Renan reforça ataque

 MARIA LIMA E CATARINA ALENCASTRO

27/10/2016

Mesmo dizendo que não fica bem no papel de “piromaníaco”, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reforçou o ataque ontem contra a operação da Polícia Federal que levou à prisão quatro agentes da Polícia Legislativa, o que poderá agravar a crise institucional com o Ministério da Justiça e o Poder Judiciário. Renan entrou com duas ações ao Supremo Tribunal Federal (STF), sendo que, em uma delas, pediu liminar para suspender a Operação Métis e a devolução imediata de todo o material e dos equipamentos de varredura contra grampos aprendidos.

O presidente do Senado também pediu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar a atuação do juiz federal de Brasília que autorizou a operação da PF no Senado. E combinou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de votar, em regime de urgência, a PEC que acaba com as aposentadorias de juízes e membros do Ministério Público que forem punidos pelos conselhos de Controle Externo do Judiciário e do Ministério Público.

Renan ainda ameaçou não participar de reunião amanhã com os chefes dos três Poderes, no Palácio do Planalto, para debater a segurança pública, colocando em xeque a própria realização do evento. A aliados, disse que iria para Maceió acompanhar a reta final do segundo turno da eleição municipal. À tarde, no entanto, reconsiderou sua decisão e telefonou ao presidente Michel Temer informando que retornará amanhã de manhã, a tempo de estar no encontro, do qual deverá participar a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, com quem ele divergiu publicamente nos últimos dias.

— Renan está engolindo a língua. Ele se deu conta do seu isolamento e reviu sua decisão — disse um assessor presidencial.

 

“SOBRESSALTOS TÍPICOS DA DITADURA”

Em discurso no Senado, Renan qualificou a ação da PF como uma invasão ao Congresso Nacional e uma violação do preceito constitucional da “imunidade de sede” — prática que, segundo ele, remonta à ditadura:

— Não podemos reviver os sobressaltos típicos da ditadura militar. E a forma de evitar que os excessos se perpetuem é exatamente levar o caso ao STF, que é o juiz natural dos congressistas e o guardião da Constituição. Nesta fase da experiência democrática não mais se toleram mecanismos intimidadores. O Congresso vem sendo vítima de práticas que deveriam ter sido sepultadas há muito tempo.

Além de ações no STF para delimitar o papel dos Poderes — uma reclamação e uma Ação de Descumprimento de Preceitos Fundamentais —, Renan entrou com representação no CNJ contra o juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, e orientou diretores da Polícia Legislativa a pedir ao STF habeas corpus preventivo contra novas prisões.

A PEC sobre a aposentaJustiça, doria dos juízes e integrantes do MP condenados em ações de improbidade, segundo Renan, tem que ser votada antes das Dez Medidas de Combate a Corrupção, patrocinadas pelo MP. Ele chamou de “criminosas” as aposentadorias com salário integral concedidas a juízes punidos. E também aproveitou para defender a aprovação da criticada lei que define crimes de abuso de autoridade. Apesar disso, negou que esteja pondo mais fogo na crise institucional.

— Minha competência como presidente do Legislativo não pode ter limites. Eu fico melhor no papel de bombeiro, não fico bem no papel de piromaníaco. Estou tentando fazer com que isso não se transforme num grande incêndio. Estou fazendo o que sempre fiz nessas horas, recorrer ao STF. Há um momento conturbado que precisamos resolver — disse Renan.

PALAVRAS DE ORDEM E VUVUZELAS

Sem se referir à ministra Cármen Lúcia, Renan afirmou que está recorrendo ao Supremo para delimitar a competência de cada poder. Depois que, ao comentar a decisão de prender os policiais, Renan se referiu ao “juizeco”. Cármen respondeu que não é admissível que um juiz seja “diminuído ou desmoralizado” fora dos autos.

— Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da lei. Nem os legisladores nem seus aplicadores — disse Renan, ressaltando que, se provarem que os policiais legislativos cometeram abusos, ele, como presidente da Casa, os punirá.

Enquanto Renan anunciava sua reação ao Judiciário, fora do Senado manifestantes protestavam contra a lei de abuso de autoridade. Com a enorme faixa “Fora, Renan, o Brasil não te suporta mais”, os manifestantes gritavam palavras de ordem contra o presidente do Senado, exibiam algemas e faziam barulho com vuvuzelas.

Na reunião de amanhã, no Planalto, Renan não queria ter que se encontrar com o ministro da Alexandre de Moraes, a quem chamou de “chefete de polícia” por causa da Operação Métis. A participação do ministro na reunião chegou a ser posta em dúvida. Pela manhã, o nome dele não aparecia numa previsão feita por auxiliares de Cármen Lúcia. À tarde, ainda em meio às ameaças de Renan não comparecer, nem mesmo o Ministério da Justiça garantia a presença de Moraes. Quem acabou confirmando a ida do ministro foram assessores do Planalto. Moraes está articulando, junto aos estados, propostas na área da Segurança. Sem ele, argumentavam auxiliares de Temer, a reunião ficaria “manca”.

Renan procurou Temer três dias consecutivos para reclamar de Moraes. Em uma dessas conversas, o presidente teria dito a Renan que ele deve se acalmar e colocar a posição de presidente do Senado acima de suas emoções.

— Ele (Renan) ponderou melhor. Não pode abrir tantas frentes. É o presidente de um Poder, não pode se furtar a aceitar um convite do presidente — disse um aliado do presidente do Senado.

Assessores de Temer admitiram, ao longo do dia, que o clima para a reunião estava muito ruim e que era preciso “decantar as emoções”. O encontro constava da agenda de Cármen Lúcia, há mais de duas semanas. Só no fim do dia, após a ligação que Renan fez a Temer afirmando que participará da reunião, o Planalto confirmou oficialmente a realização do evento.

 

PRESSÃO CONTRA MINISTRO DA JUSTIÇA

Embora a manutenção de Moraes no cargo esteja, por enquanto, assegurada, ontem senadores da base aliada fizeram chegar a Temer a informação de que um grupo de senadores que acha que ele deve ser substituído. No Planalto também há defensores da demissão de Moraes. Além de Temer, Cármen Lúcia, Renan e Moraes, a reunião contará com a presença do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e dos ministros Raul Jungmann (Defesa), José Serra (Relações Exteriores) e Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional). Por sugestão de Cármen Lúcia, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, participará, bem como os chefes das Forças Armadas. Na terça-feira, Temer tentou marcar um encontro entre os chefes dos Poderes para apaziguar os ânimos, mas Cármen se recusou a comparecer. Naquele dia, Renan declarou que teria dificuldades de se reunir com Moraes. — Vamos providenciar máscaras de gás para que Renan e Moraes possam conviver no mesmo ambiente — brincou um auxiliar de Temer. Renan disse que falou em “juizeco” de forma genérica, fazendo referência a qualquer juiz que extrapole suas competências: — Quando falei do juizeco, não estava me referindo ao juiz que autorizou o mandado de prisão. Da mesma forma que, quando falei do nojo a métodos da polícia, não falava da PF. Não sei a quem coube a decisão do espetáculo. Sinceramente não sei. Disse e repito que tenho nojo de métodos fascistas.

 

O globo, n. 30397, 27/10/2016. País, p. 3