Valor econômico, v. 17, n. 4132, 16/11/2016. Brasil, p. A3

'Gargalo' prejudica cobrança de dívida de R$ 59 bi no Rio

Vara de Fazenda Pública na capital acumula 93 mil ações

Por: Rodrigo Carro

 

Acuado por um déficit orçamentário estimado em R$ 17 bilhões para este ano, o governo do Estado do Rio tem cerca de R$ 59 bilhões a receber em tributos não pagos por contribuintes, mas a cobrança esbarra num "gargalo" jurídico: 93,3 mil ações aguardam processamento na única Vara de Fazenda Pública da capital responsável por casos envolvendo a dívida ativa estadual.

O acúmulo de processos levou a seção fluminense Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) a enviar pelo menos três ofícios pedindo providências ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e um ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre 2010 e 2012. Mesmo assim, no fim de outubro, o total de ações em tramitação na 11ª Vara de Fazenda Pública do Rio era mais de 12 vezes superior à média de 7.500 processos registrada nas outras 13 varas não especializadas em dívida ativa.

Mantida a velocidade de processamento observada de 2005 a 2016 (outubro), o estoque atual de ações acumuladas na 11ª Vara demoraria mais de 300 anos para ser zerado. Isso na hipótese improvável de não serem acolhidos novos processos.

"Esse modelo é uma construção jurídica e política criada para proteger o Estado no polo passivo [das ações] e que acabou por prejudicar o próprio Estado", diz o presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, referindo-se à existência de só uma vara responsável por ações relacionadas à dívida ativa estadual.

"O assunto foi discutido com as últimas quatro administrações do TJ-RJ", afirma Santa Cruz. Ao concentrar todos os processos da dívida ativa em apenas duas varas de fazenda - uma para tributos estaduais e outra para municipais -, em vez de distribuí-los por sorteio, reduziu-se a imprevisibilidade da primeira instância, diz o presidente da OAB-RJ.

Em 2005, o acervo geral da 11ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro somava 140,6 mil processos. Desde então, esse total já oscilou tanto para cima (159,7 mil em 2007) quanto para baixo (93,3 mil no mês passado). "Em um tribunal onde há tantos juízes, o ideal seria que a competência para julgar feitos sobre matéria tributária fosse ampliada", afirma Luiz Gustavo Bichara, sócio da Bichara Advogados, lembrando que a 11ª Vara conta com três juízes (um titular e dois auxiliares).

Em nota enviada pela assessoria de imprensa, o TJ-RJ esclarece que "vem se empenhando para agilizar a tramitação dos processos existentes". Como parte do esforço, informa o texto, "a Corregedoria Geral de Justiça disponibilizou um grupo de funcionários para auxiliar nos trabalhos do cartório e está sendo providenciada a virtualização dos processos físicos ainda em curso."

Dentre as 15 varas de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, a que conta com maior acervo de processos é a 12ª, onde tramitavam, no fim de outubro, 605,6 mil ações referentes a tributos municipais como IPTU e ISS. "Cada imóvel no município tem uma matrícula. E para cada ano que o IPTU deixa de ser pago é gerado um novo processo", explica Breno Kingma, sócio do escritório Vieira Rezende Advogados.

Enquanto numa vara de Fazenda Pública comum um juiz recebe em torno de 3 mil ações por ano, a 12ª - com competência para efetuar a cobrança dos tributos municipais - recebe em torno de 70 mil ações de execução fiscal por ano.

Na nota, o TJ-RJ destaca ainda que desde 2015 se prontificou a realizar mutirões de julgamentos de executivos fiscais, a exemplo do que ocorreu durante o projeto Concilia Rio, que - de acordo com o tribunal - gerou ingressos mensais de mais de R$ 2 bilhões para o município do Rio de Janeiro.

"O tribunal já fez reiteradamente a seguinte sugestão: colocar sua estrutura a serviço de um mutirão de conciliações judiciais entre Estado e devedores de tributos", afirma o TJ-RJ na nota. "A organização dessa empreitada exigiria esforços logísticos que teriam de ser do tribunal e do Estado. Mas este jamais sequer respondeu a esse oferecimento. "

"São processos demais, só o mutirão não vai resolver. É preciso ter uma solução definitiva", rebate Bichara. Em ofício datado de 12 de julho de 2010, o então presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, solicitava ao TJ-RJ a criação de novas varas ou a transformação das que estivessem ociosas em varas de Fazenda Pública de competência tributária.

Especialista em finanças públicas, o economista Raul Velloso sustenta que os esforços para cobrar a dívida ativa são uma alternativa pouco eficaz para reforçar o caixa dos Estados. "Não está no DNA do setor público cobrar a dívida ativa. É algo que tem de sair da mão do Estado. Tem de securitizar [transformar dívida a receber em títulos comercializáveis]". O governo estadual trabalha atualmente para formatar uma operação de securitização da dívida ativa.

Procurada, a Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro não quis comentar o acúmulo de processos da dívida ativa na 11ª Vara de Fazenda Pública.