Valor econômico, v. 17, n. 4132, 16/11/2016. Política, p. A6

Composição do STF manterá prisão em 2ª instância até pelo menos 2023

Por: Raphael Di Cunto e Letícia Casado

 

Sustentada em decisão apertada no Supremo Tribunal Federal (STF), a prisão de condenados pela Justiça em segunda instância, sem precisar esperar pelo julgamento de todos os recursos aos tribunais superiores, deve prevalecer como tese majoritária no Judiciário até, pelo menos, 2023, avaliam políticos que acompanham o assunto de olho nos impactos para a Lava-Jato.

O placar apertado do julgamento, que terminou em 6 a 5 numa decisão confirmada quinta-feira com repercussão geral para todos os casos do país, poderia passar a impressão de que o cenário mudará em um futuro breve, com uma nova composição do Tribunal. Mas, dos próximos cinco ministros a se aposentarem, apenas um foi favorável à execução imediata da pena - e ele só deixará a Corte obrigatoriamente em sete anos.

Isso ocorrerá por causa da aprovação, pelo mesmo Congresso que agora articula projetos para mudar o entendimento do Supremo, da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Bengala, que elevou a idade de aposentadoria compulsória dos ministros de tribunais superiores de 70 para 75 anos para impedir que a ex-presidente Dilma Rousseff nomeasse 10 dos 11 integrantes do STF - hoje são oito indicados por presidentes do PT.

A manobra para desenterrar a proposta, que estava parada há dez anos, foi liderada pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que media força com a petista. Hoje, preso preventivamente em Curitiba, o pemedebista se vê ameaçado pela decisão.

Dilma perdeu a possibilidade de indicar mais ministros e os atuais terão mais tempo de atividade no tribunal. Teori Zavascki, que é o relator da Lava-Jato no Supremo e votou a favor da prisão após a condenação em segunda instância, teria que obrigatoriamente deixar a Corte em agosto de 2018. O presidente Michel Temer, portanto, poderia nomear um ministro contrário a essa tese e em menos de dois anos mudar essa jurisprudência. Agora Teori poderá ficar no cargo até 2023.

Salvo renúncia antecipada ou morte de algum dos integrantes do STF, o ministro seguinte que foi favorável à execução da pena a se aposentar compulsoriamente é Luiz Fux, em abril de 2028.

Todos os outros quatro a completarem 75 anos até 2023 foram voto vencido - Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Uma substituição deles, portanto, não alterará a interpretação, diferentemente do que ocorreu em 2009.

Naquele ano, o STF mudou a jurisprudência em vigor e, por sete votos a quatro, fixou a tese de que a prisão só pode ocorrer após todos os recursos serem esgotados - o trânsito em julgado. O entendimento majoritário do Supremo foi que a Constituição Federal presume a inocência até que seja provado o contrário.

Seis ministros se aposentaram e foram substituídos desde então, o que mudou a correlação de forças na Corte. No julgamento de fevereiro de 2016, os ministros citaram a morosidade da Justiça brasileira e a grande quantidade de recursos interpostos para mudar esse entendimento. Foi a tese de Gilmar Mendes, que reviu sua posição em relação a 2009 diante de casos de prescrição e votou pela prisão. "Essa massa de recursos faz com que tenhamos esse quadro constrangedor de impunidade", disse Mendes, que vê como constrangedora a chance de o STF mudar a jurisprudência novamente.

A decisão do STF, sustentam os investigadores da Operação Lava-Jato, tem estimulado a delação premiada de grandes empresários, que antes achavam que poderiam utilizar os vários recursos ao Judiciário para atrapalhar o andamento dos processos até a prescrição. A Odebrecht, por exemplo, intensificou as negociações depois do julgamento e agora ameaça entregar de 150 a 300 políticos.

A manutenção dessa jurisprudência no STF tem mobilizado parlamentares e partidos. O ex-deputado Wadih Damous (RJ) apresentou projeto para conceder aos recursos especiais e extraordinários (destinados a tribunais superiores) efeito suspensivo automático. O texto está parado nas comissões, mas conta com requerimento de urgência assinado por PT, PMDB, PR, PV, PTB, PTN e PSC, que pode levar à votação direto no plenário. Outra iniciativa é tratar do assunto na comissão da Câmara de reforma do Código de Processo Penal.

Relator do projeto das "10 Medidas Contra a Corrupção", o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) incluiu a execução da pena após o julgamento de segunda instância em seu parecer, que será votado hoje, para evitar que mudanças na composição do STF voltem a alterar esse entendimento no futuro. Outros parlamentares articulam, porém, aprovar emenda para fazer justamente o contrário e impedir a prisão.

Segundo o presidente da comissão, deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), chegou-se a discutir deixar de fora do relatório esse tema, para evitar que emendas alterem a proposta, mas o relator optou por incorporar a decisão do STF. "Ele encontrou uma redação que achou satisfatória para dar mais segurança jurídica", disse.