No país, 1,6 milhão de aposentados trabalham e contribuem ao INSS

 
29/10/2016
Marcello Corrêa

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de rejeitar o direito à desaposentação deixou o futuro incerto para cerca de 1,6 milhão de brasileiros. Segundo levantamento feito por Rogério Nagamine, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), esse é o número de aposentados que trabalhavam e contribuíam para o INSS em 2014, último ano com dados disponíveis.

Sem parar. Cardoso se aposentou em 2003, voltou a trabalhar e, aos 68 anos, não vê perspectiva de parar de novo

A desaposentação permitiria a troca do benefício concedido originalmente por um melhor, que considerasse o tempo adicional de contribuição. Para analistas, a falta de perspectiva de ter a aposentadoria corrigida levará esses trabalhadores a escolher entre conviver com renda mais baixa ou trabalhar por mais tempo para manter o padrão de rendimento enquanto estiverem na ativa.

Por enquanto, o contador Marco Aurélio Cardoso preferiu a segunda opção. Ele se aposentou em 2003, com 33 anos de contribuição e 55 de idade. A decisão foi influenciada pelo medo de mudanças nas regras da Previdência e o incentivo de pessoas próximas. Com o fator previdenciário, fez jus a 70% do benefício integral e, hoje, recebe cerca de R$ 2.100 de aposentadoria. A esse valor, soma os cerca de R$ 4 mil que recebe no emprego de carteira assinada. Aos 68 anos, não pensa em parar de trabalhar.

— Se eu sair da ativa, vou viver de que? Minha mulher, só de remédio, gasta quase R$ 3 mil. Se eu parar de trabalhar, todo mundo morre, porque eu sustento toda a família — diz o aposentado, que também ajuda os dois filhos e os netos.

 

DIREITO A SALÁRIO-MATERNIDADE

Cardoso faz parte do grupo que recorreu à Justiça para tentar revisar o benefício. A Advocacia Geral da União (AGU) estima em 182,1 mil as ações relativas ao assunto, com base em dados de 2013. Ao todo, segundo o órgão, 480 mil brasileiros reuniam condições para tentar a revisão judicialmente.

Para Cláudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, casos como o de Cardoso evidenciam um quadro socialmente injusto para o aposentado brasileiro, que motiva a busca por renda complementar.

— A grande implicação do processo é que, na verdade, o efeito da decisão vai no sentido de que aposentou, aposentou, e, portanto, a renda é essa. Ou a pessoa vive com uma renda mais baixa ou, de certo modo, vai permanecer no mercado de trabalho por um longo período. Não podemos desconsiderar que é injusto socialmente que o aposentado receba uma renda que não lhe dê conforto na situação de velhice — avalia o pesquisador.

Com o fim da possibilidade de ver a contribuição ao INSS convertida em benefício maior, os aposentados que mantêm o emprego com carteira assinada se contentarão com pouco pelo que é descontado mensalmente. Pelas regras, quem se aposenta e continua a contribuir tem direito a salário-maternidade, salário-família e reabilitação profissional (serviço médico oferecido a beneficiários em caso de doença ou acidente). Aposentados não têm direito, por exemplo, a auxílio-doença.

João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ, destaca que é difícil indicar que comportamento o aposentado pode ter, agora que a desaposentação deixou completamente de ser uma possibilidade.

Após a decisão do STF, advogados que representam aposentados em busca da troca do benefício argumentaram que a proibição à estratégia poderia causar uma corrida para o trabalho informal — e um consequente desfalque nos cofres públicos. Saboia pondera, no entanto, que o emprego formal ainda deve ter um apelo, mesmo sem a perspectiva de um benefício maior:

— É uma possibilidade (sair do emprego formal). Mas, se você tem um emprego formal, é difícil abrir mão só por causa do desconto do INSS. A pessoa vai engolir esse desconto e vai continuar com carteira assinada. Pode acontecer com o que estava contribuindo como autônomo.

Rogério Nagamine, do Ipea, não descarta um aumento da informalidade, mas destaca que, embora somem 1,6 milhão, os aposentados que ainda contribuem para a Previdência representavam, em 2014, só 26,4% do total de brasileiros que trabalham após requererem o benefício. Naquele ano, esse grupo chegava a 6,1 milhões.

— Mesmo sem poder afastar a possibilidade de (aumento da) informalidade, já há uma situação de alta informalidade para esse grupo — ressaltou o economista do Ipea.

 

PADILHA DEFENDE REFORMA

A proibição à desaposentação ocorre enquanto o governo costura os termos de uma reforma da Previdência. Ontem, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) 241, que fixa um teto para os gastos públicos, “não significará nada" sem a aprovação da reforma. Padilha afirmou que, se isso não ocorrer, mesmo com o teto, em 2024 todo os recursos do Orçamento estarão comprometidos com o pagamento de benefícios previdenciários, folha de salários e despesas com saúde e educação. Ele voltou a dizer que o rombo na Previdência está entre R$ 145 bilhões e R$ 150 bilhões em 2016 e chegará a R$ 200 bilhões em 2017.

— O déficit tem que ser contido. Há menos gente pagando e muito mais gente recebendo. — destacou Padilha.

 

O globo, n. 30399, 29/10/2016. Economia, p. 24