Cármen Lúcia diz que só imprensa livre garante direitos constitucionais

Sérgio Roxo

21/10/2016

 

 

Em fórum da Aner, ministra afirma que decisões que podam liberdade não têm respaldo legal

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, afirmou ontem, durante palestra na abertura do X Fórum da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), que é impossível garantir o cumprimento da Constituição sem liberdade plena de imprensa. Bem humorada, falando inclusive sobre o que lê a seu respeito na internet, a ministra defendeu o direito de todos à livre expressão.

— Precisamos garantir a integridade, a eficácia, a efetividade, não apenas jurídica, mas a efetividade social, da nossa Constituição para que tenhamos nela a garantia de todos os direitos. E isso é possível com uma imprensa integralmente livre, com todos podendo se expressar, ainda que seja contra mim. E olha que leio coisas sobre essa ministra Cármen Lúcia que até eu fico contra — brincou a presidente do STF, ao lado do presidente da instituição e diretor-geral de mídia impressa do Grupo Globo, Frederic Kachar.

Na chegada ao evento, realizado na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em Vila Mariana, Cármen Lúcia, ao ser indagada sobre decisões de instância inferiores do Poder Judiciário contra jornalistas, respondeu:

— Vou dar prosseguimento ao que o Supremo já decidiu reiteradamente: de fato ‘cala a boca já morreu.’ Não há democracia sem imprensa livre.

Durante a palestra, a ministra do STF disse que as decisões judicias que podam a liberdade da imprensa não encontram respaldo na Constituição.

— Nós temos até uma censura judicial. Esse é um problema de estado facilmente solúvel porque o estado está devidamente estruturado constitucionalmente exatamente para garantir a liberdade.

Ela destacou ainda que as novas tecnologias têm provocado uma mudança completa na forma de atuação dos meios de comunicação e também do Judiciário. Para a ministra, os juízes vão precisar ser mais rápidos no julgamento de suas ações porque as novas tecnologias exigem respostas mais imediatas.

— Por causa da mudança na tecnologia, o juiz terá que mudar a sua dinâmica de trabalho.

Ela afirmou ainda que as ações para a retirada de conteúdo das redes sociais partem de cidadãos: — Quem muitas vezes impede a liberdade da informação é o outro, no particular. Não é o estado, como era antes, como é nas ditaduras — afirmou a presidente do STF., completando: — Hoje, você tem censuras estabelecidas por algo que é extremamente contrário às liberdades em geral, que é o politicamente correto.

 

NOVA FORMA DE COMUNICAÇÃO

De acordo com Cármen Lúcia, a própria democracia está mudando por causa da nova forma de a sociedade se comunicar.

— A democracia muda a partir dessa mudança de tecnologia pela qual se passa a informação, alastrada permanentemente e que não para um segundo.

O desafio, para os magistrados, na visão da ministra, é interpretar, no mundo totalmente virtual, a Constituição de 1988, redigida no período analógico.

— Temos que dar vida a essa Constituição de 88 porque mudou completamente o que é o sentido da informação e dinâmica. O que precisamos garantir é que a liberdade de informação, seja qual for o espaço, seja qual for o tempo e seja qual for a tecnologia, seja assegurada.

 

DECISÕES CONTRA A IMPRENSA

Kachar elogiou a fala da presidente do STF, mas lamentou decisões das instâncias inferiores do Judiciário contra o trabalho da imprensa.

— Acontece que no Brasil o Judiciário não é só o Supremo. O Supremo é a última instância, a gente tem a primeira e a segunda instâncias, e com muitos casos de cerceamento de liberdade de expressão — afirmou Kachar, que citou como exemplo as ações de magistrados do Paraná contra o jornal “Gazeta do Povo” devido à publicação de reportagem sobre remuneração no Poder Judiciário do estado, e a quebra do sigilo telefônico do colunista Murilo Ramos, da revista “Época”.

Para o presidente da Aner, é importante discutir os caminhos do setor diante das novas tecnologias. O fórum tem como tema “reinvenção e relevância”.

— Com as novas tecnologias, a gente participa das conversas da nossa audiência. Nosso papel é ser o grande mediador das conversas. Não cumprir apenas o papel de mandar conteúdo. Trazer informação, ser um mediador, formar, esclarecer ganham muito importância no nosso papel. Não só em notícias, mas também em assuntos mais segmentados como saúde, moda, ciência e beleza. A beleza do mundo de revista está em abraçar todos os assuntos que são importantes para a sociedade.

 

 

O globo, n. 30391, 21/10/2016. País, p. 11.