Valor econômico, v. 17, n. 4130, 11/11/2016. Especial, p. A14

OMC deve condenar política industrial do país

Decisão preliminar sobre processo aberto contra programas brasileiros será conhecida hoje

Por: Assis Moreira

 

O Brasil deverá sofrer hoje o que pode ser uma de suas maiores derrotas comerciais, com uma condenação dada como certa de boa parte da política industrial estabelecida pelo governo Dilma Rousseff.

A previsão é que a Organização Mundial do Comércio (OMC) envie hoje aos beligerantes sua decisão preliminar sobre o processo aberto pela União Europeia (28 países) e Japão contra programas como o Inovar-Auto, programas do Processo Produtivo Brasileiro (PPB) e o Recap, o regime especial de aquisição de bens de capital ara exportadoras. A expectativa generalizada na cena internacional é que os juízes da entidade confirmarão que o Brasil violou regras comerciais internacionais, no que se aparenta à crônica de uma derrota anunciada.

A questão é mais sobre o tamanho do revés. As decisões da OMC sempre têm nuances. E alguns elementos de programas podem ser salvos, se os juízes considerarem que a UE e o Japão não apresentaram provas suficientes de suas alegações contra o Brasil.

Em todo caso, a decisão deverá delimitar a margem para formatação de política industrial. E deverá forçar o governo Temer a reajustar programas como o Inovar-Auto, para o país não sofrer risco de retaliação por parte de parceiros. Mas isso levará tempo, porque Brasília poderá recorrer ao Órgão de Apelação.

A importância do contencioso é simbolizada pela participação como terceira parte de parceiros que estão entre os que mais contam no comércio mundial, como Estados Unidos, China, Índia, Rússia, Austrália, Coreia do Sul,, Taiwan, Canadá, Argentina, Colômbia, Cingapura, África do Sul, Turquia e Ucrânia.

A queixa de europeus e japoneses visa três grandes partes da política de desenvolvimento industrial estabelecida no governo Dilma, envolvendo programas acusados de discriminação tributária, subsídios atrelados a conteúdo local e subsídios vinculados à exportação, que discriminariam o produto estrangeiro e atropelariam as regras internacionais.

O primeiro alvo é o Inovar-Auto, com medidas de estímulo ao setor automotivo. O segundo a tem a ver com o PPB e crédito fiscal do IPI (desconto de até 30%) para vários setores, incluindo informática, eletroeletrônicos, TV digital, programa de inclusão digital. O terceiro contesta o Recap e benefícios fiscais a empresas preponderantemente exportadoras. Os europeus procuraram mostrar como funcionam nesse cenário tributos como IPI, PIS-Cofins, Cide e outras taxas.

Segundo fontes de Brasília, o Ministério da Fazenda, sob a chefia de Guido Mantega, e parte do antigo Ministério do Desenvolvimento (Mdic) ignoraram alertas do Itamaraty e atropelaram sem cautela as regras da OMC. O desenho dos programas foi feito de forma escancarada contra as regras, a ponto de ser chamada de "ingênuo", na avaliação mais comedida.

Na sua volumosa queixa submetida à OMC, com quase 3 mil páginas (incluindo os anexos), a UE considerou "surprendente, quase inacreditável" a maneira como o governo Dilma Rousseff desenhou esses programas para desenvolvimento industrial.

Para Bruxelas, o Brasil somou tudo de "déjà vu"(já visto) na OMC, com uso de taxação discriminatória contra o produto importado, as exigências de conteúdo local e redução tributária para companhias que alcançam certo volume de exportações.

A UE, que primeiro acionou a OMC contra o Brasil (os japoneses vieram depois), argumentaram que a taxação indireta imposta pelo Brasil resultaria em efetiva proteção na fronteira de 80% ou mais contra o produto importado, em alguns casos.

A UE e o Japão insistiram na OMC que não questionavam a possibilidade para o Brasil de adotar política industrial visando atrair investimentos e promover seu desenvolvimento economico. Mas, segundo eles, o Brasil, uma das sete maiores economias do mundo, não podia ignorar as regras internacionais.

O Brasil insistiu na consistência dos programas com as regras da OMC, e que os incentivos do Recap eram fiscalmente neutros. Três grandes escritórios brasileiros de advocacia - Pinheiro Neto, Demarest e Veirano - atuam como Itamaraty na defesa. Apesar dos esforços da defesa brasileira, fontes consultadas pelo Valor não veem chance de o Brasil escapar de condenação do Inovar-Auto, sobretudo.

A decisão será enviada somente aos países beligerantes. A OMC só fará anúncio semanas depois. O contencioso poderá ainda demorar um bom tempo, porque o Brasil certamente vai recorrer ao Órgão de Apelação. "O Brasil vai precisar reconhecer que a receita [de Dilma] deu errado'', diz uma fonte.

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Decisão sobre programas pode impulsionar reforma tributária

Diego Bonomo, gerente-executivo para comércio exterior da CNI: é preciso garantir a imunidade tributária da exportação

Por: Assis Moreira

 

Setores do governo e da indústria já estão focados em como podem reformular programas que forem condenados no todo ou em parte pela Organização Mundial do Comércio (OMC), vendo oportunidade política para avançar em alguns pedaços da reforma tributária.

Há um grupo de três grandes setores industriais com interesses em jogo no que será decidido hoje na OMC: a indústria automotiva com o Inovar-Auto; a indústria eletrônica com a lei de informática e outros programas; e um conjunto de segmentos, como siderúrgico, açúcar alcooleiro, papel e celulose.

O que parece claro para muita gente no Brasil é que os programas de desenvolvimento industrial precisam ter ênfase em produtividade e não se apoiar em programas de incentivo para setores específicos, que os tornem vulneráveis a questionamentos dos parceiros na cena internacional, como atualmente.

O Inovar-Auto acaba em dezembro de 2017 e ontem, no Salão Internacional do Automóvel, em São Paulo, o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), Marcos Pereira, afirmou já ter iniciado as discussões com o setor produtivo sobre o Próximo Ciclo da Política Automotiva.

Conforme o Mdic, o ciclo atual, pelo Inovar-Auto, garantiu investimentos de R$ 15,3 bilhões em pesquisa, desenvolvimento e engenharia entre 2013 e 2015, para novas estruturas de P&D, novos laboratórios de emissões, desenvolvimento de materiais e testes de combustíveis, ruídos e de segurança, entre outros ganhos. Segundo Pereira, o governo planeja apresentar uma proposta integrada, com a visão de uma política pública de longo prazo.

Há inquietação sobre como os juízes da OMC vão decidir em relação ao Recap e ao Programa Preponderantemente Exportador, que reduzem imposto sobre insumos, por exemplo. A defesa feita pelo Brasil é que são programas criados para corrigir distorções no sistema tributário. O problema básico é o acúmulo de crédito tributário que as empresas não conseguem utilizar e se transformam em perda no balanço no fim do ano.

Outra preocupação é com a lei da informática. Uma coisa é exigir da empresa que compre peças no Brasil para se beneficiar de incentivo tributário. Outra é vincular subsídio para fazer uma etapa produtiva no Brasil.

Se a interpretação dos juízes da OMC for muito ampla, condenando tanto a exigência de conteúdo local como a exigência de etapa produtiva local, a avaliação em Brasília é que pode inviabilizar a produção industrial não só em segmentos no Brasil como em vários países em desenvolvimento.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) faz desde 2013 a coordenação de todos os setores nesse contencioso. O gerente-executivo para comércio exterior da entidade, Diego Bonomo, reconhece riscos na decisão esperada para hoje, mas também oportunidades. "Se perdemos e tivermos de reformular programas, isso pode criar um incentivo político para [o governo] levar adiante alguns pedaços da reforma tributária que estão parados", afirmou.

Bonomo observa que o objetivo da reforma tributária é garantir a imunidade tributária da exportação, garantida na Constituição e também permitida pelas regras da OMC. "Quando uma empresa não consegue compensar o crédito tributário, não se está cumprindo a Constituição, de que a exportação está isenta.", disse. "Se conseguirmos resolver pedaços da reforma tributária, não precisamos ter programas específicos em disfunção do atual sistema tributário."

Um impacto economico da decisão da OMC, se confirmada a condenação e sua amplitude, dependerá de como serão feitas reformulações nos programas.