Sem algemas e escoltado por ‘Lenhador da Federal’

JAILTON CARVALHO, ISABEL BRAGA E KATNA BARAN

20/10/2016

Eram cerca de 13h quando um nada surpreso Eduardo Cunha (PMDB-RJ) recebeu formalmente a ordem de prisão. Ele já esperava pela ação porque tinha recebido um telefonema dos policiais, e não esboçou reação. Os amigos do ex-deputado relatam que os agentes o abordaram numa área comercial de Brasília, mas a Polícia Federal diz que foi na garagem do prédio do apartamento funcional que Cunha ocupa até hoje, 43 dias após ser cassado.

Cunha estava acompanhado de um de seus advogados e da mulher, Cláudia Cruz. Com discrição, os policiais se aproximaram e anunciaram a prisão. Não houve qualquer incidente.

Depois de preso, Cunha foi levado direto da garagem do prédio para o hangar da Polícia Federal no aeroporto de Brasília, e transferido imediatamente para Curitiba. No momento da prisão, se quisessem, os policiais poderiam ter deixado o carro da PF no estacionamento externo. Isso obrigaria o ex-deputado a passar pela portaria do prédio escoltado pelos agentes e, claro, aumentaria a exposição do ex-todo poderoso presidente da Câmara. Mas os agentes optaram por uma ação de menor visibilidade.

Os policiais participaram da ação com roupas comuns, ou seja, sem os tradicionais uniformes pretos com a marca da PF. A ordem de discrição partiu do juiz Sérgio Moro, autor da ordem de prisão. O juiz determinou também que a polícia se abstivesse de usar algemas. Cunha não foi algemado nem durante o voo de Brasília a Curitiba. A PF afirma que o uso de algemas é obrigatório em transporte de presos em aviões.

 

“POLICIAL HIPSTER”

A prisão do ex-deputado foi marcada também por um detalhe prosaico. Logo depois do embarque do ex-presidente da Câmara em direção a Curitiba, internautas inundaram as redes sociais com perguntas sobre um jovem agente, de barbas cerradas e cabelos em coque estilo samurai, que participou da escolta.

Em tom de brincadeira, alguns diziam que a policia caprichou na operação a ponto de trocar o desgastado Newton Ishii, conhecido como o Japonês da Federal, por um modelo “hipster”, identificado como o agente Lucas Valença. No fim da tarde, o policial, apelidado também de “Lenhador da Federal”, estava entre os assuntos mais comentados no Twitter. Ele mantém um movimentado perfil no Facebook e quase cem fotos no Instagram.

Em Curitiba, o ex-deputado chegou à sede da superintendência da PF às 17h20m, e não pôde ser visto por quem o esperava. Um helicóptero acompanhou o trajeto do aeroporto Afonso Pena até a PF.

Cerca de 15 manifestantes acompanhavam a chegada do ex-deputado aos gritos de “Fala, Cunha”, “Moro, Moro”, e “Polícia Federal, orgulho nacional”. Logo depois que a viatura entrou no prédio, os manifestantes — alguns com bandeiras do Brasil e camisetas que estampavam o retrato do juiz Sérgio Moro — entoaram o Hino Nacional.

Cunha ficará preso sozinho numa cela de 12 metros quadrados na carceragem da superintendência. A expectativa inicial era de que ele passasse pelo exame de corpo de delito no IML de Curitiba ainda ontem, mas o procedimento foi transferido para hoje.

O advogado Ticiano Figueiredo, que defende Cunha, disse que o ex-deputado recebeu os policiais em Brasília de forma serena, e que os agentes foram “extremamente educados” e esperaram que ele fizesse a mala.

— Ele recebeu os policiais de forma serena, como se espera que esse processo seja conduzido — disse.

De manhã, antes de achálo em Brasília, policiais procuraram Cunha em sua casa na Barra da Tijuca. Sem sucesso, passaram a procurálo em Brasília. Nesse intervalo, Cunha teria sido informado por uma pessoa da família de que seria preso.

 

O globo, n. 30390, 20/10/2016. País, p. 7