Valor econômico, v. 17, n. 4127, 08/11/2016. Política, p. A9

Odebrecht banca gastos pessoais de delatores

Ex-executivos e controladores da empresa já produziram cerca de 2,8 mil páginas de informação

Por: André Guilherme Vieira

 

Logo depois que a secretária da Odebrecht Maria Lúcia Guimarães Tavares revelou a existência de um setor no grupo empresarial destinado ao controle do pagamento de propinas a políticos e a agentes públicos, durante depoimentos prestados em delação premiada em março, o empresário Emílio Odebrecht mandou colocar uma caixa em uma sala na sede da empresa em São Paulo, no imponente edifício localizado na rua Lemos Monteiro, no Butantã.

Na "caixinha", como ficou conhecida nas rodas de conversas de funcionários, familiares de executivos afastados de suas atividades por figurarem como investigados na Operação Lava-Jato depositavam faturas com despesas pessoais, como contas de luz, água, gás e escola de crianças, para que a Odebrecht providenciasse os pagamentos. A ideia foi ampliar o amparo já prestado aos familiares dos alvos de investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF).

A viabilização de pagamentos de vantagens indevidas por meio de caixa dois teria sido a opção preferencial de Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro do grupo, cujos depoimentos em delação premiada concentram as maiores expectativas de potenciais danos a políticos.

Marcelo foi diversas vezes instado, inclusive por seu pai, Emilio Odebrecht, a optar pela realização de pagamentos de propinas pela via do caixa um, com doação feita oficialmente e registrada na Justiça Eleitoral.

O executivo, no entanto, justificava que se incomodava com o fato de jornalistas consultarem o site do Tribunal Superior Eleitoral para saber quais empresas eram as maiores doadoras de campanhas, conforme apurou o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.

Foi também Emilio Odebrecht, ao se dar conta das proporções que tomariam as negociações para fechar o acordo de colaboração do grupo com o MPF, quem decidiu reservar R$ 800 milhões do caixa da companhia para custear as multas penais individuais previstas aos mais de 70 executivos e ex-executivos do conglomerado.

Quase oito meses após a divulgação do comunicado intitulado "Compromisso Com o Brasil", em 22 de março, em que o Grupo Odebrecht manifestou o desejo de colaborar com a Justiça para "a construção de um Brasil melhor", os mais de 70 candidatos a delator em colaboração premiada produziram, em média cerca de 40 páginas de informações à Justiça cada um, o que significa que as colaborações premiadas da Odebrecht deverão totalizar nada menos do que 2,8 mil páginas de conteúdo.

Todos os investigados ligados à empresa que buscam o acordo de colaboração premiada já tiveram suas penas definidas após séries de duras rodadas de negociações travadas por seus advogados com procuradores que atuam na Operação Lava-Jato.

Ontem, defensores e investigadores ainda discutiam a condição de uma pessoa relacionada a Odebrecht. Faltava definir se ela figuraria como ré colaboradora ou apenas como leniente, representante de uma pessoa jurídica do grupo na esfera cível.

Dos mais de 70 candidatos a delator, quase todos terão de cumprir prisão em regimes combinados de semiaberto e aberto.

No semiaberto usa-se tornozeleira eletrônica e é permitido sair de casa, geralmente no período entre 6h e 22h. Mas é preciso dormir na residência, inclusive nos fins de semana.

Já o regime aberto permite que o réu passe a noite fora de casa, exceto nos sábados e domingos. Não há obrigatoriedade de uso da tornozeleira eletrônica.

Os executivos da empresa que cumprirão regimes semiaberto e aberto poderão trabalhar, mas com atuação restrita.

Ao cumprir o semiaberto, por exemplo, o funcionário da Odebrecht não poderá manter contato com agente público, nem ser diretor de empresa ou ocupar cargo estatutário. "Nessa condição, terá atuação de consultoria ou de 'coaching'", explica uma fonte com acesso ao caso ouvida pelo Valor.

Após a assinatura dos acordos de colaboração premiada e de leniência, prevista para acontecer nos próximos dias na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, o relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Teori Zavascki, terá de homologar as delações, conferindo-lhes valor jurídico - somente depois de avalizados pelo Judiciário os depoimentos poderão ser usados para amparar novas acusações criminais (denúncias) e ensejar investigações policiais com emprego de medidas cautelares como condução coercitiva e busca e apreensão.

No entanto, a homologação das milhares de páginas de depoimentos em delação premiada dificilmente ocorrerá antes de março do ano que vem, segundo apurou o Valor.

O pagamento de vantagem indevida por caixa dois a políticos, entre os quais parlamentares e governadores, consta de praticamente todos os depoimentos dos candidatos à delação premiada ligados ao grupo.

Procurada pela reportagem, a Odebrecht informou por meio de sua assessoria de imprensa que não comenta acordos em andamento.