para a crise)

Em decisão divulgada na segunda-feira, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia derrubou a liminar que impedia a tramitação da principal proposta do pacote de 22 projetos de lei enviados à Alerj. Mas as condições políticas para o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) aprovar o ajuste ainda são baixas, pela reação virulenta de servidores que foram reprimidos ontem pela cavalaria e pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar.

O secretário estadual de Fazenda do Rio, Gustavo Barbosa, afirma que o ajuste fiscal pretendido pelo governo já está comprometido pela devolução do principal projeto de lei que buscava sanar o rombo de R$ 19 bilhões nas contas do Estado, com a criação de uma alíquota extra previdenciária que levaria ao desconto de 30% nos salários de servidores ativos e inativos. Isso representaria R$ 4 bilhões do total de R$ 7 bilhões da economia prevista pelo pacote de austeridade em 2017 - ou de R$ 7 bilhões até 2018. "É muito difícil você encontrar ação que consiga um valor desse tamanho", diz Barbosa.

O presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), disse que a casa não analisará a proposta original, cuja tramitação foi liberada pelo STF. Os deputados consideram mais favorável a aprovação do aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14% e da suspensão dos triênios por dois ou três anos.

Para suprir a falta dos R$ 7 bilhões em 2017 e 2018, o secretário de Fazenda afirma que alternativas estão sendo buscadas, mas não darão conta da meta de ajuste. Entre elas está o empréstimo com bancos privados internacionais tendo como garantia a receita futura proveniente dos royalties de petróleo. Se tiver sucesso, será a quarta vez que o Rio capta recursos dando como garantia as receitas futuras provenientes dos royalties e da participação especial (PE), que são originárias da produção de petróleo e gás no Estado.

Apesar de a operação ter sido recebida como um alívio, com o provável apoio do governo federal, o problema é que há pouca sobra de recursos que possam vir a ser comprometidos. O Estado já tem despesa anual de R$ 1,1 bilhão para pagar uma permuta de ativos resultado de uma negociação com o governo federal em 1999. Naquela ocasião o Tesouro alocou dinheiro e títulos para o caixa do Rio, e o Estado direcionou fluxo de receitas futuras de royalties e a PE. Foi a primeira operação para capitalizar o fundo previdenciário do Estado.

Em 2013 e 2014, o ex-governador Sergio Cabral fez novas operações com bancos privados também garantidas por receitas futuras que levantaram R$ 9,2 bilhões. O pagamento desses empréstimos consome R$ 1,9 bilhão da receita estadual. Com R$ 3 bilhões já comprometidos, o Rio mais uma vez torce para uma recuperação dos preços do petróleo. Até agosto, último dado disponibilizado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), a receita do Estado com royalties foi de R$ 1,6 bilhão.

A esse valor se somavam os R$ 958,7 milhões obtidos com a participação especial até setembro, quando se encerrou o terceiro trimestre. Os números mostram que os R$ 2,5 bilhões que entraram no caixa até agora são insuficientes para pagar os R$ 3 bilhões em empréstimos garantidos por essas receitas. O secretário de Fazenda diz que os volumes devem aumentar em novembro. A estimativa do governo do Rio é que essas receitas sejam de R$ 3,5 bilhões em 2016.

Barbosa diz que é cedo para detalhar a nova negociação com bancos liderados pelo Banco do Brasil para uma nova operação de crédito garantida por receitas do petróleo. O secretário foi a São Paulo na segunda-feira para conversas iniciais com bancos e disse que ainda não é possível ter uma ideia do volume de recursos "livres".

"A gente ainda está fazendo simulações para ver o que pode ser objeto dessa operação. Ainda não sei", disse ao Valor. "É muito prematuro falar de valores. É complexo, é uma estrutura que tem sua complexidade e na realidade [o volume captado] é o que o mercado vai demandar. E não necessariamente o que a gente quer. É o mercado que dita isso daí. "

Barbosa admite, contudo, que este ano praticamente não haverá sobras com que trabalhar, já que dos R$ 3,5 bilhões que o Estado prevê arrecadar ainda é preciso deduzir despesas direcionadas para o Fundo Especial de Controle Ambiental (Fecam), que segundo Barbosa vai levar este ano R$ 262 milhões, além de R$ 33 milhões para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), e R$ 240 milhões para municípios. "Tudo depende do fluxo de receitas. Mas para o ano que vem, por exemplo, já há previsão. Claro que são nossas estimativas. Então isso depende da flutuação do preço do petróleo."

O secretário rebate argumentos da oposição sobre as causas da derrocada fiscal - como excesso de isenções fiscais e aumento de salário para o funcionalismo - e centra fogo nas altas aposentadorias concedidas pelo Estado. Diz que a despesa é totalmente amarrada e crescente, com uma receita em queda há dois anos pela recessão brasileira. Cita como exemplo a perda real de 12% da receita tributária do Estado em outubro, resultado de perda nominal (sem descontar a inflação) de cerca de 4,5%.

"Um terço da riqueza de tributos gerada pelo Estado está sendo direcionada para um grupo muito pequeno, de 460 mil pessoas. E os outros dois terços para 16 milhões de pessoas. É justo pegar, de cada R$ 100 de impostos estaduais, pegar R$ 30 e poucos para pagar aposentadoria e pensão de servidor público?", questiona Barbosa, que insiste em centrar o problema no déficit na previdência estadual.

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Em dia de protestos, deputados se reúnem com Pezão para buscar saídas para a crise

Policiais militares fazem uma barreira em frente à Assembleia Legislativa durante protesto de servidores do Estado

Por: Juliana Schincariol, Robson Sales e Rafael Rosas

 

Em meio a intensos protestos ontem no centro do Rio, durante o primeiro dia de discussões sobre o pacote de ajuste fiscal enviado pelo governo estadual ao Legislativo, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB) se reuniu no Palácio Laranjeiras com 24 deputados federais do Estado para debater possíveis saídas para a crise.

Uma das alternativas é pressionar pela revisão do preço do petróleo para cálculo dos royalties, que pode trazer aos cofres estaduais cerca de R$ 2 bilhões ao ano. A bancada federal pretende se reunir com o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, com objetivo de revogar a portaria que determina o procedimento atual, considerado defasado.

A medida já foi aprovada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e depende do Ministério das Minas e Energia (MME). "[É necessária] uma mera revogação de portaria do MME para recálculo da metodologia de transferência dos royalties. Ela é concebida dentro de ótica dos anos 2000, do pós-sal, e hoje estamos na era do pré-sal", afirmou o deputado Otávio Leite (PSDB), acrescentando que foi solicitada reunião com o presidente Michel Temer sobre o assunto.

O governador voltou a mencionar necessidade autorização do Tesouro Nacional para que os Estados avancem com as ações de securitização em busca de novas receitas. "Estamos há quase dois anos tentando securitizar dívida ativa. Há projeto na Câmara, isso poderia nos dar R$ 3 bilhões ou R$ 4 bilhões", afirmou.

Na reunião, um dos pontos questionados por deputados como Alessandro Molon (Rede) e Jandira Feghali (PCdoB) foi o impacto dos benefícios fiscais. O governo vai providenciar um levantamento, a pedido de Molon, para mapear os incentivos dos últimos 12 anos. Os deputados também estabeleceram um calendário de encontros quinzenais com o governo do Estado, no Rio ou em Brasília, para debater novas medidas.

Durante o dia, milhares de manifestantes cercaram a Alerj, derrubaram as grades e entraram em confronto com policiais militares que protegiam a sede do Legislativo. Bombas de efeito moral, veículos blindados e a cavalaria da PM foram utilizados para dispersar os manifestantes. Dois policiais chegaram a deixar seus postos e se juntaram aos protestos. Um homem ficou ferido após o lançamento de uma bomba de efeito moral e um ônibus pegou fogo a cerca de dois quilômetros da Alerj. Os ânimos só foram serenados pouco antes das 15h, quando um grupo ligado a sindicatos de servidores foi recebido pelo presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB) e deputados estaduais. Houve o compromisso de que haverá reuniões com esses representantes antes de cada projeto ser posto em discussão e votação.

Com o clima mais tranquilo, os deputados deram início às primeiras discussões sobre as medidas. Picciani rejeitou pedidos de suspensão da sessão. Foram debatidos a redução dos vencimentos do governador, vice-governador e secretários em 30%, os cortes em programas sociais e a redução para 15 salários mínimos do limite para pagamentos de pequeno valor nas dívidas decorrentes de decisão judicial. Atualmente, esse limite é de 40 salários mínimos. Os 60 deputados presentes apresentaram 96 emendas aos projetos discutidos. Os parlamentares têm até hoje para apresentar novas emendas.