Valor econômico, v. 17, n. 4129, 10/11/2016. Internacional, p. A13

Trump pode impulsionar populismo na Europa

Resultado nos EUA reforça a onda populista global

Por: Assis Moreira

 

A eleição de Donald Trump nos EUA, assim como o Brexit no Reino Unido, contém o germe de uma ambiguidade destrutiva. O contraste entre as expectativas de eleitores e medidas concretas que os políticos eleitos tomam podem resultar em um caos social e gerar até uma ruptura do modelo democrático. A avaliação é de Stéphane Girod, professor de negócios e estratégia internacional do IMD, uma das melhores escolas de administração do mundo, na Suíça.

Em entrevista ao Valor, ele alertou também para os custos adicionais que o populismo e a fragmentação econômica trazem para as empresas.

Girod alertou ainda para o risco de que a onda populista que levou à vitória de Trump nos EUA alimente o sentimento anti-establishment na Europa, que terá três votações importantes nos próximos dez meses. Em dezembro, a Itália realizará referendo sobre um pacote de reformas constitucionais proposto pelo premiê Matteo Renzi. Se for derrotado, ele pode ser forçado a renunciar, o que jogaria possivelmente a Itália num novo período de turbulência política.

Em maio, a França realiza eleições presidenciais. As pesquisas de intenção de voto põem na liderança Marine Le Pen, líder do partido de extrema direita Frente Nacional. Uma vitória de Le Pen poderia colocar em xeque a própria existência da União Europeia.

Por fim, em setembro a Alemanha terá eleições parlamentares. Ainda não se sabe se a premiê Angela Merkel será candidata à reeleição. Sua coalizão de governo também está sob pressão de forças populistas. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: A vitória de Trump nos EUA vai impulsionar o populismo na Europa? Stéphane

Girod: A eleição de Trump não é uma causa do populismo, mas um sintoma. E pode dar um impulso ao populismo na Europa, sim. Na eleição presidencial francesa, onde se espera crescimento forte da Frente Nacional, de extrema-direita. Nos Parlamentos nacionais que devem votar ainda a ratificação do acordo comercial UE-Canadá. O referendo da Itália em dezembro é um plebiscito sobre o governo Renzi e dá margem para os descontentes. É um efeito dominó. Podemos fazer um paralelo entre o Brexit (voto pela saída do Reino Unido da União Europeia) e a eleição de Trump, como resultados que contêm o germe de uma ambiguidade destruidora. Na Inglaterra, as pessoas votaram contra a globalização, temendo a imigração. Mas os organizadores da campanha pelo Brexit queriam mais globalização, para assinar acordos de livre comércio mais ambiciosos que, em alguns casos, podem colocar em risco setores da economia britânica, a começar pela agricultura. Foi esse germe da contradição que vimos nos EUA. A plataforma eleitoral de Trump não era muito clara. Muita gente votou nele pelo protecionismo, quando ele fala em menos imposto, mais liberalismo. A termo, haverá um choque. O ponto terrível é que isso pode acentuar o contraste entre as expectativas dos eleitores e as medidas concretas que o eleito toma, gerando um caso social ainda maisimportante, com risco de ruptura do modelo democrático. Foi o que aconteceu nos anos 1930 na Europa. A falta de clareza sobre a plataforma de Trump poderá aumentar no futuro o descontentamento e a cólera de eleitores americanos.

Valor: Até que ponto o avanço do populismo é uma real risco para a UE, o maior bloco comercial do mundo?

Girod: O perigo para a Europa agora é a forte dívida nacional, que reflete a falta de competitividade de vários países, com exceção da Alemanha, Holanda e alguns escandinavos. Todo o resto da Europa é não competitivo, e a camisa de força do euro só permite a desvalorização interna, que significa diminuição do salário e portanto do nível de vida. Quanto mais esse fenômeno durar, em um contexto de crescimento zero, mais será socialmente inaceitável. A crise dos refugiados, combinada com temores sobre o islamismo, acelera a crise de identidades nacionais. A globalização acentuou as desigualdades entre as elites e os outros grupos da população. Menor crescimento, desequilíbrios econômicos, ascensão da China e aumento de desigualdades, se não forem tratadas corretamente pelos políticos, podem levar os eleitores na Europa e no mundo ocidental em geral a eleger governos que reforçarão agendas radicalmente protecionistas. A falta de lucidez dos políticos europeus [para responder a isso] é um grande perigo.

Valor: E o apetite por globalização diminui.

Girod: Estamos numa dinâmica que pode atingir uma ruptura radical da globalização. Há retrocesso nos países desenvolvidos, onde a percepção é de que a globalização empobreceu a classe média cujos empregos foram tomados por migrantes mais baratos e multinacionais com atividades em países com menor custo. Nos emergentes, o apoio à globalização está aumentando. O freio na globalização está em curso, com mais medidas que restrigem comércio e investimentos. Eu me pergunto se a China constatou que as oportunidades estavam se fechando e procurou acelerar aquisições no exterior. A Alemanha é um dos países que limitam investimentos chineses, alegando proteção de tecnologia estratégica.

Valor: Nesse cenário de fragmentação, qual o tamanho do impacto sobre as empresas?

Girod: Primeiro, elas correm maior risco de expropriação por políticas de nacionalização. Segundo, o custo das transações aumenta com os constrangimentos no comércio. A economia de escala vai diminuir, resultando em mais custos e menos rentabilidade. As empresas precisam fazer parte da solução, não esperar só os políticos. Podem propor uma "globalização revisada", desenvolvendo uma estratégia mais positiva, com parceria público-privada, focada mais no longo prazo e não apenas no curto prazo. No plano operacional, precisam enfrentar o risco da catástrofe climática e tornar suas atividades menos pesadas para o meio ambiente. Precisam também ver como preparar os jovens e mitigar o impacto da robótica e da inteligência artificial sobre o emprego. Mas esses são processos longos.

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Europeus temem por segurança na região após vitória de republicano

Por: Geoff Dyer

 

Aliados dos Estados Unidos na Europa disseram que terão de cooperar mais uns com os outros na área de segurança, depois da vitória de Donald Trump.

Trump causará uma reviravolta nos alicerces da política externa americana e abrirá uma crise sem precedentes nas relações dos EUA com seus aliados, caso leve adiante com muitas das promessas feitas na campanha. Ao longo de sua candidatura para a Presidência americana, ele questionou o compromisso dos EUA com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), sugeriu que poderia rasgar os tratados de defesa com aliados na Ásia e ameaçou iniciar uma guerra comercial com a China e o México.

O republicano adotou um tom conciliatório com regimes autoritários, em contraste com seus predecessores, e falou em estabelecer uma relação mais próxima com Vladimir Putin. Sugeriu que poderia, inclusive, tentar se reunir com o presidente russo antes de sua posse, em 20 de janeiro.

O presidente da França, François Hollande, disse que a eleição americana poderia levar a um "período de incertezas" para a paz e a defesa do planeta. "Esse novo contexto pede uma Europa unida, capaz de se expressar e defender suas políticas."

"Temos de reconhecer que a política americana será, nos próximos anos, menos previsível para nós", avaliou o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier. "E estarmos conscientes de que os EUA estarão mais inclinados a tomar decisões sozinhos."

Os ministros das Relações Exteriores dos países europeus se reunirão no fim de semana para discutir as implicações da vitória de Trump para a região. Gérard Araud, embaixador francês nos EUA, disse que depois do Brexit e das eleições americanas, "o mundo está se separando diante dos nossos olhos."

Dado o cenário de potenciais mudanças com o resultado da eleição nos EUA, as próximas semanas fornecerão um período de teste para saber se as declarações de Trump ao longo da disputa eram retórica de campanha ou se, de fato, refletem seus pontos de vista.

Daqui até a posse de Trump na Casa Branca poderá ocorrer uma medição de forças entre membros da equipe da campanha de Trump e nomes ligados à política externa do Partido Republicano, sobre se Trump tentará implementar algumas dessas promessas, o que pode deixar lobistas em pânico.

"Haverá uma enorme sensação de crise sobre o que irá acontecer agora e sobre o fim do papel dos EUA enquanto uma potência liberal", disse Thomas Wright, do Brookings Institution, em Washington. "E um sentimento de que estamos à beira de uma mudança crucial, do tipo que não vemos desde os anos 1930, mas que ninguém sabe exatamente como é."

Dentre os aliados ansiosos dos EUA, ainda existe esperança de que as posições de política externa de Trump serão na verdade mais flexíveis do que ele sugeria durante a campanha.

Diplomatas de países ocidentais em Washington disseram que a equipe de campanha do republicano tentou diversas vezes amenizar as posições de Trump, dizendo a eles em privado que seus comentários deveriam ser encarados como abertura de oportunidades em uma negociação, e não como declarações políticas.

"Nos disseram que ele vê a maior parte desses temas como um empresário", afirmou um diplomata.

Ao contrário de algumas posições sobre política doméstica que Trump adotou durante a campanha, os elementos centrais de sua visão de mundo têm sido os mesmos por décadas. Em 1987, ele colocou anúncios nos jornais "New York Times", "Washington Post" e "Boston Globe" em forma de carta aberta "para o povo americano" que demostravam os instintos segregacionistas que ficaram evidentes durante a corrida à Casa Branca.

A tensão sobre suas intenções permearam toda campanha eleitoral. No debate entre candidatos a vice-presidente, o republicano Mike Pence disse que os EUA precisavam enfrentar as "provocações" russas na Síria com vigor. No dia seguinte, Trump respondeu: "Ele e eu não falamos [sobre Rússia] e discordamos sobre o tema."

Em meio a tantas incertezas, a perspectiva é as atenções estarem mais voltadas do que o normal aos discursos de Trump como presidente eleito nos dias pós-eleição, assim como nos primeiros nomes para compor a sua equipe de segurança nacional.

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Ansiosos, líderes mundiais esperam mais clareza

Por: Angus MacSwan

 

Líderes mundiais se ofereceram ontem para trabalhar com Donald Trump quando ele assumir a Presidência dos Estados Unidos, mas se mostraram ansiosos em relação a maneira como ele vai conduzir problemas que vão do Oriente Médio à uma Rússia assertiva, e se ele levará a cabo uma série de ameaças feitas durante a campanha.

Vários líderes autoritários e de direita saudaram o bilionário empresário e ex-apresentador de TV, que, contra tudo e contra todos, conquistou na terça-feira a liderança do país mais poderoso do mundo. A China, alvo da ira de Trump durante sua campanha, apelou para a cooperação.

O México também adotou um tom conciliador, apesar dos insultos de Trump aos migrantes mexicanos e promessas de erguer um muro na fronteira entre os dois países. A Coreia do Sul o conclamou a não mudar a política em relação aos testes nucleares da Coreia do Norte.

Trump, que não tem nenhuma experiência política ou militar, disse após derrotar a democrata Hillary Clinton que vai buscar o entendimento, e não o confronto, com os aliados dos EUA.

Na campanha eleitoral, ele expressou sua admiração pelo presidente russo Vladimir Putin, questionou as doutrinas centrais da aliança militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e sugeriu que o Japão e a Coreia do Sul deveriam desenvolver armas nucleares para cuidar de sua própria defesa.

Entre outros pontos que estão preocupando os aliados estão as promessas de Trump de desfazer o acordo global sobre mudanças climáticas, abandonar acordos comerciais que, segundo ele foram ruins para os trabalhadores americanos, e renegociar o acordo nuclear entre Teerã e as potências mundiais que levou ao relaxamento das sanções contra o Irã.

O Irã exortou Trump a continuar comprometido com o acordo firmado com o país. O presidente Hassan Rouhani disse que o acordo nuclear com seis potências mundiais não pode ser desfeito por um único governo. O presidente mexicano Enrique Peña Nieto, que foi criticado por receber Trump no México durante a campanha, disse estar pronto para trabalhar com o presidente eleito. "O México e os EUA são amigos, parceiros e aliados e deverão continuar colaborando pela competitividade e o desenvolvimento da América do Norte", disse Peña Nieto.

Trump já disse que poderá desfazer o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), sob a alegação de que ele eliminou empregos nos EUA, além de ter chamado os imigrantes mexicanos de estupradores durante sua campanha.

Em tom conciliador, o presidente chinês Xi Jinping disse que Pequim e Washington partilham a responsabilidade em promover o desenvolvimento global e a prosperidade. "Coloco grande importância no relacionamento China-EUA e estou ansioso para trabalhar com você para manter os princípios de não-conflito, não-confrontação, respeito mútuo e cooperação ganha-ganha", disse Xi a Trump, que durante a campanha prometeu se opor à China e taxar as importações de produtos chineses para parar a desvalorização cambial.

A Coreia do Sul expressou a esperança de que Trump mantenha a atual política dos EUA de pressão sobre a Coreia do Norte com relação ao seu programa nuclear e de testes de mísseis. Seul teme que Trump possa fazer propostas imprevisíveis à Coreia do Norte, disse um membro do partido governista, citando uma autoridade da segurança sul-coreana.

Um funcionário do governo japonês, em declaração dada antes de Trump assegurar a eleição, instou o candidato republicano a enviar uma mensagem, o quanto antes, para tranquilizar o mundo dos compromissos dos EUA com seus aliados. "Certamente, estamos preocupados com relação aos comentários que [Trump] tem feito até hoje sobre a aliança e o papel dos EUA no Pacífico, em particular o Japão", disse o funcionário do governo japonês.

No Oriente Médio, o presidente de Israel, Benjamin Netanyahu, que tem uma relação ruim com o presidente Barack Obama, disse que espera alcançar "novas alturas" na relação bilateral sob a Presidência de Trump. Obama e Netanyahu discordam sobre a questão dos assentamentos israelenses em território palestino, enquanto Trump tem dito que eles devem ser expandidos.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, também parabenizou Trump, mas analistas disseram que seu papel pode ser profundamente negativo às aspirações palestinas. E apesar da retórica negativa de Trump com relação aos muçulmanos durante a campanha, incluindo ameaças de proibir a entrada deles nos EUA, o presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, disse que tem esperança de que a eleição do empresário proporcione um sopro de vida nova na relação Egito-EUA.