Valor econômico, v. 17, n. 4125, 04/11/2016. Finanças, p. C3

‘Nós não julgamos a corrupção’, diz Pereira

Para presidente da CVM, caso Petrobras mostra que investidores e analistas têm de cobrar empresas

Por: Graziella Valenti

 

O presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Leonardo Pereira, afirmou que a Operação Lava-Jato tornou público como a Petrobras tratava o retorno financeiro de seus projetos. “O mercado também falhou. Todos falharam”, disse. Para ele, o caso mostra que investidores e analistas precisam cobrar mais das empresas. Embora ressalte que a corrupção não é um tema da alçada da CVM, Pereira afirmou que os processos da Petrobras que serão julgados pela autarquia vão abrir precedentes de como essas práticas se relacionam aos deveres de administradores e controladores das empresas, observou Pereira. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor por Pereira. Valor: A Lava-Jato vai ficar mar- cada na história do país. Qual o papel da CVM nesse episódio?

Leonardo Pereira: A CVM tem que começar a julgar Petrobras. Antes não dá para falar. E é preciso ficar claro que nós não julgamos a corrupção. Isso não é nossa competência. Os julgamentos vão abrir os precedentes sobre como isso se relaciona com deveres de administradores e controladores das empresas.

Valor: No caso de delatores que são ex-diretores estatutários da Petrobras, a CVM poderia aplicar pena com base nas confissões?

Pereira: A confissão não é suficiente. Tem que ficar provado. Precisa haver processo e documentação. A CVM tem acompanhamento regular junto da Petrobras sobre as descobertas e tem estado próxima ao Ministério Público. Acompanhamos os depoimentos dos delatores. Também auxiliamos a SEC [Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, pois as ações da Petrobras são negociadas nos EUA]. Mas não temos de ficar mostrando isso. Não é preciso.

Valor: O senhor se impressiona com o que vê nos inquéritos e processos relacionados à Lava-Jato?

Pereira: Claro. Toda a sociedade se impressionou. Agora é público como a Petrobras tratava o retorno financeiro de seus projetos. Teria dado para ver antes? Não é o mandato da CVM. O mercado também falhou. Todos falharam. Investidores e analistas precisam cobrar mais as empresas. Cobrança é essencial ao equilíbrio do mercado.

Valor: Como decidir quem processar na Petrobras? Esse foi um debate quando os derivativos cambiais quebraram Sadia e Aracruz.

Pereira: Tem que pegar o máximo possível de envolvidos. Mas com evidências, claro.

Valor: Como foi a participação da CVM na Operação Greenfield, da Polícia Federal?

Pereira: É sigilo. Mas foi emblemática. Houve grande preparação da área de verticalização da Polícia Federal e do Ministério Público. Ainda é muito recente nosso acordo de colaboração com o Ministério Público Federal (MPF). Nos Estados Unidos, a SEC tem esse pacto há décadas. É preciso incentivar. A Greenfield mostra que é possível e que se deve trabalhar junto.

Valor: Quando chegou à CVM, se surpreendeu com o volume de temas técnicos?

Pereira: Não. Disso eu já sabia. Cheguei sabendo minhas prioridades. Desde o início, já na posse, falei sobre reformar o Novo Mercado, sobre mudanças na indústria de fundos, consolidação das regras contábeis do IFRS e também da importância de controles internos. Não antecipei, naquela época, o problema das estatais, mas isso está dentro da reforma de governança. As quatro coisas que constam do meu planejamento dialogam com a situação atual do país.

Valor: A Superintendência de Empresas (SEP) é uma das mais polêmicas. A que atribui isso?

Pereira: É a área mais suscetível a críticas. Sempre foi e sempre será. Lida com muitos interesses. Quando questiona as empresas, ‘oficia’ demais. Quando não questiona, não faz nada. Depois de reclamar quando estava na cadeira de diretor das empresas, eu entendi aqui na CVM porque tem que ‘oficiar’. Porque quando o regulador não ‘oficia’, pula um passo.

Valor: Em 2015, a supervisão de fatos relevantes levou a 259 ofícios, quase o dobro do ano anterior. Isso pode ser visto como burocracia.

Pereira: Pode dar essa sensação. E pode estar acontecendo temporariamente, pois houve grande troca de gerentes também. Por outro lado, as críticas são históricas. O ofício tem duas funções: gerar reflexão e documentação. Antes, a área técnica mandava ofício e, quando não ficava satisfeita com a resposta, não mandava outro, abria investigação. Agora exijo outro. É verdade que aumentou a quantidade, mas acho correto.

Valor: Qual a maior fragilidade que vê na autarquia?

Pereira: O principal problema é gente. Tenho feito pedidos recorrentes. A falta de gente é a pior coisa. Mesmo quando tem problema de orçamento, pessoas engajadas fazem acontecer. Mas, se não tem gente, nada acontece.

Valor: Não há regularidade na contratação e nos concursos?

Pereira: Não. E tenho convicção de que é preciso concurso a cada três anos. As pessoas se aposentam, saem, entram de licença maternidade, decidem estudar mais... É preciso levar em consideração esse fluxo natural. Além disso, há a curva de aprendizado. O concurso estabelece um piso, mas entender a CVM na prática demanda tempo.