Prova de obstáculos

Mírian Leitão

19/10/2016

 

 

A queda do comércio em agosto reforçou as projeções de que a economia brasileira permaneceu em recessão no terceiro trimestre. A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, está preocupada com o otimismo do mercado. Acha que a recuperação será lenta e teme que isso leve a uma frustração de expectativas. Desemprego, inflação e endividamento inibem o consumo, e a indústria não tem competitividade para exportar.

O dado divulgado ontem do comércio, com queda de 0,6%, levou o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco a piorar sua projeção para o PIB do terceiro trimestre, de -0,6% para -0,8%. Se confirmada, será a sétima contração trimestral consecutiva. O Ibre/FGV tem uma das visões mais cautelosas entre os analistas. Espera a volta do crescimento somente no primeiro trimestre do ano que vem, com alta de 0,6% para o ano completo de 2017. Bem menos do que os 1,3% do Boletim Focus e os 2% de alguns bancos e consultorias.

— Ainda estamos pagando o preço dos erros do passado. Temos recuperação com crédito escasso, famílias e governo endividados e inflação alta. O governo está supreendendo positivamente, com uma equipe econômica forte e sintonia política. Estamos caminhando, mas são muitos obstáculos — afirmou Silvia.

Na visão do especialista em comércio Rogério Soares, sócio da consultoria Enéas Pestana & Associados, o varejo ainda vai continuar fraco nos próximos meses, por causa da combinação de juros, inflação e desemprego. Ele diz que o Dia das Crianças, historicamente, é um bom indicador antecedente do Natal, e este ano houve queda de 5% das vendas.

Mesmo com a recessão, Silvia Matos defende que o Banco Central espere mais um pouco para reduzir a Selic. Acredita que os preços administrados devem subir 6% no ano que vem e isso vai dificultar a volta da inflação para o centro da meta. Uma boa notícia pode vir da agricultura. Ela diz que o forte crescimento de safra em 2017 deve ajudar a combater a alta dos alimentos, que foram o grande vilão deste ano.

Sinais ambíguos

Um ponto de preocupação do Ibre está no descolamento que acontece nos indicadores de confiança. Enquanto o subitem “situação atual” permanece fraco, em 68 pontos, o subitem “expectativas” saltou para 90 pontos (veja abaixo, no gráfico dos consumidores). “Com os empresários acontece a mesma coisa. E, como acreditamos que a recuperação será lenta, pode haver uma decepção muito forte. É ruim criar essa expectativa em uma economia que ainda não está nos eixos”, afirmou Silvia Matos.

Indenização na crise

As maiores empresas do país estudam cobrar uma indenização dos bancos globais envolvidos na manipulação das taxas de câmbio, ocorrida há alguns anos. Um grande frigorífico brasileiro estima ter perdido US$ 100 milhões com a atuação do cartel, que combinava a cotação do dólar e de outras moedas. Na visão das companhias, um acordo com os bancos poderia trazer alívio na renegociação de dívidas neste momento de crise.

TENDÊNCIA. A redução na tarifa de energia no Sudeste e Centro-Oeste é uma “tendência”, disse a Agência Nacional de Energia Elétrica.

LUZ SOBRE O COPOM. A mensagem é relevante para os consumidores e também para o Banco Central, que anuncia hoje sua decisão sobre os juros.

 

 

O globo, n. 30389 , 19/10/2016. Economia, p. 26.