Corte na rede estadual de saúde chega a 60%

Antônio Werneck e Patrícia de Paula

10/10/2016

 

 

Setor já acumula R$ 1,8 bilhão em dívidas; hospitais, institutos e UPAs só receberam R$ 1,4 bilhão este ano.

A crise do estado está levando a rede de saúde a uma situação dramática. Com 67 hospitais, institutos e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), a pasta acumula uma dívida de cerca de R$ 1,8 bilhão com fornecedores, grande parte (R$ 1,5 bilhão) relativa a débitos feitos até dezembro passado. E a penúria parece não ter remédio. Dos R$ 3,2 bilhões que deveriam ter sido repassados pela Secretaria de Fazenda para a saúde este ano, só foi transferido R$ 1,4 bilhão, cerca de 40%.

A Secretaria de Saúde informou que, para manter um atendimento adequado, são necessários pelo menos R$ 300 milhões por mês, mas os valores enviados à pasta não têm chegado nem perto. Este mês, com o agravamento da crise, os recursos ficaram mais escassos, levando hospitais gerais, como o Getúlio Vargas, na Penha, a suspenderem as cirurgias eletivas. 

LONGE DE UMA SOLUÇÃO

A Secretaria de Saúde informou ainda “que tem trabalhado para quitar as dívidas de 2015 e cumprir os compromissos de 2016 para resgatar a credibilidade junto aos fornecedores e prestadores de serviço”. Em nota, admitiu que está longe de uma solução, já que foi informada pela Secretaria de Fazenda que “não há recursos disponíveis a serem repassados conforme a necessidade da pasta”.

A situação mais dramática, segundo a própria Secretaria de Saúde, é a da Farmácia Estadual de Medicamentos Especiais (Rio Farmes), na Praça Onze, afetando a vida de milhares de dependentes de remédios de alto custo. É o caso da dona de casa Nábia Ferreira Alves, moradora de Silva Jardim, que se cadastrou em junho para receber o Topiramato 100mg, que custa cerca de R$ 300 nas farmácias comuns. Na última sexta-feira, ela disse que saiu de casa às 3h, mas não conseguiu uma caixa sequer do único remédio que atenuou as crises de epilepsia da filha Jayanne, de 9 anos.

— Mais uma vez, vim à toa. Minha filha passou por vários remédios até chegar a esse — contou.

A Secretaria de Saúde informou a Nábia que a primeira remessa do Topiramato seria entregue em junho pela Rio Farmes, no Centro do Rio, e, a partir de então, ela poderia buscar o remédio mensalmente no polo de Rio Bonito, mais perto de onde mora. O que não aconteceu. Na falta do medicamento, Nábia diz que recorre à ajuda de uma amiga, que consegue amostras grátis:

— A quantidade é insuficiente, pois minha filha precisa tomar dois comprimidos e meio por dia. Às vezes, precisamos correr com ela para a emergência.

DÍVIDAS NO CARTÃO DE CRÉDITO

O remédio também controla as crises de Lincoln, de 18 anos, filho de Maria Venância Motta, que mora em Campo Grande. Ele precisa tomar três caixas por mês. A solução encontrada foi parcelar os gastos no cartão de crédito da mãe.

A dona de casa cuida ainda do caçula Maxwell, de 13 anos, que tem Síndrome de Down, e da sogra acamada, de 84 anos:

— Por isso não consigo trabalhar. Meu marido, que é pedreiro, perdeu o dia de trabalho hoje para cuidar deles, enquanto vim aqui.

Débora Carvalho, de 44 anos, sofre de artrite psoriática e depende de dois medicamentos: o Adalimumabe, que chega a custar R$ 8 mil, e o Metotrexato 2,5mg, este último em falta.

Para o funcionário público Rosemberg Robson Santos, a Rio Farmes salvou a vida do filho, de 11 anos, doente renal e transplantado há dois anos:

— Há seis anos busco aqui os quatro remédios de que meu filho precisa para viver bem, e nunca tive problemas. Se dependesse do meu bolso, ele estaria morto, pois a medicação soma cerca de R$ 7 mil. Espero que não falte

O caso do pedreiro aposentado Wilson Rodrigues da Silva, de 62 anos, é diferente. Com dores na perna esquerda, procurou atendimento no Hospital municipal da Posse, em Nova Iguaçu. Como os equipamentos para os exames não estavam funcionando, foi levado a uma clínica particular pelas filhas. Os médicos descobriram um entupimento numa artéria da perna, comprometendo a circulação no pé. O choque veio com o diagnóstico: teria que amputar os dedos.

— Procuramos novamente o Hospital da Posse, mas não havia cirurgião vascular. Fomos encaminhados para o Getúlio Vargas e ele foi internado. Depois, veio a surpresa: o atendimento não poderia ser feito — afirma a filha do aposentado, Clícia Souza Silva, de 39 anos.

Wilson foi levado, então, para a emergência do Hospital Geral de Bonsucesso, mas nada foi resolvido:

— Só conseguimos a cirurgia no Hospital Municipal Miguel Couto. A operação esta marcada para segunda-feira (hoje).

No Hospital estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, e nas UPAs do bairro a situação se repete.

— Estou há quase um mês esperando uma ressonância no Carlos Chagas — conta o motorista desempregado Francisco de Oliveira, de 45 anos.

Os médicos do Carlos Chagas dizem que também faltam auxiliares de enfermagem e pessoal de limpeza.

 

O globo, n. 30380, 10/10/2016. Rio, p.8