Valor econômico, v. 17, n. 4125, 04/11/2016. Brasil, p. A3

Parlamentares querem validar uso de 'foto' na adesão à repatriação

Reabertura ocorreria entre 1º de fevereiro até 30 de junho, com tributação de 35%

Por: Raphael Di Cunto, Vandson Lima e Thiago Resende

 

Parlamentares, advogados e empresários pretendem utilizar o novo projeto de lei de repatriação, que o Senado Federal começará a discutir na próxima semana, para garantir que as pessoas e empresas que pagaram tributos na primeira rodada do programa com base na "foto" não sejam excluídas, ficando sujeitas a condenações penais. A Receita Federal diz agora que não vai mais banir os que optaram por esse modelo, mas pretende cobrar multa.

A segunda fase do programa, que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pretende abrir em articulação com o governo, terá 150 dias para adesão, apurou o Valor com duas fontes ligadas ao pemedebista. O novo prazo seria entre 1º de fevereiro e 30 de junho de 2017. Segundo auxiliares, o martelo não está batido sobre a janela, mas é consenso que será menor que os 210 dias da primeira rodada, que terminou na segunda-feira.

A reabertura do prazo deve ser o único ponto da proposta inicial, que será apresentada pela Mesa do Senado. Renan articula dar urgência ao projeto, levando-o a plenário sem tramitar por comissões. Sem isso, a medida teria, ao menos, de passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o que poderia comprometer a aprovação ainda este ano.

A taxação, de acordo com um interlocutor de Renan, será propostas nos moldes do que defendia o governo Dilma inicialmente: 17,5% de multa e 17,5% de imposto de renda em troca da anistia tributária e penal. Desta forma, não prejudicaria quem aderiu já na primeira fase, embora os contrários alertem que, se o objetivo é atrair mais gente, uma alíquota maior é desencorajadora. Com esse argumento a Câmara alterou a proposta de Dilma para 30% no total.

A liberação para que parentes de políticos e servidores públicos possam aderir à repatriação, o que era proibido na primeira fase, não estará na proposta inicial. Mas Renan já negocia, dizem aliados, a entrada desse item a partir de uma emenda ao texto. Porém, não quer se envolver diretamente na mudança polêmica, que interessa a vários congressistas.

Parlamentares também desejam usar o novo projeto para garantir a anistia de quem participou da primeira fase. Informações repassadas por bancos a eles apontam que a maioria das adesões ocorreu pelo modelo da "foto" - o saldo no dia 31 de dezembro de 2014 - e não pelo "filme", versão defendida pela Receita Federal para cobrar Imposto de Renda e multa sobre a movimentação financeira de 2010 a 2014.

O argumento é que a lei era ambígua. "Podemos fazer uma espécie de remissão. É importante garantir a segurança para que aqueles que por ventura pagaram filme ou foto possam ser amparados no quesito de não exclusão [do programa]", disse o deputado Alexandre Baldy (PTN-GO), relator de projeto que mudava a lei para, por exemplo, permitir a retificação.

A Receita ameaçou, durante a fase de adesões, excluir quem declarasse apenas pelo saldo. Essas pessoas e empresas poderiam ser processadas por sonegação e outros crimes fiscais, desde que os documentos anexados à regularização não fossem a única prova.

Em nota ontem ao Valor, o órgão informou que não excluirá quem declarou pela foto, desde que os dados sejam verdadeiros. "Contudo, a declaração estaria incompleta e, dessa maneira, o contribuinte poderá ser objeto de auto de infração para cobrança dos valores relativos aos períodos de 2010 a 2013, com multa de até 150% e juros de mora, sem prejuízo das eventuais sanções penais cabíveis", disse. Não há, ainda, balanço sobre quantos são.

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Reabertura do programa é complexa, mas ajudaria contas

Por: Fabio Graner

 

A ideia de reabrir o programa de regularização de ativos no exterior, a chamada repatriação, não agrada à Receita Federal e exige muita atenção sobre os termos em que se dará, mas pode ser de grande valia para a gestão da política econômica no governo Temer no ano que vem.

De um lado, a iniciativa que deve ser levada a cabo na próxima semana reforça os temores de que se torne uma espécie de Refis - o programa para recuperação de impostos não pagos aqui no país -, estimulando e premiando práticas de sonegação. Não foi à toa que, mesmo visivelmente controlando a fala, o secretário da Receita, Jorge Rachid, disse na terça-feira que não considerava necessária a reabertura do programa.

O principal dilema que se coloca é sobre como se processará essa reabertura. Afinal, um dos riscos é passar a mensagem de que quem aderiu na oportunidade original fez um mau negócio. Nas sucessivas reaberturas de Refis, com seus nomes variados, um discurso recorrente era o de que as condições deveriam ser mais duras a cada adesão para não estimular a sonegação. É verdade que a prática não foi bem assim, mas o princípio é importante e os parlamentares deveriam levar isso em conta.

Nesse caso, a ideia do senador Romero Jucá (PMDB-RR), de cobrar um pouco mais de multa, faz sentido e seria, de certa forma, pedagógica, premiando quem regularizou primeiro a sua situação junto ao Estado brasileiro. Evidentemente, a alíquota teria de ser calibrada para não inviabilizar novas adesões, mas punir o retardatário.

Vale lembrar que o maior estímulo para aderir ao programa é se livrar do risco de cair nas mãos da Receita no momento em que seu comandante ressalta que "a era do sigilo bancário acabou". Rachid e os técnicos do Fisco têm destacado que o acordo internacional de troca de informações vai permitir vasculhar dados antes inacessíveis. Aqueles que têm dinheiro no exterior não declarado correm sério risco de processos e até de prisão.

Se a ideia de reabrir a repatriação for adiante, outro problema a ser encarado é sobre a questão do "filme" ou da "foto". Como o movimento do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fracassou, prevalece a tese da Receita, de que a lei determinava o pagamento de imposto e multa sobre o montante que estava no exterior nos cinco anos até 2014 e não só a "foto" no fim daquele ano.

As dúvidas que se colocam é se o Congresso vai fazer valer a tese da "foto" e como tratará os casos de quem aderiu à repatriação original pagando com base no saldo do fim de 2014 à revelia da Receita. Parlamentares e fontes do próprio governo vinham dizendo que muita gente ia fazer pela "foto" e disputar na Justiça. As indicações são de que os parlamentares vão buscar dar alguma segurança jurídica para esses contribuintes.

A despeito das questões técnicas, a reabertura da repatriação realmente pode ser um socorro importante para o governo. Ao abrir uma oportunidade de trazer grande volume de receitas extraordinárias, minimizará os riscos fiscais do próximo ano.

Pode ainda resolver o problema que está colocado na discussão do Orçamento de 2017, no qual o relator da matéria, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), busca encaixar nas despesas do ano que vem um volume adicional estimado em ao menos R$ 9 bilhões.

A estratégia de reduzir o volume de restos a pagar - para a qual o governo agora indica que pretende usar um valor da ordem de R$ 20 bilhões do arrecadado com a repatriação deste ano - eleva a base de gastos para 2017. Mas isso só poderá se traduzir, de fato, em novas despesas se o governo tiver receitas suficientes para que a meta de déficit de R$ 142 bilhões seja cumprida. E, nesse caso, reabrir a repatriação pode ser uma solução, mesmo à revelia da Receita.