Valor econômico, v. 17, n. 4130, 11/11/2016. Política, p. A7

Renan articula medidas que atingem Justiça

Presidente do Senado quer regular pagamentos acima do teto e projeto sobre abuso de autoridade

Por: Vandson Lima e Fabio Murakawa

 

Alvo de oito inquéritos no âmbito da Lava-Jato e em fins de mandato como presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL)quer emplacar antes da conclusão do ano legislativo duas medidas de forte impacto sobre a classe de magistrados. O pemedebista instalou ontem uma comissão especial para identificar servidores públicos que estejam recebendo acima do teto constitucional de R$ 33,7 mil. A comissão vai propor uma regulamentação para impedir a prática. A análise abrangerá a folha de pagamentos dos três Poderes, mas o principal alvo é o Judiciário e cargos em estatais.

O colegiado trabalhará em ritmo veloz: Renan deu prazo até o dia 22 para a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), escolhida relatora, apresentar parecer sobre o tema. Ela desmarcou uma viagem para participar da conferência do clima em Marrakesh, Marrocos, para cumprir a missão. Uma 'força-tarefa' foi designada para auxiliá-la: ela terá à disposição um advogado, um economista e um funcionário administrativo do Senado. Também disse que pedirá à Advocacia-Geral da União (AGU) a cessão de um advogado e um auditor do Tribunal de Contas.

Ao justificar a criação da comissão, Renan bateu duro. "É um absurdo que o Brasil continue a conviver com esse acinte, essa desigualdade. Enquanto nós estamos fazendo a reforma da previdência, reestruturando o gasto público, ainda temos no Legislativo, no Executivo e no Judiciário pessoas que ganham mais de R$ 100 mil por mês", apontou, lembrando que um dos alvos é justamente "pôr fim a esses penduricalhos e esses contrabandos" que aumentam os ganhos.

A senadora disse que a regulamentação retratará "dois pontos cruciais", ambos com impacto no Judiciário. O primeiro é fim do reajuste automático dos salários de determinadas carreiras a cada aumento nos salários dos ministros Supremo Tribunal Federal (STF). "Isso é automatizado para os Estados, trazendo um transtorno imenso aos Orçamentos dos governos dos Estados", afirmou.

O segundo ponto é o que Kátia chamou de "contrabando de benefícios transformados em salários". Um exemplo é o auxílio-moradia pago a servidores públicos em todo o país. 'Se eu sou concursado para o serviço público, para o Estado tal, para a cidade tal, isso já impõe uma residência fixa minha. Eu não vou trabalhar a cada tempo num local para justificar um auxílio-moradia", afirmou. "Eu, juíza, por exemplo, ou um outro servidor público, só mudarei de cidade se eu requisitar. Então nada justifica em determinados casos o auxílio-moradia."

Em outra frente, Renan voltou a defender a aprovação rápida do projeto que aumenta as punições para o crime de abuso de autoridade, em tramitação no Senado. Ele pretende convidar para audiências públicas no Congresso autoridades que têm se oposto publicamente à medida, como o juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância, o procurador do Ministério Público Deltan Dallagnol, e o procurador-geral Rodrigo Janot, além de representantes de associações da magistratura.

"Acho que não pode ter preconceito contra o processo legislativo. É muito importante que Dallagnol, Moro, Janot se disponham a vir aqui ao Congresso discutir o aprimoramento institucional. Tenho certeza que, vindo aqui, eles colaborarão muito mais do que discutindo apenas na mídia", provocou Renan.

Na quarta-feira, será realizada uma reunião de líderes no Senado para a escolha de um novo relator da proposta. Romero Jucá (PMDB-RR) declinou após ser escolhido novo líder do governo no Congresso Nacional. "Ainda não decidimos porque alguns gastaram a cota de coragem e a gente precisa reestimulá-la", disse Renan, com ironia.

O presidente vislumbrou, inclusive, votar o projeto na comissão especial logo após a audiência pública. "Como vocês sabem, a votação pode acontecer, inclusive, no mesmo dia do debate. Se o debate produzir resultados e o plenário entender que está suficientemente esclarecido e preparado para votar. O fundamental é que essa lei, assim como outras, seja apreciada até o fim do ano".