Valor econômico, v. 17, n. 4129, 10/11/2016. Internacional, p. A10

Eleição de Trump amplia incerteza global e nos EUA

Dúvidas sobre novos rumos devem perdurar por algum tempo

Por: Juliano Basile

 

A eleição do republicano Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos mergulhou o país e o mundo num mar de incertezas tanto sobre a condução da política e da economia americana quanto sobre o regime de acordos e trocas comerciais globais.

No plano internacional, Trump deve barrar as negociações de novos acordos, num primeiro momento, e a sua eleição significa a morte prematura da Parceria Transpacífico (TPP), que o governo do presidente Barack Obama ainda envia esforços para aprovar no Congresso até o início de janeiro. “O mundo deverá caminhar para uma recessão geopolítica profunda e de longo prazo”, prevê o presidente da Eurasia, Ian Bremmer.

A renegociação das trocas comerciais com a China, um realinhamento com a Rússia, que sofreu com sanções durante o governo Obama, o anúncio da construção de um muro na fronteira com o México e o de que atuará de maneira imprevisível no Oriente Médio, utilizando o elemento surpresa como característica, certamente vão trazer ansiedade e tensão global. A cobrança financeira junto a países aliados pelo suporte militar dos EUA também poderá alterar a ordem de alianças no mundo e eventualmente levar a desentendimentos e conflitos.

“Trump é muito controverso”, resumiu John Fortier, diretor do “Democracy Project”, um centro de políticas bipartidário de Washington. “Ele vai tentar mostrar que pode fazer negócios melhores para os americanos no comércio com outros países, mas não tem experiência e os seus conselheiros não são conhecidos. Então, ele terá que procurar pessoas conhecidas e experientes para a sua administração”, apostou.

“Trump é errático e hiperbólico em termos de política externa. Ele quer colocar a América em primeiro lugar e ignora outros países. Ele anunciou que vai bloquear imigrantes e acho que ele vai destruir o sistema de comércio internacional”, avaliou Daniel Serwer, professor de relações internacionais da Universidade Johns Hopkins.

No plano doméstico, a vitória de Trump deverá significar a elevação de gastos governamentais, já que ele quer alavancar um plano de infraestrutura e realizar um plano de investimento, cujos detalhes não foram divulgados, para dobrar o ritmo do crescimento do PIB do país. O republicano também deverá prejudicar as contas do governo, caso consiga levar a cabo a promessa de reduzir os impostos de grandes empresas — medida defendida por ele para aumentar investimentos e empregos.

Trump se indispôs com a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Janet Yellen, qualificando a sua gestão de vergonhosa e anunciou, na campanha, que pretende substitui-la, o que sempre provoca oscilações no mercado quando assuntos envolvendo a política de juros e a manutenção da taxa de empregos estão sob atenção no país.

Na área de segurança nacional — uma das maiores preocupações dos americanos — o novo governo deverá responder de maneira imprevisível a ataques ou tentativas de ações terroristas no país. O empresário chegou a anunciar a necessidade de impedir a entrada de novos muçulmanos nos Estados Unidos até que ele tenha uma radiografia sobre quem são essas pessoas. Eventuais expulsões de pessoas suspeitas ou mesmo de familiares de suspeitos poderá gerar a abertura de processos judiciais de proteção a direitos civis.

Na área social, a política a favor da regularização de imigrantes que foi conduzida por Obama e seria reforçada pela candidata derrotada do Partido Democrata, Hillary Clinton, deverá ser suspensa, assim como o programa de assistência à saúde conhecido como Obamacare, que Trump prometeu repelir do país.

Na área de direitos civis, Trump deverá fazer uma nova indicação à Suprema Corte de modo a substituir o juiz Merrick Garland, que foi indicado por Obama em março e que não foi sabatinado por conta de um bloqueio feito pela maioria republicana no Senado. Ele deve indicar alguém de perfil conservador, a favor da liberdade ao porte de armas aos cidadãos e contrário ao aborto. Um dos objetivos de Trump é que a Suprema Corte revogue a decisão no caso Roe versus Wade, que reconheceu, em 1973, a possibilidade de aborto no caso de violência sexual à mulher.

No plano imediato, o desafio de Trump será montar o seu gabinete e especialistas em Washington simplesmente não têm ideia quem ele irá chamar. Quando candidato, ele se indispôs com vários líderes republicanos de maneira que reduziu o número de interlocutores para a formação de seu governo. Atualmente, ele conta com o apoio do ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, que poderia ser indicado para o Departamento de Justiça, e do ex-presidente da Câmara Newt Gingrich, que é visto como possível nome para secretário de Estado. “Não tenho a menor ideia de quem ele indicará. Trump se coloca em meio à imprevisibilidade, então, como posso antever algo sobre ele?”, disse Serwer.

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Equipe de transição planeja primeiros meses de Trump na Casa Branca

Por: Michael C. Bender e Beth Reinhard

 

Enquanto Donald Trump atraía multidões para seus comícios de campanha, um pequeno grupo de aliados — inclusive uma equipe dedicada à construção de um muro ao longo da fronteira entre Estados Unidos e México — se reunia num escritório, em Washington, para planejar os primeiros meses de mandato do presidente eleito.

A equipe de transição de Trump, tal como suas operações de campanha, é muito menor do que a dos candidatos republicanos anteriores e não produziu as volumosas propostas de política e legislação exigidas por eles, inclusive Mitt Romney, quatro anos atrás.

Em vez disso, a equipe produz, sobretudo, memorandos de no máximo 20 páginas sobre itens específicos: O que Trump precisa saber sobre o Departamento do Tesouro? Qual é a finalidade do Conselho Econômico Nacional? Quais questões têm prioridade no primeiro dia, nos primeiros 100 dias e nos primeiros 200?

 

A equipe também está montando uma lista de pessoas para preencher os principais cargos no governo Trump. Alguns têm estado bem próximos ao presidente recém-eleito. Entre os cogitados para procurador-geral estão o governador de Nova Jersey, Chris Christie, um dos principais consultores da campanha e chefe da equipe de transição de Trump, e o governador do Estado de Arkansas, Asa Hutchinson, dizem dois assessores da campanha. A pequena equipe de campanha de Trump, que incluiu Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, e Newt Gingrich, ex- presidente da Câmara, pode formar o núcleo do novo governo. Os nomes discutidos para o departamento de Saúde e Serviço Social incluem o governador da Louisiana, Bobby Jindal, e Ben Carson, um dos rivais de Trump nas primárias, diz um membro da equipe de transição.

O chefe de gabinete deve ser apontado daqui a duas semanas e haverá uma corrida para nomear e aprovar o gabinete dentro de duas semanas antes da posse, diz Mike Leavitt, ex-governador de Utah e consultor da equipe de transição.

“A prioridade é colocar uma equipe em campo”, diz Leavitt. “Vamos começar a ver propostas significativas sendo apresentadas, embora não necessariamente a expectativa de que sejam aprovadas de imediato. Mas existe a necessidade de colocar as propostas na mesa. Não sei até que ponto elas estão preparadas neste momento.”

Trump esboçou um plano geral dos seus primeiros dias no cargo durante um discurso que fez em outubro na cidade de Gettysburg, Pensilvânia, plano que foi ofuscado, na ocasião, por sua ameaça de processar as mulheres que o acusaram de assédio sexual.

As medidas, disse ele, seriam destinadas a acabar com a corrupção e “o conluio de interesses especiais”. Ele também prometeu proteger os trabalhadores americanos e “restaurar a segurança e o Estado de direito constitucional”.

O plano incluía um congelamento na contratação de novos servidores federais, excetuando cargos militares e de segurança e saúde pública. Ele prometeu eliminar duas regulações para cada nova criada. E ele quer impor um intervalo de cinco anos antes que pessoas que deixem os poderes executivo e legislativo possam trabalhar como lobistas.

Em seus primeiros dias no cargo, Trump pretende anunciar que vai reabrir o Tratato Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) e se retirar da Parceria Transpacífica. Ele planeja pedir a seu secretário de Comércio para identificar, e então remediar, todos os “abusos” de comércio exterior “que afetam injustamente os trabalhadores americanos”. E também pretende cancelar as restrições à exploração de reservas de petróleo, aprovar o oleoduto Keystone e cancelar bilhões de dólares em pagamentos aos programas das Organizações das Nações Unidas destinados a mitigar as mudanças climáticas.

O empresário nova-iorquino prometeu, ainda, revogar a promessa do presidente Barack Obama de proteger contra a deportação imigrantes sem documentos trazidos para o país na infância, além de começar a deportar até 2 milhões de imigrantes sem documentos que tenham antecedentes criminais.

 

“Ele vai se concentrar em três a cinco reformas estruturais desde o primeiro dia, incluindo o controle da fronteira sul”, disse Gingrich sobre os primeiros 100 dias do governo Trump. “Isso vai incluir, quase com certeza, uma reforma radical do serviço público para nos permitir despedir pessoas incompetentes, ou corruptas, ou que estejam infringindo a lei”.

A equipe de transição, que se reúne a cerca de um quarteirão da Casa Branca, ocupa dois andares. Os que trabalham nas nomeações se reúnem num deles, incluindo Christie, que lidera a transição; Rich Bagger, ex-senador do estado de Nova Jersey e agora diretor executivo da transição; e Ed Feulner, ex-presidente do grupo de estudos Fundação Heritage e principal assessor da equipe de transição para política doméstica.

No outro andar, ficam os escritórios das cinco principais equipes de política, sob a supervisão de Ron Nicol, ex-oficial da Marinha e veterano consultor do Boston Consulting Group.

A equipe econômica é liderada por William Walton, líder de uma firma de private equity, e David Malpass, que foi economista-chefe do defunto banco Bear Stearns e candidato republicano ao Senado pelo Estado de Nova York, em 2010.

A equipe de imigração é composta por pessoas ligadas ao senador Jeff Sessions, republicano do Alabama que há muito defende leis de imigração mais rígidas, e inclui um grupo dedicado a planejar a construção do muro de Trump na fronteira entre os EUA e o México.

“Esta é a minha promessa para vocês”, disse Trump em Gettysburg. “Se seguirmos esses passos, teremos mais uma vez um governo do povo, pelo povo e para o povo. E, o mais importante, tornaremos a América grande outra vez. Acreditem em mim.”

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Foco em medidas fiscais para apoiar crescimento

Por: Sam Fleming

 

Um Donald Trump triunfante, rodeado por seus familiares, fez o discurso da vitória na madrugada de ontem, prometendo começar a “urgente tarefa de reconstruir” a nação e “renovar o sonho americano”. O presidente eleito disse que sua rival, a candidata democrata Hillary Clinton, havia ligado para reconhecer a derrota. “Ela [Hillary] nos congratulou pela nossa vitória, e eu congratulei a ela e a sua família por esta campanha muito, muito disputada.” Apesar de ter acusado Hillary várias vezes de mentir e de ser desonesta ao longo da campanha, ontem, Trump fez elogios à rival. “Temos com ela [Hillary] uma grande dívida de gratidão pelos serviços prestados ao nosso país”, afirmou. Ele pediu união aos americanos para curar as “feridas da divisão”. “Prometo a todo cidadão de nossa terra que serei um presidente para todos os americanos e isso é muito importante para mim”, afirmou o republicano, repetindo um tema usado pela democrata na campanha. E acrescentou: “a América não se contentará com nada menos do que o melhor. Devemos recuperar o destino do nosso país e sonhar grande e ousado.”

O resultado das eleições vai desencadear uma mudança da política monetária em direção a medidas fiscais nos próximos meses, informaram alguns dos principais assessores de Donald Trump ao “Financial Times”.

Alguns membros de sua equipe de consultoria econômica estão particularmente convencidos de que os bancos centrais exauriram seu uso de políticas monetárias excessivamente frouxas. Em vez disso, nos próximos meses eles esperam anunciar uma série de novas medidas como gastos em infraestrutura, reforma fiscal e desregulamentação para estimular o crescimento.

A retórica da campanha de Trump vem alimentando preocupações com o futuro de Janet Yellen, a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que foi extremamente criticada pelo candidato republicano durante a campanha eleitoral.

Horas depois de Trump surpreender os mercados globais ao derrotar Hillary Clinton, Judy Shelton, integrante de sua equipe de asses- sores, disse ao “Financial Times” que o banco central americano criou uma “falsa economia” e reiterou que Trump quer no comando do Fed alguém mais alinhado com sua maneira de pensar.

Thomas Barrack, presidente da Colony Capital e assessor de Trump, tentou acalmar os mercados, que temem que o republicano venha a agir de maneira precipitada em relação às políticas do Fed, afirmando que o presidente eleito é um homem muito diferente do “candidato Trump”.

Mesmo assim, Barrack observou que é hora de uma mudança de política, ressoando uma opinião generalizada dos assessores de Trump. “É preciso mudar — precisamos de algo mais que a intervenção do banco central para proporcionar crescimento.”

A vitória lançará mais incertezas sobre a política do Fed, depois que o banco central sinalizou que uma alta dos juros poderia ocorrer no mês que vem. Alguns economistas disseram ontem que o Fed poderá muito bem prosseguir com um aumento de um quarto de ponto percentual, na ausência de uma reação violenta dos mercados à eleição.

Trump acusou Janet Yellen de agir em nome dos interesses da administração Obama ao manter as taxas de juros baixas. Ele não pode demitir Yellen imediatamente, mas poderá quere injetar um tom mais radical à política do Fed, preenchendo no ano que vem duas vagas em aberto no conselho da instituição.

Judy Shelton sugeriu que as críticas ao Fed são parte de uma reorientação política mais ampla do mundo ocidental, apontando para a declaração recente da premiê do Reino Unido, Theresa May, de que as taxas de juros excessivamente baixas estão tendo efeitos colaterais ruins e punindo os poupadores. Shelton disse: “Theresa May acusou os lados ruins da política monetária e disse que se você quiser uma economia que funcione para todos, precisa reexaminar a maneira como a política monetária é conduzida e imposta”.

Ela não foi mais específica sobre os tipos de reformas que Trump adotaria, mas Judy Shelton é codiretora do Sound Money Project, que vem fazendo campanha por uma política monetária mais enérgica.

“Ele deixou muito claro na campanha que acha que a política monetária intervencionista e acomodativa por muito tempo do Federal Reserve criou uma falsa economia”, disse Judy Shelton. “As pessoas que trabalharam a vida toda foram penalizadas por esses juros baixos.”

Thomas Barrack insistiu que Trump vai se mover “muito lentamente” no que diz respeito às mudanças no banco central e permitirá que os formuladores de políticas sejam independentes em suas tomadas de decisões, porque o presidente eleito entende que esse é “um lugar delicado e perigoso para se estar”.

Barrack disse: “Aquilo a que os mercados financeiros internacionais estão reagindo negativamente é a ideia de que o candidato Trump seria não confiável e imprevisível. Mas o que se viu no discurso da vitória foi a mudança do candidato Trump para o presidente Trump — ele foi ponderado, calmo, conciliador e previsível”.

Mas ele observou que é preciso mais que a intervenção do Fed para a condução da economia, apontando para a política fiscal e os gastos com infraestrutura em particular.

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Equipe econômica deverá ter nomes de Wall Street

Por: Sam Fleming e Shawn Donnan

 

Ao longo de sua campanha, Donald Trump reclamou asperamente de Wall Street e atacou as grandes empresas com regularidade, mas deverá recorrer a nomes conservadores do mundo empresarial e do financeiro para montar sua equipe na Casa Branca.

Entre os cotados aos principais cargos econômicos está o ex-executivo do Goldman Sachs Steve Mnuchin, frequentemente mencionado como possível secretário do Tesouro, e Wilbur Ross, um investidor em ativos problemáticos. O colunista conservador Lawrence Kudlow, que trabalhou com Ronald Reagan e foi economista-chefe do Bear Stearns, é outro alto integrante da campanha, assim como Steve Moore, economista do centro de estudos conservador Heritage Foundation, que ajudou a elaborar os planos tributários de Trump.

Entre outros nomes importantes está o de Peter Navarro, da Merage School of Business, da University da Califórnia, economista que produziu "Death by China" ("Morte Causada pela China", em inglês), um documentário que mostra desenhos de aviões chineses bombardeando os EUA. Navarro, em análise de setembro feita com Ross, argumentou que as reformas energética, comercial e reguladora de Trump seriam tão positivas ao crescimento que os planos do candidato para cortar impostos seriam fiscalmente neutros.

A dúvida mais profunda é o que essas escolhas pessoais vão dizer sobre as políticas que Trump vai adotar - e até que ponto vão representar uma ruptura com a abordagem tradicional republicana.