Um efeito manada

 
24/10/2016

 

Termo incluído no jargão do mercado financeiro para designar movimentos bruscos e rápidos de compradores e vendedores em momentos tensos de crise, “efeito manada” também pode dar ideia de união, agrupamento. Tem sido este o comportamento padrão do PT quando alvejado por críticas, mesmo baseadas em fatos concretos, comprovados, condenados na Justiça.

Quanto explodiu o mensalão, em 2005, parlamentares petistas se chocaram com a revelação de que o partido havia pagado a marqueteiros no exterior, por baixo do pano, em dólares. Alguns trocaram de legenda, mas, na essência, vigorou este efeito manada.

Mesmo quem propôs a “refundação do partido” ficou no rebanho. Isso apesar das evidências convertidas em provas de que houve uma associação criminosa de dirigentes petistas com um esperto detentor de tecnologia de lavagem de dinheiro, este bombeado ilegalmente dos cofres do Banco do Brasil, para a compra literal de apoio parlamentar ao primeiro governo Lula. Desfalque, roubo, em outras palavras. O escândalo foi convertido em processo no Supremo (STF) e dele saíram condenados à prisão petistas de alta patente, como José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e João Paulo Cunha.

Mas a tropa continuou unida. No mensalão, o presidente Lula primeiro pediu desculpas — reconheceu, então, o crime —, depois voltou atrás e passou a negar o esquema. Garantiu até que ia provar a farsa montada contra o PT. Nada disso aconteceu, é claro, e viria a estourar o caso bilionário do petrolão, em que ficou evidente que a mesma “organização criminosa” do mensalão montara o assalto lulopetista à Petrobras e companhias do setor elétrico, um escândalo muito maior que o mensalão. Até Lula terminou enredado nas investigações da Lava-Jato e virou réu, até agora em três processos.

O PT, pelo menos na superfície, se mantém unido, pelo efeito manada. E a militância se agarra a palavras de ordem e explicações ardilosas destiladas na cúpula do partido: o impeachment de Dilma, por exemplo, foi “golpe”. E tudo não passa de uma furiosa perseguição das elites, da mídia e de quem mais for, ao partido e ao líder Lula, devido ao seu suposto amor ao povo.

Em artigo publicado por ele na “Folha de S.Paulo”, na semana passada, está exposta de forma translúcida a artimanha de se defender pela vitimização, arte desenvolvida há tempos por Lula e absorvida pelo partido.

Mas, diante da catástrofe eleitoral no primeiro turno dos pleitos municipais deste ano, aguarda-se para saber se a manada continuará unida. Foi um forte tranco: o partido perdeu mais da metade das 630 prefeituras que passara a controlar em 2012, ficando com 256 cidades, e assim caiu do terceiro para o décimo lugar na relação dos partidos que administram prefeituras Pode ser que o truque lulopetista da vitimização não funcione desta vez, e o partido tenha mesmo de se defrontar com um longo período de sincera autocrítica. (...)

 

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Olhar para dentro

 
24/10/2016
Patrus Ananias

 

O PT está vivo. Ferido, mas vivo; menor do que foi em anos recentes, mas vivo e povoado de reservas morais, espirituais, culturais e políticas que o credenciam a vencer os desafios que tem que enfrentar. As análises publicadas após o primeiro turno das eleições municipais destacam, acima de tudo, a perda de apoio popular e de poder pelo Partido dos Trabalhadores.

É notório que o PT perdeu — e muito. Sua direção reconheceu “derrota profunda do campo democrático-popular, principalmente do nosso partido”. Mas as urnas nos dão outras notícias, tão graves que tornam reducionistas, algo como obras de torcedores, as análises centradas no desempenho do PT e/ou outros partidos de esquerda.

As eleições deste ano foram as mais despolitizadas desde que entrou em vigência a Constituição de 1988. A indiferença e, em alguns casos, a agressividade das pessoas anteciparam o elevadíssimo número de abstenções e de votos brancos e nulos. Não foi difícil compreender, a partir das ruas e praças públicas e do resultado das urnas, que a maioria da população não se envolveu com o processo eleitoral.

Considero positivo o fim das contribuições empresariais. Mas os efeitos foram tímidos, porque os candidatos ricos levaram nítida vantagem. Foram mantidos e ampliados os currais eleitorais com a compra de votos e o apoio de muitas lideranças comunitárias e religiosas. E a redução do período eleitoral a 45 dias cerceou o debate de propostas entre candidatos e sociedade.

A omissão do Legislativo continua permitindo a expansão da influência do Judiciário, especialmente da Justiça Eleitoral, que sai da função de julgar e pacificar os conflitos para exercer o papel de normatizadora e propagandista do processo eleitoral. Cabe também uma rigorosa autocrítica aos partidos políticos. E, dentro da autocrítica que devem fazer os partidos comprometidos com o estado democrático de direito e com o bem comum, cabe avaliar o pior desempenho eleitoral do PT em sua esplêndida trajetória ascensional de 36 anos.

O PT enfrenta uma duríssima campanha de setores da mídia em trabalho permanente de desgastá-lo, inclusive pela desqualificação de políticas públicas dos governos Lula e Dilma que resultaram em históricas conquistas nacionais. E foi transformado em alvo exclusivo de ações da PF, do MP e do Judiciário. Mas o fato de sofrermos perseguições com visíveis finalidades políticas e eleitoreiras não nos exime das nossas faltas, como a de aceitarmos as regras do jogo com relação ao financiamento privado das eleições e aos acertos daí decorrentes.

É forçoso reconhecer também que o PT perdeu a força inaugural, de quando garantia vez e voz aos militantes e simpatizantes através de cursos de formação política, debates, eventos de partilha de conhecimentos e experiências, encontros partidários. É hora de seguirmos o conselho de Gandhi e fazermos em nós a mudança que cobramos dos outros.

 

O globo, n. 30394, 24/10/2016. Opinião, p. 12