Entidades de juízes e procuradores protestam contra ataque de Renan

Adriana Mendes e André de Souza

26/10/2016

 

 

'Típico dos que pensam que se encontram acima da lei’, diz associação

 

 Entidades que representam os juízes federais e os procuradores da República repudiaram ontem as declarações do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que, na segunda-feira, chamou de “juizeco” o magistrado da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira, que autorizou a operação que prendeu policiais legislativos acusados de atrapalhar a Lava-Jato.

Para a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), o comportamento de Renan é “típico daqueles que pensam que se encontram acima da lei”. Já para a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), as críticas a Vallisney representam também ataque “a todo o sistema de Justiça, aos órgãos que nele atuam e ao estado de direito”.

Na avaliação de Renan, uma operação de busca e apreensão no Senado só poderia ser autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em nota, tanto a Ajufe como a ANPR defenderam reforma no instituto do foro privilegiado. Mas lembraram que, no caso da Operação Métis, os investigados são policiais legislativos que, diferentemente dos senadores, não têm foro privilegiado. Anteontem, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) já divulgara nota condenando a atitude de Renan.

 

“OFENSA LAMENTÁVEL”

“Tal operação não envolveu qualquer ato que recaísse sobre autoridade com foro privilegiado, em que pese o presidente do Senado Federal seja um dos investigados da Operação Lava-Jato, senão sobre agentes da polícia legislativa de tal Casa, que não gozam dessa prerrogativa, cabendo, assim, a decisão ao juiz de 1ª instância”, diz a nota assinada pelo presidente da Ajufe, Roberto Veloso.

“De outro lado, havendo qualquer tipo de insurgência quanto ao conteúdo da referida decisão, cabem aos interessados os recursos previstos na legislação pátria, e não a ofensa lamentável perpetrada pelo presidente do Senado Federal, depreciativa de todo o Poder Judiciário”, diz o texto.

Em nota, o presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti, criticou o menosprezo de Renan pelos demais Poderes e aproveitou para pedir o fim do foro privilegiado:

“Em uma República não há lugar para privilégios. Todos são iguais perante a lei e perante a Justiça. Por esta razão, a ANPR manifesta-se uma vez mais pela revisão e extinção dos foros especiais hoje previstos na Constituição, instituto anacrônico e nada republicano. E por maior razão ainda lamenta profundamente e repudia a tentativa que parece emanar da direção do Senado Federal de estender por vias interpretativas frágeis e tortas o foro privilegiado concedido a pessoa dos senadores à toda estrutura funcional e mesmo ao espaço físico do Senado Federal”, diz trecho da nota.

Segundo a ANPR, as declarações de Renan “são tão mais graves porquanto advindas do chefe de uma das Casas do Poder Legislativo, de quem se deveria sempre esperar a defesa da democracia e da ordem jurídica, e não menosprezo aos demais Poderes ou defesa de privilégios até territoriais absolutamente descabidos em uma República, e inexistentes na Constituição”.

A ANPR lembrou que já houve outras operações com desdobramentos envolvendo funcionários ou dependências do Congresso Nacional, e que qualquer discordância da decisão do juiz deve ser contestada com recursos na Justiça.

A Ajufe também pediu a rejeição da proposta que trata do abuso de autoridade, defendida pelo presidente do Senado. Para a Ajufe, o projeto tem o “nítido propósito” de “enfraquecer todas as ações de combate à corrupção e outros desvios em andamento no país”.

 

“PEJORATIVO E DESRESPEITOSO”

Os juízes federais de Brasília também soltaram nota de repulsa a Renan, acusando-o de tentar intimidar o juiz Vallisney. No texto, eles dizem manifestar profunda indignação com as declarações do presidente do Senado e afirmam que Renan “se referiu de modo pejorativo e desrespeitoso” ao magistrado responsável pela Operação Métis. Eles dizem ainda apoiar o ajuizamento de uma ação no Supremo para elucidar os limites de atuação da Polícia Legislativa, para que não avance sobre as prerrogativas da Polícia Federal e da Polícia Civil.

Para os juízes do Distrito Federal, as declarações de Renan tiveram “induvidoso cunho intimidatório”, mas “não afetarão a independência e altivez dos juízes federais do Brasil, e dos quais a sociedade brasileira pode confiar sem vacilações”.

Assinada por 39 dos 54 juízes federais da capital, a nota diz: “Impressiona saber que o presidente do Senado e do Congresso Nacional, sob o equivocado e falacioso argumento de um ‘estado de exceção’, e com sério comprometimento das relevantes atribuições de seu cargo, permita-se aviltar o tratamento respeitoso devido a outra autoridade que, como ele, é também membro de Poder, isso, sim, a criar um cenário de instabilidade e a colocar em severa dúvida se é o Estado republicano, democrático e de Direito que realmente se busca defender”.

 

 

O globo, n. 30396, 21/10/2016. País, p. 4.