Moro: 'Processos não podem ser um faz de conta'

Tiago Dantas

21/10/2016

 

 

Em palestra, juiz defende a ‘aplicação vigorosa da lei’ para combater corrupção

 

 Em palestra a juízes e servidores da Justiça do Paraná, ontem, o juiz Sérgio Moro, responsável por julgar os casos da Operação Lava-Jato, disse que, para combater a corrupção no Brasil, os processos “não podem ser um faz de conta”, e defendeu “a aplicação vigorosa da lei”, assim como as prisões preventivas. Um dia após determinar a prisão do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Moro afirmou que as investigações mostraram um quadro de “corrupção sistêmica” na Petrobras, que pode ter se alastrado para toda a administração pública.

Além de penas duras, o juiz defendeu mudanças nas regras para combater a corrupção e citou, como exemplo, duas medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF): a proibição de doações de empresas a campanhas políticas e a autorização para que o cumprimento de pena comece a partir da condenação em segunda instância.

Moro citou experiências de combate à corrupção nos Estados Unidos, durante o governo de Theodore Roosevelt (19001903), e na Itália, na Operação Mãos Limpas, nos anos 1990.

— Essas experiências, comparadas, fornecem o norte do que deve ser feito. A condição necessária para superar a corrupção sistêmica é o funcionamento da Justiça. Nossos processos não podem ser um faz de conta. Tem que haver uma aplicação vigorosa da lei, claro que respeitando direitos fundamentais do acusado. A Justiça, às vezes, é um labirinto e pode ser manipulada para que não chegue a um bom termo.

 

PERDA DA FÉ NA JUSTIÇA

Nas palavras de Moro, em um ambiente de corrupção sistêmica, se o governo dá uma resposta inadequada, as pessoas “vão perdendo a fé” na Justiça. Para ele, o Brasil se encontra “numa encruzilhada”.

Embora não tenha feito nenhuma referência direta a Cunha, Moro justificou a necessidade de decretar prisões preventivas para investigados da Lava-Jato usando as mesmas palavras que aparecem no despacho que determinou a prisão do deputado cassado.

— As prisões, em todos os casos, envolvem risco de reiteração criminosa, comportamento serial da prática de crimes, prática profissional da lavagem de dinheiro. É diferente de um indivíduo que se envolve de forma infeliz no crime.

Ao longo de sua fala, o juiz elogiou o projeto das Dez Medidas de Combate à Corrupção, proposto pelo Ministério Público Federal, e criticou projetos que tramitam no Congresso para revisar como são feitas as delações premiadas e reformar a lei do abuso do autoridade, o que, para ele, pode ser um “atentado à magistratura”.

— Certamente, quando autoridade comete um crime deve ser responsabilizada. Mas o teor (do projeto sobre abuso de autoridade) é preocupante, principalmente na magistratura, que não exclui a possibilidade de um magistrado ser processado criminalmente por sua liberdade de interpretar a lei.

 

 

O globo, n. 30391, 21/10/2016. País, p. 10.